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Uma homenagem à culinarista Bettina Orrico

Autora do livro Os Jantares que Não Dei morreu esta semana aos 89 anos. Ela esteve, durante anos, à frente da cozinha experimental de Claudia Cozinha

Três pessoas em foto PB. Foto: Acervo pessoalFoto: Acervo pessoal
A culinarista Bettina Orrico Foto: Arquivo Pessoal

Bettina Orrico, ou Betta, faleceu no domingo. Um infarto cessou o coração desta baiana de 89 anos, que tantas vezes vi se emocionar por coisa que parecia pouca a olhos do cotidiano, mas que para ela tinha cor intensa. Bettina não era mulher de meias porções.

Trabalhamos juntas no Claudia Cozinha, suplemento da revista Claudia. A tarefa, naquele final dos anos 1990, era rejuvenescer os cardápios atrás de leitoras que trabalhavam fora e vigiavam a balança. Os especiais pediam receitas light, rápidas, fáceis, lanches que valiam por um jantar. Bettina balançava os óculos no ar e mirava aqueles desafios como quem se perguntava: “Como vou dar sabor e cara bonita pra isso?”

“Experimenta, minha filha”

Não demorava para adentrar a cozinha e começar a misturar os ingredientes como se estivesse mesclando tintas – o que nos enlouquecia, porque eram colheradas, xicaradas e pitadas misturadas a olho nas panelas e tigelas. Claudia Cozinha tinha uma cozinha experimental, tudo precisava ser medido a dedo. Mas deixávamos essa acuidade para o teste da receita porque, ao fim da catarse, ela dizia: “Experimenta, minha filha”. E, entre colheradas de um delicado arroz-doce com leite de coco acomodado sobre uma cama de mangas, eu só conseguia pensar de onde vinha tanta energia criativa.

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Bettina tinha predileção pelas coisas da terra, e nisso não há como negar: ela foi pioneira em abrasileirar a mesa das leitoras. Ainda que tenha morado na Itália, onde expôs suas pinturas (ela estudou na Escola de Belas Artes, na Federal da Bahia), entendia que de coco, pimenta, castanha de caju, manga, aipim, batata-baroa e outras tropicalidades se extraíam pratos ao mesmo tempo acessíveis e nobres.

De Roma, Bettina contava que aprendeu segredos da cocção, das caldas, dos pontos. Também relatava seus encontros com Chico Buarque, então no exílio com Marieta, para quem certa vez preparou um patê de fígado durante um minibanquete no apartamento dela. “Mamãe fazia muito”, comentou o cantor.

Em um dos nossos encontros, fomos justamente assistir Chico – Um Artista Brasileiro. Ele, no filme, dizendo que não tinha nostalgia de tempo algum. Ela, na plateia, chorando copiosamente ao se lembrar daquele tempo. Não que Bettina vivesse do passado. Celebrava a tradição, mas sempre se mostrava curiosa com as novidades, tinha gana de aprender, uma coisa de menina que dava aulas imaginárias na garagem de casa, ao mesmo tempo que recortava receitas das revistas estrangeiras que a mãe colecionava.

Amizade com Chico Buarque

Na pós-sessão de Chico, também falamos de animais, por quem ela nutria amor incondicional. Cacau, seu minipoodle cor de chocolate, morreu já com idade, há cerca de 2 anos. Ela tinha adotado o gatinho Nick, hoje com 5 meses. O filhote ficou de herança para Betina, filha do publicitário André Franco, amigo de longa data que não deu esse nome à pequena por acaso.

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Ainda naquela matinê, Bettina fez uma dedicatória no livro Os Jantares que Não Dei, da Editora Bei, que ela tinha acabado de lançar e que eu levara comigo. “Com muitas lembranças e afeto, o abraço cheio de doçuras”, escreveu, assinando com o inconfundível “B” cortando afiado os “tês”. Um traço de orgulho de quem, aliás, não apreciava ser chamada de chef. Dizia-se cozinheira, dentro do seu dólmã salpicado de caramelo.

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