A história do Les Deux Magots começa no século 19, como uma loja de novidades que tinha, entre seus itens, duas estatuetas chinesas de magos. O lugar virou um café, logo no comecinho do século 20, um point da intelectualidade, com habitués como Arthur Rimbaud, Paul Verlaine, Guillaume Apollinaire, Pablo Picasso e Fernand Léger.
Foi berço do surrealismo com André Breton e do existencialismo com Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Ganhou prêmio literário próprio, apareceu em filmes como “Os Intocáveis”, quando Omar Sy nem sonhava em ser Lupin, quase faliu, mas jamais deixou de vender chocolate quente e croque monsieur.
Graças à Catherine Mathivat, quarta geração à frente do consagrado café, expandiu-se para o Japão, Arábia Saudita e, agora, Brasil. Graças também a Frederic Renaut, dono de um bistrozinho nos Jardins, que não só recuperou o belíssimo espaço que já abrigou o maior salão de beleza da América Latina, como a convenceu de ceder a marca aos trópicos.
“A primeira mensagem que mandei, em janeiro de 2021, eles me responderam que não tinham interesse nenhum. Insisti, aí eles viram que eu era francês, que eles viviam cheios de brasileiros e quiseram conversar”, conta ele.
Para a inauguração oficial, a herdeira está em São Paulo. Afinal, precisava ver se de fato era um Deux Magots. Receitas com quais ela cresceu, caso do pot-au-feu e do bouef bourguignon, não estão no menu, portanto não houve julgamentos. A salade deux magots, com folhas, presunto, fatias de frango, queijo comté, tomates e ovo orgânico cozido (R$ 60) e o tal do chocolate quente (R$ 18), por sua vez, mereceram seu selo de aprovação.
Já o croque monsieur (R$ 41), Catherine não sabe dizer se é melhor que o de Paris: “O bechamel é perfeito, o pão não se nota a diferença, o presunto é bom, mas o queijo...”. Ela tem um ponto, ao longo do tempo, criou-se um blend ralado de mussarela, emental e comté e, por aqui, está se usando apenas emental.
Nada que impeça o chef Pascal Valero de supervisionar a confecção de pelo menos uma centena de unidades por dia. Aliás, números volumosos como esse chocaram a visitante: “Como um lugar que nem abriu já tem mais de mil pessoas visitando em um dia? É alucinante!”.
Coincidências da vida, quando morava em Paris, Pascal era vizinho e assíduo frequentador do Deux Magots: “Vivi cinco anos a 300 metros de distância. Passava para um café e um croissant, para almoçar com os amigos, para comer um croque. Aqui também, o croque monsieur é um dos meus favoritos, porque é uma oportunidade de fazer uma refeição a qualquer hora”.
Mais do que fã da receita, o cozinheiro é connoisseur do assunto: “O croque mais tradicional era um sanduíche com três camadas de pão de forma, hoje é aceito também como tartine, como no Deux Magots: uma fatia de um bom pão, bechamel, presunto, queijo e forno”. Pois é, o croque histórico deixou de ser um sanduíche!
Dito isso, até para tostadas há regras a serem cumpridas: “O molho não pode ter excesso de farinha e o cozimento tem que ser relativamente longo, no mínimo 20 minutos, não pode só deixar ferver”. Outro segredinho é ter o roux (mistura de partes iguais de manteiga e farinha) quente e o leite frio, para que nenhuma pelotinha dê as caras.
“A gente quis trazer o máximo de energia de lá, com a música, o ambiente, a louça e o cardápio, mesmo que exista uma ou outra adaptação”, explica Pascal. Nesse aspecto, mesmo sem saraus literários às segundas, jazz às quintas, nem três queijos no croque, no terraço ou no interior do casarão dos Jardins, o comensal sente o espírito de Saint-Germain-des-Prés e, sim, respira um pouco Paris.
Les Deux Magots
R. Colômbia, 84, Jardim Paulista. Seg. a sáb., das 8h30 às 00h; dom., das 8h30 às 22h30. Tel.: (11) 3068-0028