Um grupo de chefs de cozinha vem mudando, aos poucos, a cara da cozinha no Brasil. Seja chefiando casas de renome, comandando seus próprios restaurantes, apresentando as maravilhas dos nossos ingredientes ou brilhando na TV, conheça seis profissionais que têm a comida como paixão e traduzem isso em pratos cheios de sabor e história.
IEDA MATOS
Natural da Chapada da Diamantina, na Bahia, Ieda cresceu tomando o leite da vaca da família, comendo galinha do quintal e a comida feita com banha pela avó. Hoje, com essas lições que aprendeu in loco, ela quem manda na Casa de Ieda, em Pinheiros.Primeira a ter um diploma na família, Ieda se formou em Gastronomia aos 42 anos e, durante a graduação, estagiou em restaurantes na Bélgica e em Londres. De volta ao Brasil, abriu, em 2013, o food truck Bocapiu e, três anos depois, a Casa de Ieda, onde serve sabores de sua terra natal, que vêm direto de pequenos produtores. No ano passado, ela foi uma das participantes do reality Iron Chef, onde competiu com Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó. “A cozinha é um ambiente naturalmente machista, onde as mulheres são vistas mais como cozinheiras. Isso piora para uma mulher, negra e nordestina. Mas por ser uma mulher madura, do alto dos meus 51 anos o que me fortalece é toda a minha história e experiências de vida e do ato de servir. Me dá mais coragem de estar onde estou e chegar a outros lugares na gastronomia”.
RODRIGO FREIRE
Advogado e cozinheiro, o soteropolitano Rodrigo Freire, batizou seu primeiro restaurante, localizado em Pinheiros, com seu apelido de infância: Preto. Sua cozinha remonta as receitas de família e mistura sabores típicos da Bahia, Portugal e África de um jeito autoral e contemporâneo. Entre os itens que são inegociáveis para Rodrigo, estão pesquisar produtores responsáveis, aproveitar integralmente os ingredientes que abastecem sua cozinha e utilizar alguns insumos que vêm direto de sua Bahia, caso da tapioca, trazida da Feira de São Joaquim, famoso mercado da capital baiana, e do azeite de dendê, produzido artesanalmente na casa.
VALTER ROZA
Chef e consultor, o chef mineiro Valter Roza ficou íntimo da cozinha ainda criança, observando os pais, que tinham um bar. Adulto, mudou-se para São Paulo e achou que seu caminho fosse a Moda, que cursou Moda na Faculdade Santa Marcelina. Para se manter, trabalhou como garçom no restaurante Mestiço e foi lá que despertou para sua verdadeira vocação. Com passagens por casas como Julia Cocina (primeiro restaurante de Paola Carosella),Condessa Café, Bistro Amorim Cheri e o Bar Riviera, onde ficou até recentemente. Hoje, é o responsável pela cozinha do Bar Boato, no bairro do Itaim, onde faz uma cozinha contemporânea com toques de ingredientes brasileiros, que, confessa, é o que mais adora fazer. Veterano no mundo dos restaurantes, Roza vê com alegria colegas - homens e mulheres - em evidência. Mas aponta que, embora o cenário tenha mudado bastante nos últimos anos, a estrutura racista ainda é grande. “Sempre tivemos chefs negros, mas hoje eles temos mais visibilidade, muito por conta das redes sociais. Antes, não aparecíamos, mas já existíamos”, diz. Para um futuro próximo, ele quer voltar à sala de aula. Mas desta vez, como mestre. “Quero compartilhar tudo que aprendi”.
LARISSA JANUÁRIO
A chef, jornalista e apresentadora do programa Jantar o Que?, do canal Sabor & Arte, essa goiana radicada em São Paulo é a pessoa por trás do Sem Medida, perfil no Instagram que começou como blog em 2004 e hoje acumula fiéis 79 mil seguidores. Antes de virar dona de deu próprio programa, Larissa trabalhou como jornalista de gastronomia, colaborando com várias publicações nacionais. Também comandou em sua casa, a famosa Casa Azul, a Feijoada da Lara e o Jantar Secreto, onde, série de jantares memoráveis feitos ao lado do marido, o também chef Gustavo Rigueiral. Dona de tiradas hilárias e um modo de ensinar simples, Larissa sabe como poucos se aproximar do espectador e mostrar que sim, todo mundo pode aprender a cozinhar. “Não só pode, como deve! Quem cozinha tem controle do que come e é muito mais feliz e independente”, analisa. “Já viu que as melhores coisas acontecem em torno da mesa? Cozinhar é o jeito mais simples de comer melhor, gastar menos e se divertir”.
PAULO ROCHA
Apresentador do programa “Esse Doce Tem História”, no canal GNT e chef responsável pela pâtisserie das seis casas do masterchef Erick Jacquin, Paulo Rocha é confeiteiro especializado em alta confeitaria francesa e trabalha na área há duas décadas. Nascido em um quilombo em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, o chef vem de uma família de mulheres quitandeiras e foi delas que herdou o apreço pela confeitaria. No ano passado, Rocha participou do Iron Chef Brasil, da Netflix, onde chefs iniciantes eram desafiados por chefs conhecidos. Ele foi o primeiro chef a vencer um grande nome da gastronomia nacional, nada mais nada menos do que a confeiteira Carole Crema. “Quando eu comecei, os chefs como eu estavam nos lugares menos visíveis nos restaurantes, como a pia ou na limpeza, justamente porque há esse mito de que chefs negros estão muito longe da alta gastronomia. Estamos aqui para mudar esse pensamento e mostrar que é possível ocupar esses lugares”, diz.
CAMILA BOTELHO
Coordenadora de gastronomia da Sociedade Vegetariana Brasileira e apresentadora de eventos como Vegfest e Naturaltech, a chef Ca Botelho (como é conhecida) organiza, um vez por ano, o Jantar Às Cegas Vegetal, cujo menu traz criações inspiradas em sua ancestralidade e história e tem todo o valor arrecadado revertido para a construção de uma escola no Quênia. É com esta veia ativista e consciente que Ca quer desconstruir a cultura da carne que está presente no inconsciente da população de baixa renda. “Mesmo sem perceber, grande parte da população de baixa renda tem uma alimentação mais vegetariana, simplesmente pelo preço da carne. O que eu chamo de descolonização de corpos é a população saber o que esta levando para a casa e ter acesso a uma alimentação de verdade, sem processados ou embutidos. Assim como saber o que é e de onde vem esses alimentos, qual a forma de preparo dos alimentos. Isso não é dito e nem mostrado, é vendido como alimento saudável. Os alimentos de verdade estão nas feiras. Nós perdemos muito a conexão com a natureza, que é, simplesmente, de onde nós viemos”, diz. “Comida de verdade não se desembala, se descasca”, ensina.