Não ia ter choro, nem vela. Quer dizer, teve choro em uma mesa, vela em todas. Se foi um pedido de casamento, uma declaração sincera de amor ou uma paixonite aguda pelo picolé de truta chilena defumada servido que provocaram as lágrimas, não se soube.
As reservas para o Dia do Namorados no estrelado Cipriani, dentro do hotel mais famoso do país, a saber o carioca Copacabana Palace, fecharam com um mês de antecedência e a fila de espera não andou.
Para garantir o lugar, cinquenta convivas pagaram adiantadamente os R$ 750 do menu (ou R$ 1450 com harmonização), sem saber o que comeriam e nem que, além do chef residente, Nello Cassese, estaria de surpresa Sergio Barroso, do Olam, de Santiago do Chile.
O espanhol responsável pelo atual 68º melhor restaurante da América Latina trouxe na mala polvo, truta, congro e serra do arquipélago de Juan Fernandez, quintal da sua casa e região famosa pela pesca sustentável centenária de lagosta e de outros frutos do mar.
Com esses ingredientes, um montão de açafrão e arroz bomba que trouxe recentemente da casa dos pais, em Cádiz, outro bocado de missô caseiro, enguias da Patagônia e condimentos apimentados, preparou o tal picolezinho emocionante de ajoblanco (sopa fria de amêndoas e alho), truta curada e caramelo de aceto balsâmico de Módena.
Serviu também gunkan, espécie de sushi em forma de “barquinho de guerra” que, em vez de ser envolto em algas, tem bonito em missô; em vez de shari, arroz de tomate picante. Por cima ganhou peixinhos (”puyes”) empanados.
Passou por um tomate “semi seco”, levemente caramelizado e fartamente recheado com mousse de serra defumada, ilhado por sopa de alface romana, que balanceava os sabores potentes do peixe. Brilhou com arroz socarrat (isso é, com aquela casquinha dourada que agarra na panela) de polvo e, apesar de pouco afeito a sobremesas, mochi de chocolate, missô e laranja.
Como bom italiano que é, provavelmente o chef residente deve ter esquecido que era Dia dos Namorados, visto que segue comemorando em 14 de fevereiro, no dia de San Valentino, e marcou o jantar com o colega para a mais disputada data da restauração.
Sem demonstrar nem um tiquinho de estresse, dialogou com o menu do convidado por meio de mini zeppola com parmigiano, culatelo e tartufo nero, ostra com beurre blanc, leitão em bao e em pururuca, assim como adoçou a conversa com uma bandeira italiana expressa em creme e ricota, bombom de pistache, marzipan e sorvete de amêndoas e arrebatou com o gelato inédito de merengue e marrom glacê.
Por sorte, teve a boa surpresa de fluência na cozinha. Afinal, jamais havia trabalhado com Sergio e nunca se sabe o que esperar de um desconhecido... Vai daí que, no final das contas, a coisa deu em namoro: no próximo 14 de agosto, Nello cozinha pela primeira vez no Chile – obviamente no Olam.
Além de levar suas leituras de clássicos da culinária italiana, para o chef executivo dos restaurantes do Copacabana Palace e diretor gastronômico de todas as propriedades da Belmond na América do Sul é uma chance de “descobrir novos produtos, sobretudo marinhos, que o Chile tem”.
Descoberta que Sergio faz há uma década por lá. Madrilenho, cresceu bem longe da praia, mas hoje mora em Valparaíso: “Fui para a cozinha em um contexto em que não era moda, Mugaritz e el Bulli estavam começando. Tive a oportunidade de ir ao sul da Espanha, onde está a ponta dos atuns, da pesca artesanal e de todo o tipo de cozinha que a mim parece espetacular, de muita brasa, lenha e produtos bem naturais”.
Pescados e mariscos desenvolveram seu processo criativo desde aqueles tempos, passando pelo trabalho com os estrelados Ferran Adrià, Sergi Arola e Denis Martin. No entanto, confessa: “Chegar a um país com frutos do mar fabulosos, muitas sazonalidades e dispensa infinita, entrar numa cozinha menos quadrada e poder fazer a minha proposta, foi uma mudança bonita”.
Olam
Carmencita 45, Las Condes, Santiago. De ter. a sáb., das 19h às 00h30