É difícil passar muito tempo em São Paulo, entre os meses de julho e agosto, sem dar de cara com um festival de gastronomia acontecendo em algum lugar na cidade. Só recentemente, foram quatro eventos: SP Gastronomia, Smorgasburg, Pátio Gourmet e, neste e no último final de semana, a tradicional versão paulistana do festival Taste.
São eventos bem parecidos em questão de formato. Geralmente você paga um ingresso (com exceção do Smorgasburg e do Pátio Gourmet) e, dentro do evento, você pode circular entre restaurantes que oferecem pequenas porções de seus pratos para que todos provem o máximo de comida possível. Lojas também disputam espaço e atenção das pessoas.
Hoje, apesar dos vários eventos acontecendo em sequência, os números indicam um público curioso pelos festivais -- fortalecendo esse boom de eventos de gastronomia. De acordo com dados divulgados por cada um dos organizadores, a SP Gastronomia reuniu 25 mil pessoas em 4 dias de festival, o gratuito Smorgasburg atraiu 100 mil pessoas e o Pátio Higienópolis não divulgou números, mas diz que o trânsito de pessoas aumentou em 40% em comparação direta com o público do festival que passou por lá no ano anterior.
“Temos o compromisso de fortalecer toda a cadeia, dando visibilidade tanto aos pequenos produtores quanto aos grandes restaurantes, e levando ao público pratos de grandes chefs”, explica Andressa Amaral, gerente de projetos especiais da Editora Globo e uma das responsáveis pelo SP Gastronomia. O evento, aliás, é um dos precursores no Brasil: começou como desdobramento do Prêmio Rio Show de Gastronomia, em 2011, com o nome de Rio Gastronomia. Mais de uma década depois, levaram a ideia para São Paulo.
Esse sucesso com o Rio Gastronomia, lá atrás, ajudou a pavimentar a chegada de festivais internacionais na cidade (como o londrino Taste e o nova-iorquino Smorgasburg), além de empolgar empresas e marcas a criarem seus próprios festivais. É o caso do Pátio Gourmet, que é uma criação do shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, e realizado desde 2014.
“A nossa motivação é proporcionar ao nosso cliente uma experiência gastronômica variada, indo além das operações que já tínhamos no empreendimento”, explica Kátia Gioacchini, gerente de marketing do shopping Pátio Higienópolis e uma das responsáveis pelo evento.
A experiência dos restaurantes
Para os restaurantes, o trabalho de participar de festivais tem um ritmo intenso. Quando um restaurante é convidado para participar de um evento, ele recebe um espaço completamente “pelado” -- de acordo com restaurantes consultados por Paladar, às vezes até mesmo sem qualquer identificação. A partir daí, começa um trabalho de fazer com que aquela tenda se torne uma cozinha funcional para atender milhares de pessoas por ali.
Um dos principais pontos de atração fica com o fluxo de pessoas no festival -- que, de acordo com os números divulgados, continua interessante. Além da venda de pratos, chefs ficam em evidência e, de alguma maneira, chamam a atenção das pessoas para seu restaurante. Alguém que foi até o festival em busca de outro prato pode se interessar por um restaurante que nunca ouviu falar e, depois, pode até emendar uma visita à casa.
“Nós participamos do evento [Taste] há 6 anos e, a cada edição, nos desafiamos cada vez mais. O intuito em participar é para que possamos sair das nossas rotinas, acessando um público mais diverso e divulgar o nosso trabalho com preparos adequados para festivais além da diversão”, explica o chef Daniel Park, responsável pela cozinha coreana do Komah.
Futuro dos festivais
A grande questão é: será que os grandes festivais continuam servindo ao que propuseram quando tudo começou? Afinal, a ideia é que uma pessoa vá nesses eventos para conseguir comer de tudo um pouco, pagando não muito caro, e assim ampliar seu horizonte gastronômico. Hoje, o que se vê em alguns dos festivais é um abuso de preços e valores.
Na visita de Paladar ao Taste, por exemplo, há excessos em várias partes do evento. Depois de pagar pelo menos R$ 40 nos ingressos, o estacionamento do evento, no parque Villa-Lobos, traz uma surpresa: uma cobrança única de R$ 60 para parar o carro perto do evento. Se quiser, pode parar um pouco mais longe (alguns poucos metros, na verdade) e pagando R$ 12 por duas horas ou R$ 30, no preço único, a partir das 19h30. No entanto, na entrada, qualquer visitante é levado a crer que a única opção disponível é a de R$ 60.
Dentro do evento, a maioria dos pratos fica na faixa dos R$ 30, mesmo em porções pequenas -- um mesmo pedaço de bolo, que no SP Gastronomia saía por R$ 25, no Taste estava custando impressionantes R$ 35. Para se sentir satisfeito, era preciso comer pelo menos dois pratos (sendo bem generoso e apostando nas porções maiores). Com R$ 70 de comida, mais R$ 100 de entrada e estacionamento, dá pra comer bem um bom restaurante.
Procurada, a assessoria de imprensa do Taste Brasil não respondeu aos e-mails de Paladar sobre o preço praticado no estacionamento e sobre a questão geral dos festivais no País.
No entanto, não dá pra deixar de questionar: será que não podemos estar nos aproximando de uma saturação? “Acho que ainda estamos muito longe disso”, diz Rogério Zé Ferreira, diretor de operações da Pipoca, empresa que comanda o Smorgasburg Brasil. “Mas alguns formatos de festivais podem ficar mais pasteurizados e talvez saturados, assim como vem ocorrendo com alguns festivais de música que apresentam as mesmas experiências, line-ups muito semelhantes e linguagens muito iguais entre si para o mesmo público”.
Enquanto isso, fora do eixo Rio-São Paulo, eventos do mesmo tipo tentam se diferenciar justamente buscando uma conexão maior (e, muitas vezes, mais barata) do público com a comida. Essa é uma das buscas do Festival Cultura & Gastronomia de Tiradentes, por exemplo. “Assumi a direção do Festival de Tiradentes em 2006 e trouxe um olhar mais para o Brasil e para a nossa gastronomia”, diz Rodrigo Ferraz, diretor geral do Fartura, organizadora de eventos do tipo no País. “Foi exatamente observando essa cadeia produtiva da gastronomia como um todo que percebi que, além de valor cultural, esse segmento tem valor social e econômico, capaz de mexer com a vida de muita gente”.
Para Rodrigo, há ainda um longo caminho. “Todas as ações para que o setor tenha o seu merecido destaque são válidas, inclusive os eventos e o trabalho que tanto nós quanto outros atores do setor desenvolvem no Brasil”, diz. “Haverá eventos e projetos com maior ou menor relevância. O próprio público saberá diferenciar a qualidade do que é oferecido”.