Com uma profusão de guias gastronômicos, eu lamento que muitos dos que visitam o Rio acabem se rendendo à mesmice imposta pelo circuito de bares e restaurantes da Zona Sul.
Para poder começar a compreender a alma da cidade é preciso ir ao encontro de lugares que representam isso de verdade.
Grande parte dessa identidade está dispersa pelos bairros do Centro, da Zona Norte e dos subúrbios cariocas.
É preciso se embrenhar pelas vielas do Saara para apreciar uma esfirra assada na lenha no forno centenário da Padaria Bassil (1913), ou se aconchegar no salão Art-Déco do El Gebal (1958) e percorrer seu rodízio libanês.
Seguir em direção à Casa Paladino (1906) pra poder uma omelete de sardinha, e caminhar até o Fim de Tarde (1973), que não é uma hora bonita do dia, mas um lugar tradicional do Rio. Lugar pra não se olhar o menu, e pedir os especiais do dia, que fazem jus ao adjetivo.
O metrô pode levar até a Tijuca, com parada na São Francisco Xavier para exercer o direito universal de comer umas empadas de camarão no Salete (1957).
Ser carioca é partir pro abraço que é se sentar no Bar Varnhagem (1944) e olhar pro ambiente viajando no tempo, resgatando memórias que lembram botequins de antigamente.
É comer a "barrinha de cereal" do Bar do Bode Cheiroso (1945), birosca cujo nome me faz lembrar os nomes irreverente dos pubs britânicos.
Neste roteiro de lembranças, estaciono os neurônios nas mesas do Adonis (1952), o bar que morreu e renasceu melhor do que nunca. Sábado tem angu à baiana, mas acaba cedo, não chegue muito depois do meio-dia.
Ramos me chama. Pixinguinha na calçada em forma de estátua dá o carinhoso boas-vindas aos que chegam ao Bar da Portuguesa (1968), com seu repertório de quitutes lusófonos com base em bacalhau, sardinha e muito torresmo, caldo de mocotó e dobradinhas da Dondom.
Opa: Vicente de Carvalho está logo ali, que tal uma saideira na Adega Duas Nações (1967)? Outro traço de união Brasil-Portugal. E tome bacalhau. Na brasa, no bolinho.
Na volta pra casa, já que moro em frente, faço uma parada na Adega Pérola (1957) pra saideira.
Neste dia hipotético, trilhei o Rio que eu amo, mas que pouco frequento.
Nenhuma dessas dicas é segredo, são todos lugares conhecidos. Que merecem ser visitados. Porque conseguem representar o espírito da sociedade carioca, onde o bar é também sala de estar.
Esses dez lugares têm alma de verdade. Escrevi poucas linhas sobre cada um, mas cada um desses lugares daria um livro.
#vaipormim
Tenho 48 anos. Só falei de lugares mais antigos do que eu. Há de se respeitar os mais velhos...