Foi depois de uma viagem à França que os italianíssimos Santini decidiram tornar sua osteria familiar num restaurante estrelado. Foi depois de um ano neste três estrelas da Lombardia que o brasileiro Augusto dos Santos achou que dava pé para ter o seu próprio restaurante. E teve. E fez sucesso por uma década na França.
A quadrilha aqui é antes gastronômica do que drummondiana, como Nadia e Antonio, o casal por trás do Dal Pescatore, Augusto colocou o parceiro no batente: ele na cozinha, Stéphane no salão, os dois na limpeza, nas compras e no financeiro.
“O Dal Pescatore é o único italiano que se mantém triplamente estrelado há mais de 25 anos, mas na cozinha tinha cachorro, a sogra da Nadia, discussão de família...Vi que era possível fazer boa comida sem todos os protocolos franceses. Me senti livre para ter o meu próprio canto”.
Augusto, o restaurante, tinha 24 lugares e lotava almoço e jantar. O Augusto, “caipira de Catanduva”, tinha lido muito livro de receita, cozinhado incansavelmente para amigos e família enquanto administrava uma concessionária em Rio Preto, largado tudo para comer na Europa e prometido a si mesmo e a M. Paul Bocuse que seria aluno exemplar no seu instituto.
Depois de cumprir a promessa com estudos, estágios, comilanças e expedientes de mais de 12 horas ao lado de chefs reconhecidos, foi dedicar as mesmas horas às suas panelas, o que lhe rendeu menção nos guias Michelin e Gault Millau.
“O cardápio em Lyon era muito simples, um par de entradas, outro de massas, sempre uma carne entre os principais. Bem curto mesmo”, conta o cozinheiro. Entre querer dar um passo além e voltar a seu país, Augusto levou quase dois anos. “Não conheço ninguém em São Paulo, mas sempre que conhecia brasileiros diziam que eu precisava estar aqui. Acabei vindo”.
Seu Libreria Augusto caiu de paraquedas nos Jardins, com bagagem pesadíssima. Não traz o discurso de horta própria, mas as memórias de quem cresceu arrancando o que tinha vontade de comer no pomar, vendo a avó fazer queijo e, mais tarde, destrinchando diferentes tipos de aves e caças “sem desperdiçar nem um milímetro” em jornadas duríssimas junto a MOFs (melhores artesãos da França).
A elegante casa traz também a arte da hospitalidade, 450 pratos de antiquários lioneses e uma culinária cartesiana: o tortelloni tem quatro dobras para guardar o recheio de vitela, mascarpone e limão siciliano e é fechado na hora (R$ 115); o pappardelle é tingido delicadamente com salsinha, o que dá leveza ao ragu de linguiça toscana com redução de vinho tinto e fonduta de parmesão (R$ 107); a caprese tem cinco tipos de tomates e três de manjericão, cada um com seu preparo (R$ 39).
Como no Dal Pescatore, as receitas misturam o novo e o antigo e o gnocchi, só batata e farinha: “A Nadia adorava contar que uma vez o Joel Robuchon ligou para saber como ela fazia gnocchi e não se conformava: ‘mas vai ovo, eu sei. Vai queijo? Noz-moscada?’ E ela respondia durona: ‘Estamos na Lombardia é batata e farinha. Batata e farinha, chef, não insista’”.
Depois de pronto, Augusto doura a massa na frigideira. Se lhe der a louca, acrescenta uns cubinhos de beterraba, mel, tomilho e vinagre: “Fica com mais sabor de beterraba do que um gnocchi de beterraba e vai bem com uma carne, como o ancho”. A interpretação é um bom exemplo do que é seu restaurante.
“O nome Libreria é por essa liberdade que a Nadia me deu, pela minha biblioteca de livros, de cardápios, de sabores. É a minha viagem. Se é italiano clássico? Claro que não, mas também não sei o que é”. A você de descobrir.
Libreria Augusto
Al. Tietê, 179, Jardins. Ter. a qui., das 19h às 22h30; sex. e sáb., das 19h às 23h30. Tel.: (11) 91864-2671