Existe uma corrente que busca vinhos feitos com uvas hoje pouco conhecidas. Naturais de regiões específicas, elas foram escanteadas e substituídas por uvas consideradas superiores. Mas atualmente, em mercados mais maduros como os EUA e algumas cidades europeias, veem-se vinhos feitos com castas abandonadas de todas as partes: Uhfark, da Hungria; Obaideh, do Líbano; Chasselas, da Suíça; e Saperavi, da Geórgia.
O movimento, que começa a mudar paisagens e mercados, chamou a atenção do pesquisador Jason Wilson, que lançou nos Estados Unidos o livro Godforsaken Wines (R$ 84,05 o e-book na amazon.com.br).
Wilson acredita que a retomada dessas cepas tem a ver com a busca por sabores e por experiências mais autênticas na gastronomia, que andam em alta. “Certamente começou com um movimento hipster, mas ganhou outras proporções. É só pensar no Pipeño (tipo de garrafão) chileno feito com a uva País e em como ele se tornou popular em todo o mundo”, afirmou em entrevista ao Paladar.
Por anos, a indústria do vinho girou em torno de uma monocultura que valorizava as uvas mais rentáveis, consideradas “nobres”. Apesar de existirem 1.368 cepas catalogadas, cerca de 80% do vinho mundial é feito com apenas 20 variedades, diz Wilson.
Os responsáveis por isso foram principalmente nobres, que durante séculos determinaram o que deveria ser plantado – em 1395, por exemplo, o duque da Borgonha baniu a Gamay em seus domínios e determinou que a Pinot Noir fosse plantada. (Essa e outras histórias estão no livro de Wilson.)
Para ele, hoje ainda há quem determine o que é bom e o que não é, assim como fazia a nobreza europeia. Como exemplo, ele cita o crítico Robert Parker. “Parker usou o termo ‘uvas abandonadas’ para rebaixar as uvas locais ao ver reduzir o interesse dos consumidores mais jovens por vinhos clássicos de Bordeaux e Napa. Acontece que foi com esses vinhos, feitos com uvas internacionais como Cabernet Sauvignon, Chardonnay e Merlot, que Parker construiu sua reputação”, afirma.
Segundo ele, a mudança não é boa para o crítico. “Tenho certeza de que a volta de uvas esquecidas não é boa para seu negócio como guardião do vinho e por isso ele reagiu negativamente. Há uma agenda para manter a antiga hierarquia de vinhos de prestígio no topo e buscar melhores preços”, diz.
Três perguntas para Jason Wilson, autor do livro Godforsaken Wines
Que região está resgatando suas uvas autóctones de modo eficiente? A Áustria, nos anos 1990, fez isso com a cepa branca Grüner Veltliner e com algumas uvas tintas, como Blaufränkisch e Zweigelt, além das castas ainda mais obscuras como Neuberger, Rotgifler, e Zierfandler. No sudoeste da França, em Gaillac, foram preservadas cepas como Fer Servadou, Duras, Mauzac, Ondenc, Prunelart, entre outras.
Como se interessou pelas uvas esquecidas? Há uma década, durante uma viagem à Itália, provei Timorasso, uma uva branca piemontesa que havia sido salva da extinção pelo produtor Walter Massa. Fiquei encantado e percebi que queria ser um advogado das uvas desconhecidas.
Qual foi o vinho mais obscuro e maravilhoso que provou? Vinhos norte-americanos feitos com castas híbridas, fruto de cruzamento entre vitis vinifera e espécies nativas americanas. Uvas como La Crescent, Marquette, Frontenac e Traminette, cultivadas no norte dos EUA, em lugares onde há muita neve como Vermont e que não têm um histórico ou uma cultura de vinhos estabelecida. Com a mudança climática, essa é possivelmente a última fronteira.
Para provar cepas esquecidas por aqui
No Brasil, encontra-se a Grüner Veltliner em alguns catálogos. Conhecida por fazer vinhos refrescantes e quase picantes, tem aromas de pimenta branca e dill. Na Mistral, o Grüner Veltliner Loiser Berg 2015 (R$ 281) é um exemplar clássico, fresco e mineral.
Na importadora Decanter, o Grüner Veltliner Loss Hiedler 2017 (R$ 172,20) tem agradáveis aromas de maçã verde. E a Sonoma vende o moderno e levíssimo Zero- G Gruner Veltliner 2016 (R$ 129,90).