O D.O.M. está mais brasileiro do que nunca - o que é extraordinário para o restaurante (e para o chef) que colocou o Brasil (e seus ingredientes) no mapa da gastronomia mundial. Só para refrescar a memória: entre 2011 e 2015, o D.O.M. de Alex Atala esteve entre os 10 melhores restaurantes do mundo, segundo o 50 Best, tendo, em 2012, alcançado a 4ª posição (ou o lugar mais alto já conquistado por um brasileiro nessa lista).
Agora voltemos a 2024, ano em que a casa completa os seus 25 anos. Para celebrar esse marco, um novo menu-degustação acaba de entrar em cartaz. Um menu antropofágico, que se alimenta das pesquisas, do saber-fazer e da criatividade de Atala, além das memórias de parte da equipe do restaurante, para exaltar o sertão e seus biomas.
É a cozinha de Conceição de Coité, cidade natal do subchef Geovane Carneiro, de Acopiara, onde nasceu o sommelier Luciano Freitas, de Arapiraca, de onde vem o garçom Will Silva, e de outras tantas cidades sertanejas das quais migraram os colaboradores do D.O.M. (somando cozinha e salão, o restaurante tem 12 membros daquela região). E como é bonito assistí-los descrever os pratos na hora do serviço. São falas cheias de emoção, com uma riqueza de detalhes digna de quem ocupa o seu lugar de fala.
É o puro suco da cozinha de conforto do Brasil, que tem arroz com ovo, jabá com jerimum, feijão com mocotó, couve com “toicinho”, pirão. Pratos embrulhados pelas técnicas e pela estética da alta gastronomia de forma tão elegante e sutil que, na maioria das vezes, a gente nem percebe.
Uma bala de cajuína com um toque de cachaça (você põe na boca e ela explode) abre alas para as 12 etapas do menu. Daí vêm os quatro snacks, cujos sabores estão descritos no livro Gastronomia Sertaneja: Receitas que contam histórias, de Ana Rita Suassuna, prima de Ariano, que também é fonte de inspiração para essa temporada: batata doce com queijo de coalho; peixe com fubá; carne de fumeiro com mandioca; e frango com farofa (nesse último, a tulipa vem lambuzada com uma glace ácida de tamarindo, em referência à galinha de comboeiro, como eram conhecidos os viajantes do sertão, cuja comida por vezes azedava ao longo do trajeto. Empane a tulipa na farofa crocante de farinha de mandioca e alho e seja feliz).
Em seguida, entram em cena o jabá com jerimum (que é, na verdade, uma delicada crepioca de ora-pro-nóbis em forma de capelete, recheada com abóbora assada e carne seca desfiada e servida com um delicioso caldo de abóbora pescoço); o arroz com ovo (o melhor da sua vida, com gema cremosa cozida no vapor por 22 minutos a 70ºC, arroz vermelho do Vale do Piancó, na Paraíba, creme de queijo sertão, cubos de queijo manteiga e cebola frita) e o beiju com feijão andu e mocotó (porque um bom caldinho não pode faltar).
Entre os principais, o peixe cozido na folha de bananeira com farinha de mandioca e tapioca, nos apresenta uma técnica kayapó conhecida como pirarubu (a farinha e a tapioca absorvem o líquido do cozimento do pescado e formam um interessante pirão). Ele é servido com uma gremolata de ervas frescas e salada de folhas comestíveis brasileiras com manteiga e cumaru.
Já a codorna de arribação faz referência às aves migratórias, que eram caçadas para garantir fartura de proteínas à mesa no sertão. Na versão do D.O.M., a codorna confitada é servida com o molho de ossos da própria ave reforçado com beterraba, mais pirão de flocão de milho e ora-pro-nobis refogada no azeite de dendê e leite de coco.
Fechando a sequência de principais, a “couve, toicinho e cabrito” propõe uma inversão de valores: a carne (no caso, o cabrito) é mera coadjuvante e chega à mesa em forma de caldo, que banha as lâminas intercaladas de couve e lardo.
O inusitado (e gostoso, acredite) doce de feijão de corda, com sorbet de melão e picles de maxixe, superfresco, faz a ponte entre os pratos salgados e doces do menu. Daí vem o bacuri com doce de coco verde e mel de abelhas nativas e, em seguida, o charmoso pudim de vó, de tapioca com cajá, decorado com gelatina transparente de cravina, dill e hortelã.
Para pedir a conta (R$ 760 ou R$ 1.300 com harmonização) e passar a régua: o trio de bolinhos nordestinos (bolo de rolo, Souza Leão e bolo de noiva) coroado com a bendita formiga com gosto de capim-limão, que é a marca do chef.
Os vinhos do D.O.M.
Ninguém melhor do que Luciano Freitas, sertanejo e sommelier do D.O.M. há quatro anos (mas já são 13 de casa), para escolher a dedo os vinhos de harmonização do novo menu. Ao todo, são nove rótulos, a maioria de pequenos produtores nacionais.
Dessa seleção, quatro têm o rótulo personalizado pelo grafiteiro Flip, em edição especial para os 25 anos do restaurante. É o caso do Trebbiano 2022, da gaúcha Montaneus, um vinho laranja, feito com a mínima intervenção, que acompanha o jabá com jerimum. Quando experimentou esse vinho, Luciano se encantou de cara. “Quantas garrafas você tem?”, lançou ao representante. Ao ouvir que eram 600, retrucou: “eu quero todas”.
Outro destaque é o Tropical Moscatel Terranova, um espumante que vem do Vale do São Francisco - mais temático impossível. “Quando se fala de nordeste, não tem como deixar o Velho Chico de lado”, afirma. Ele acompanha duas das etapas derradeiras do menu: o doce de feijão de corda, melão e maxixe, e o bacuri com doce de coco verde e mel.
Serviço
D.O.M.
Onde: R. Barão de Capanema, 549, Jardins. 3088-0761.
Horário: 12h/15h e 19h/21h (sáb. 19h/21h; fecha dom.)