Conhecida no meio cervejeiro desde antes do seu lançamento comercial (2014), a Cafuza, imperial india black ale da cervejaria Dogma, está em todas as listas de melhores cervejas do Brasil. E está também fora de circulação.
Depois da grande repercussão a um tweet que aponta que a imagem do rótulo é a de uma mulher escravizada fotografada por Alberto Henschel (1827-1892), a Dogma recolheu a cerveja. Já se sabe que ela não volta. Não como Cafuza.
Assim que o assunto surgiu, procurei Sara Araújo, criadora do @negracervejasommeliere, que escreveu esta coluna duas semanas atrás. Ela me contou que apesar de saber da importância da cerveja e querer prová-la, não consegue. O rótulo a ofende. "Mesmo quando fui visitar a cervejaria, não consegui." Ouvi e vi o mesmo relato de outros bebedores de cerveja negros, diretamente para mim ou em comentários sobre o assunto por aí.
Esta coluna é guiada pelo princípio de que a cerveja acolhe todos os bebedores com sua imensa diversidade de estilos. A imperial india black ale da Dogma é uma das cervejas que eu gostaria que todo mundo provasse. Quero que continue existindo, porque quero continuar podendo tomá-la. Mas se o rótulo impede alguém de prová-la, que saia de circulação e volte reformulada. Atualizada para o novo mundo. Descolonizada.
A Dogma é das melhores cervejarias do Brasil e tem a oportunidade de tomar a frente, dar o exemplo. A primeira reação foi rápida. Agora, a cervejaria afirma que está trabalhando para construir saídas. "Estamos reunindo sommeliers negros, vamos ouvir, aprender e pensar em frentes. Queremos fazer o certo", diz Bruno Moreno de Brito. Até agora, a cervejaria planeja: 1. Trabalhar com essa equipe formada por sommeliers negros no lançamento de uma nova cerveja, com a receita de imperial india black ale. 2. Criar e aplicar um plano para melhorar a representatividade dentro da cervejaria e no mercado cervejeiro.
Termino com uma aspa da Sara: "É um erro? É. Mas, não comungo da cultura do cancelamento e se as pessoas assumem seu erro e estão dispostas a mudar, devemos incentivá-las. Porém, as mudanças devem ser de dentro para fora." Agora é acompanhar de perto e, individualmente, pensar como fazer cada um seu papel e mudar de dentro para fora também. Vou começar lendo o livro que ela me sugeriu quando perguntei sobre este rótulo. Chama Memórias da Plantação - Episódios de racismo cotidiano, de Grada Kilomba (ed. Cobogó, 244 págs, R$ 40,80).