Sonhei com um balão igual das Olimpíadas de Paris, uma lua cheia em formato de queijo Minas artesanal, voando no céu de Belo Horizonte. Da praça da Estação à praça do Papa, passando pela Praça da Liberdade, levantando as multidões que assistiam o espetáculo comendo e compartilhando queijo em êxtase...
Com balão ou sem balão, essa epifania queijeira está preparada para hoje. Drones vão voar na cidade do Serro. Vai ter carnaval em Belo Horizonte e nas regiões produtoras de queijo Minas artesanal... E até em Paris, hoje fiz uma festinha de pão de queijo pra meus alunos, para eles não esquecerem jamais que foi nosso queijinho mineiro foi o primeiro a realizar essa proeza no planeta.
Dá vontade de cantar e dançar. O título aquece o coração e renova a esperança em, por trás da proteção do saber fazer, ser criada uma chance para melhorar a vida de milhares de produtores da agricultura familiar. O novo título promete verbas para ações de fortalecimento da cadeia do queijo no turismo e na gastronomia. Quem sabe até ações de extensão rural. Se já não faltava antes apadrinhamento político para o queijo artesanal, agora isso vai ser ainda mais disputado.
Nove mil famílias, 156 produtores certificados
Por enquanto, apesar dos louros, a punição da fiscalização agropecuária ainda é a realidade nas roças e sertões de Minas Gerais. Segundo censo de 2017, Minas tem 600 mil estabelecimentos agropecuários. Em uma estimativa por baixo, o produtor Ewerton Abaeté, de Diamantina, que representou todos os produtores mineiros no Paraguai, disse em seu discurso ter nove mil produtores nas regiões de queijo minas artesanal no Estado.
Destes, menos de 160 tem certificado para funcionar legalmente, segundo o site do IMA. Isso não é nem 2%. Significa que milhares de queijos minas artesanal são feitos pelas mãos de produtores que ainda não têm certificado, mas fazem com capricho, porque são histórias familiares, e vendem informalmente para os "queijeiros", comerciantes viajantes que coletam queijos de fazenda em fazenda, indo onde o caminhão não chega para buscar o leite. Ou seja, 98% do queijo mineiro é comercializado dessa forma em São Paulo e outros estados. Este santo produto caipira gira a economia informal nas regiões queijeiras, mas provoca revolta nos produtores certificados, que o acusam de concorrência desleal.
Os produtores "informais" bem que gostariam, mas não tiveram ainda acesso às políticas públicas para sair da clandestinidade, talvez por medo dos fiscais que têm uma reputação não muito amigável, enfim, os motivos são muitos.
Depois do holocausto, a glória
No dia 27 de novembro de 2024, 1.100 queijos de cerca de 50 famílias foram descartados no aterro sanitário de Bambuí-MG, cidade da Serra da Canastra. O fiscal do MAPA chegou no entreposto, autuou o queijeiro e não investigou de onde o queijo vem. Ir atrás dessa pista significaria conhecer essa família, que fez e vai continuar fazendo esse queijo clandestino se alguém não vier fazer essa boa política pública. O agente, que deveria ajudar e não punir, enterrou junto com os queijos a excelente oportunidade de ajudar. São traumáticas as imagens fortes que vi essa semana dos queijos que foram enterrados vivos. Recuso a publicar aqui.
Estes queijos jogados no lixo são de São Roque de Minas, na Serra da Canastra, cidade de 7 mil habitantes. Lá estão 11 das 14 queijarias com permissão para vender produtos no território nacional, de acordo com a Inspeção do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA).
Aqui da França eu faço minha parte, que não é só comemorar e apresentar o queijo Minas Artesanal em todos os eventos que tenho acesso. É também lembrar que a luta está apenas começando. Esperamos que esse tipo de episódio não volte a ocorrer e que os detentores desse saber-fazer, agora patrimônio, sejam realmente protegidos.