Olha aí, olha aí, freguesia! São as deliciosas pamonhas de… Piracicaba? Não, não. De Goiás. Bem, se a nova DuMí decidisse vender pamonhas à moda antiga – no porta-malas de um carro, anunciando o produto num alto-falante –, certamente teria que adaptar o famoso jingle gravado na década de 1970. Ocorre que as suas pamonhas, também deliciosas, fresquinhas e caseiras, são preparadas ao modo goiano e ficam bem mais macias, cremosas, que o quitute paulista encontrado nas feiras livres e nos populares carrinhos de milho da capital.
“Todo goiano que vem morar em São Paulo fica órfão das pamonhas de lá. É um tal de pedir pra parente, amigo, vizinho trazer pamonha na mala. E eu não aguentava mais passar por essa humilhação”, conta Gustavo Brunes, que tratou de pegar a receita com sua avó Irene para fazer pamonhas na cozinha de 8 m² do seu apartamento em Santa Cecília. A primeira panelada foi cortesia. Hoje, três meses depois, a DuMí – reparou no nome? – já vende cerca de 100 unidades por fim de semana, via WhatsApp (94395-2225 ou mensagem direta do Instagram (@dumi.sp). O próximo passo é abrir uma portinha no centro da cidade “assim que a pandemia der uma trégua”.
Como por aqui é difícil de encontrar espigas bem verdinhas, Gustavo penou para ajustar a receita e preparar pamonhas tal e qual as de Goiás. “Eu ligava toda hora pedindo socorro pra minha vó”, conta. O jeito encontrado por ele e por Kaco Olímpio, seu braço-direito, foi peneirar a massa de milho ralado e retirar o máximo de celulose. “O creme lisinho deixa a pamonha bem mais cremosa.” Aos sábados, a dupla vai para a cozinha logo cedo e só sai de lá às 15h30, com todas as pamonhas embaladas na palha do milho, como manda a tradição, e prontas para entrega. O cardápio sugere quatro opções de sabores, todas com queijo branco: “de sal”, “de doce”, à moda, com linguiça de porco apimentada, e a polêmica de frango desfiado com pimenta de cheiro. “Tem muito cliente que reclama que pamonha de frango não é tradicional, mas o fato é que a gente gosta e sai bem. Difícil agradar a gregos e goianos, principalmente na internet”, brinca Gustavo.
Há tempos que Adriana Lira, da Dona Doceira, também socorre goianos desamparados com as pamonhas que manda trazer lá de Terezópolis de Goiás, onde fica a plantação de milho orgânico da família. Desde janeiro, o serviço, antes exclusivo a conterrâneos, ganhou nome oficial, Dona Pamonha, delivery pelo iFood e Rappi e loja própria no Campo Belo, aberta à toda a freguesia (Rua Vieira de Morais, 1.294, 98872-3396).
Feitas com o puro creme do milho, “sem milharina, fubá ou amido”, as pamonhas – semiprontas, ultracongeladas e embaladas a vácuo – vêm para cá de avião e chegam na casa dos clientes com as instruções de preparo. Não tem segredo: basta fazer três furinhos na parte superior da embalagem e aquecer no microondas por seis minutos e meio, aproximadamente. Ou mergulhar a embalagem em água fervente por 20 minutos. Em seguida, abra o saquinho, desembrulhe a pamonha da palha do milho e “aproveite as delícias do Goiás”.
São quatro opções de pamonhas salgadas – a que mais sai é a Praianinha, com carne-seca, queijo e um toque de pimenta – e três doces. A Paulistinha, com açúcar e queijo, “é a pamonha do Goiás do jeito que o paulista gosta”, afirma o cardápio, que ainda inclui curau e brigadeiro de milho. “Não tinha como não ter pamonha doce. Aqui, ao contrário de lá, são as que mais saem”, comenta Adriana. Com 2 mil unidades vendidas por mês, em breve a marca deve ganhar a segunda unidade no Itaim Bibi.
Pamonha de chef
Também vem do Centro-Oeste a receita que o chef Gustavo Rodrigues está às voltas na cozinha do Lobozó. Depois de cozida na palha no milho, a pamonha é fatiada e frita por imersão. Carlos Alberto Dória, sociólogo e sócio do restaurante de cozinha caipira, provou essa iguaria no Goiás Velho e trouxe na mala a ideia de reproduzir por aqui. Também em testes, o dadinho de pamonha deve entrar no cardápio como petisco – em vez de cozida, a massa de milho é assada no tabuleiro, cortada em cubinhos e frita.
Já no Quibebe, onde Gustavo também é chef, a versão de pamonha de forno vingou e está em cartaz entre as comidas ultracongeladas para entrega em domicílio – desde março do ano passado, por conta da pandemia, o restaurante opera somente por delivery (quibebe.com.br). A massa de milho e queijo Mantiqueira (o meia-cura da fazenda Atalaia) é assada até ficar dourada, com uma crostinha caramelizada. Os pedaços da pamonha – a textura lembra a de um nhoque de semolina – são incrementados com molho de mussarela de búfala e espinafre tostado.
Sempre que encontra milho bom (e na palha) com seus fornecedores, Jefferson Rueda trata de preparar sua famosa pamonha salgada com codeguim, que serve desde os tempos do ítalo-caipira Attimo. N’A Casa do Porco, o prato, incrementado com fonduta de queijo, aparece vez ou outra no cardápio como sugestão do dia.
O chef bem que tentou resolver o problema do fornecimento irregular com sua própria plantação de milho crioulo lá no sítio Rueda, em São José do Rio Pardo. As sementes que ganhou de presente vingaram, mas, antes que ele pensasse em fazer a colheita, maritacas deram conta do serviço primeiro. Dos quase 200 pés de milho, Jefferson conseguiu salvar seis espigas. “O ditado bem diz: pamonha boa é a de milho roubado; mas eu não roubo, não”, brinca.
No novo cardápio do restaurante, a sobremesa Pamonha! Pamonha! Pamonha! resgata as memórias de infância de Jeffim em torno das receitas com milho – “época de colheita era um evento familiar. Minha avó costurava à mão cada saquinho de palha. Passávamos o fim de semana fazendo pamonha, curau, bolo de milho.” Ela combina pamonha cremosa, sorvete de queijo de cabra, farofa de milho, “feita com o bagaço da massa coada”, queijo fresco da Leiteria Santa Paula, picles de minimilho e pó de palha tostada para decorar. “É o aproveitamento total do milho, como se faz lá roça”, arremata.