Como ir à Chapada Diamantina em minutos? Pergunte ao chef Onildo Rocha. O paraibano criou um portal que vai diretamente da Praça Ramos de Azevedo à Serra do Espinhaço. Do alto do Shopping Light, no Notiê, inaugurou a Terra Altar, uma temporada de carurus, godós, xinxins e moquecas.
Depois do Sertão, da Amazônia e da Mata Atlântica, seu menu degustação valoriza essa região baiana. Servido nas noites de quarta a sábado, pode ter de cinco a 11 tempos (de R$ 282 a R$ 624) e é uma viagem. Rabiscos em um moleskine, caminhadas, emoções e receitas nunca dantes experimentadas pelo premiado cozinheiro teletransportam-se à capital paulista numa sequência litúrgica.
Faz jus à noção de ritual a Cerimônia do Jarê, um couvert desses que poderia entreter o conviva por horas, só em lambuzando as placas crocantes e finíssimas de tubérculos com creme de amendoim, caruru, requeijão de queijo moreno, manteiga de banana da terra e dendê.
“O Jarê é uma religião exclusiva da Chapada Diamantina. Une xamanismo e catolicismo, umbanda, candomblé, espiritismo. É a essência do sincretismo e traz muito a força dos quilombolas e de indígenas Tupinambás”, explica Onildo.
Nas duas noites em que seu novo banquete foi posto para jogo, isso é, sexta e sábado passados, apenas 15 reservas foram aceitas. Para sorte delas, o chef, mais no salão do que na cozinha, protagonizou um atendimento personalizado: saudava os comensais e ainda dava detalhes das tradições e sabores a serem degustados.
Delícias como canolo de godó de banana verde (ensopado de subsistência convertido em suave snack), empadinha de xinxim pedaçudo de galinha e bolinho de estudante (que diferente dos tabuleiros soteropolitanos não vinha com coco, açúcar e canela, mas gergelim e alho negro).
Apesar deste aparentar ser um abará, o abará mesmo vinha em seguida. À base de castanha-do-brasil, não se escondia em folha de bananeira, mas repousava em shisô, deixando que a porcelana fina fizesse o papel de origami.
Na toada das interpretações, no banquete Terra Altar, o cortado de palma, refogado típico de cacto, transmuta-se em ceviche com vieiras, borago (flor com gostinho de ostra) e ovas de truta numa “licença poética, porque tudo lá já foi mar”.
O olhar generoso de Onildo se sente também numa espécie de “disco voador” de caju: “Enaltecemos o caju todo. Extraímos o suco e fermentamos em cajuína, fazemos uma glace a partir da carne, servimos a própria carne sobre um purê com o leite da castanha”.
Na leitura encantada do chef, a Chapada Diamantina é o sertão em que chove, onde não há o desespero da fome, nem da aridez, onde se sente a brisa da Mata Atlântica na acidez das frutas, onde os rios sobreviventes flertam com o pantanal.
Nesta temporada, ele ressignifica ingredientes que fizeram parte da sua vida no Nordeste: a jaca vira dona da moqueca sem dendê, o cabrito que coroa o inhame tem molho de café raro de pequeno agricultor, o doce de coco ganha frescor graças a coentro e pimenta e o milho, em cuscuz, magia e canjica, adoça com calor.
Para escoltar as novas receitas do Notiê, boa parte dos vinhos sugeridos pelas sommèlieres Daniela Bravin e Cassia Campos vem da UVVA, vinícola que fica no topo das maiores altitudes nordestinas, nos arredores de Mucugê. Já tal do café mencionado, um microlote da variedade acauã, plantado no município de Piatã, pode ser coado à mesa e encerrar o jantar enquanto durar o pequeno estoque.
Por detalhes assim, o Terra Altar estará em cartaz nos próximos oito meses, contudo, sofrerá alterações de tempos em tempos. Ao que tudo indica, evoluirá com a sazonalidade dos produtos e as lembranças enfeitiçadas de Onildo.
Notiê
R. Formosa, 157, Centro Histórico. De Qua. a sáb., das 19h às 23h. Reservas: (11) 2853-0373