NOVA YORK - No verão passado, o chef Daniel Humm fez uma promessa a si mesmo. Se fosse reabrir o Eleven Madison Park, restaurante de Manhattan que foi considerado o melhor do mundo em 2017, ele não voltaria a importar caviar nem refogar raiz de aipo em miúdos de porcos.
Na segunda-feira (3), Humm anunciou que o Eleven Madison Park, fechado desde março do ano passado por causa da pandemia do novo coronavírus, seria reaberto com um menu à base de vegetais. É uma grande mudança para um dos restaurantes americanos mais elogiados dos últimos vinte anos. A instituição há muito conhecida pela proficiência técnica de pratos com leitão, ouriço-do-mar e pato com molho de lavanda reabrirá com um menu sem carnes nem frutos do mar.
Nos últimos dezoito meses, o escrutínio sobre as dietas à base de carne e frutos do mar por razões ambientais e sociais se intensificou à medida que a pandemia expôs fraquezas nos sistemas alimentares globais e ressaltou as desigualdades da vida americana. Embora Humm ainda ofereça muita carne vermelha em seu restaurante de Londres, o Davies e Brook, no hotel Claridge’s, a mudança no Eleven Madison Park - que tem quatro estrelas do New York Times e três da Michelin - sugere como restaurantes finos podem se reinventar para a reabertura.
O menu de vários pratos do Eleven Madison Park manterá seu preço pré-pandêmico de US$ 335, incluindo a gorjeta. Embora um número relativamente minúsculo de clientes consiga arcar com essas despesas num restaurante onde sempre foi difícil fazer reservas, Humm está entre um pequeno número de chefs cuja influência cultural se estende para além dos bons restaurantes, disse Paul Freedman, professor de história na Universidade de Yale e autor de Ten Restaurants That Changed America [Dez restaurantes que mudaram a América].
Ele disse que o novo Eleven Madison Park “terá uma grande influência sobre os melhores restaurantes em lugares como Midland, Texas - lugares ricos que não são Los Angeles, São Francisco nem Nova York”.
Ruth Reichl, ex-editora da revista Gourmet e crítica de restaurantes do New York Times de 1993 a 1999, disse que o exemplo de Humm pode influenciar os rumos da culinária americana nos próximos anos. “Um restaurante como o Eleven Madison Park é basicamente uma instituição de ensino”, disse Reichl, comparando seu potencial efeito ao do Chez Panisse, o restaurante pioneiro na tendência de Berkeley, na Califórnia.
Humm disse que a decisão é resultado de uma reavaliação de anos sobre o rumo de sua carreira, que atingiu seu ponto de ruptura durante a pandemia. “Ficou muito claro para mim que nossa ideia do que é luxo precisava mudar”, disse Humm. “Não podíamos voltar a fazer o que fazíamos antes”.
Se os custos dos ingredientes do restaurante vão cair, os custos de mão de obra vão subir, pois Humm e seus chefs estão trabalhando para fazer com que a comida vegana corresponda à reputação do Eleven Madison Park. “É um processo trabalhoso e demorado”, disse ele.
O restaurante também ajudará a sustentar o Eleven Madison Truck, uma cozinha itinerante que Humm lançou no ano passado, em parceria com a Rethink Food, para atender às crescentes necessidades da fome em Nova York durante a pandemia. Cada refeição comprada no Eleven Madison Park fornecerá cinco refeições para essa iniciativa. “Eu queria que todos que entrassem em contato com o Eleven Madison Park passassem a fazer parte dessa corrente do bem”, disse Humm.
Jay Rayner, crítico de restaurantes do suplemento The Observer, em Londres, aplaudiu a decisão de Humm, mas advertiu que “há limites para o que você pode fazer por meio de um restaurante com estrela Michelin”.
“Obviamente, os chefs devem continuar fornecendo seus ingredientes de forma responsável, tendo em vista a emergência climática”, continuou ele. “Mas, no final das contas, você ainda está cozinhando para pessoas ricas e pode questionar o compromisso delas com essas coisas”.
Humm, que nasceu na Suíça e cozinha num estilo desenvolvido na Europa ocidental, está longe de ser o primeiro chef de sua estatura a mudar o foco para os vegetais. Alain Passard serve um menu de degustação de vegetais no L’Arpège, seu famoso restaurante em Paris, desde 2001. Reichl destacou que Charlie Trotter cozinhava de forma semelhante na década de 1990, em Chicago.
Amanda Cohen, chef e proprietária do Dirt Candy, um restaurante vegetariano na cidade de Nova York, disse que a decisão de Humm é significativa porque ele não era associado à culinária baseada em vegetais. “Isso continua levando a conversa adiante”, disse ela.
Humm se tornou chef executivo do Eleven Madison Park em 2006, oito anos após sua inauguração pelo restaurateur Danny Meyer. Humm e seu então parceiro de negócios, Will Guidara, compraram o restaurante de Meyer em 2011. Os sócios lutaram muito para chegar ao topo da lista anual dos 50 melhores restaurantes do mundo. Humm disse que a pressão que veio com a conquista dessa meta, em 2017, contribuiu para o rompimento com Guidara em 2019.
Anos atrás, Humm começou a namorar Laurene Powell Jobs, uma proeminente filantropa, fundadora do Coletivo Emerson e viúva de Steve Jobs. Jobs não está financeiramente envolvida no Eleven Madison Park, disse ele.
A mudança de direção de Humm ocorre num momento em que outros restaurantes mais proeminentes também estão fazendo a transição para menus baseados em vegetais, às vezes com aplausos da crítica.
Na área da Baía de São Francisco, a chef Dominique Crenn tirou a carne de todos os seus restaurantes em 2019. Em janeiro, o Guia Michelin deu sua primeira estrela a um estabelecimento totalmente vegano na França, o ONA, um restaurante perto de Bordeaux. Em fevereiro, a chef Ann Kim abriu seu novo restaurante em Minneapolis, o Sooki & Mimi, com um menu de degustação baseado em tortillas e vegetais.
Publicações e sites de culinária fizeram apostas semelhantes sobre as prioridades dos clientes. No mês passado, o Epicurious, o popular site de culinária, disse que não publicaria novas receitas de carne e as estava eliminando devido às preocupações com as mudanças climáticas. O Epicurious citou dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, os quais afirmam que 14,5% das emissões globais de gases de efeito estufa vêm da pecuária.
Mas o Eleven Madison Park não estará totalmente livre de produtos de origem animal - eles continuarão a oferecer leite e mel para serviço de café e chá - e Humm evita a palavra “vegano”, que ele acha que pode ter conotações negativas. “A ideia do Eleven Madison Park é surpreender as pessoas”, disse Humm. “Não queremos dar sermões às pessoas”.
*TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU