Nesta semana, quem escreve Só de Birra é Sara Araujo, bacharel em Direito, acadêmica de Ciências Sociais, beersommelière e criadora do @negracervejassommeliere.
É unânime: a cerveja é democrática. Tem potencial incrível de agradar diversos paladares e é presente em várias camadas sociais. Não sou eu quem diz, é a história da bebida.
Um dos maiores especialistas no assunto, o cervejeiro da Brooklyn e autor Garrett Oliver (À Mesa do Mestre-Cervejeiro e Guia Oxford da Cerveja) sustenta que cerveja tem vocação gastronômica imensurável: conversa com pratos salgados, doces, azedos, apimentados, ácidos, untuosos, robustos, intensos, delicados, com umami e com torra. Passeia pelo mundo de sabores e sensações, em uma viagem poética pelos gostos básicos e suas derivações.
Mas vai além. Cerveja também harmoniza com livros – e posso provar. Não é todo dia que a filha da dona Rita é convidada a escrever uma coluna em um jornal, então vou aproveitar para indicar mais de um rótulo e mais de um título. Beba com moderação, beba local e aos que podem, fiquem em casa.
Eden Beer Marinka
R$ 10 (330 ml, na @edenbeersaopaulo no Instagram)
Lager com centeio leve e refrescante com 4,3% de teor alcoólico. O centeio deixa a textura cremosa. O lúpulo é o Maryynka (homenagem à cidade de Maringá, origem da cervejaria). Equilibra bem amargor e adocicado. Para beber lendo Redemoinho em Dia Quente, de Jarid Arraes. O livro de contos é uma visita à memória afetiva da autora, seu lugar de origem, Juazeiro do Norte. A polifonia de vozes femininas pulsa e grita por alteridade, o doce e o amargo dançam no silêncio de um dia quente. “Janaína era chamada por outro nome nessa época.” Para dias quentes, uma cerveja refrescante.
Implicantes Abolicionista
R$ 15 (473 ml, na www.implicantes.com)
O segundo, vem lá de Porto Alegre e é uma american brown ale, da cervejaria Implicantes. Equilibrada, com ótimo drinkability, faz uso do malte chocolate e traz notas de café e chocolate amargo. É oprimeiro rótulo da cervejaria, feito em homenagem ao abolicionista Luis Gama, advogado autodidata que libertou centenas de escravizados. Para beber lendo o Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro. “O racismo assume diversas dimensões num ambiente de trabalho, o que demanda análise constante das práticas corporativas... ” Cerveja e livro dialogam na insurgência.
Trilha Pão de Mel
R$ 43 (500 ml, na @trilhacervejaria no Instagram)
Essa pastry stout com mel e especiarias combina com a leitura de Becos da Memória, de Conceição Evaristo. Através de suas 'escrivivências', a autora puxa fios de suas memórias e alinhava histórias de vidas que se misturam à sua, humanizando vidas negras que no dia a dia são tratadas como invisíveis. A cerveja é alcóolica e tem um corpo alto e remete a uma sobrmesa, que neste caso, é o pão de mel, o que me faz lembrar a potência e a doçura de Evaristo.
Saison com bolinho de chuva
Já imaginou uma saison com bolinho de chuva servido com doce de abóbora? Pois bem, escolhi essas iguarias para harmonizar com a Saison do Cerrado da Morada Etílica (R$ 21,90, 355 ml, no www.clubedomalte.com.br).
A cerveja: abóbora caramelada + canela + cravo + pimenta-da-jamaica. O doce: abóbora + açúcar caramelizado + canela + noz-moscada.
Aqui, a linha harmônica é de Festa Junina. E já que dia 26 é aniversário do mestre Gilberto Gil, aprecie essa harmonização com a música Olha pro Céu. Mas tem que ser na versão do DVD Fé na Festa ao Vivo (2010), com participação de Dominguinhos.