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Viagem Gastronômica

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Do rabo ao focinho, o porco é símbolo de sustentabilidade e do diálogo Brasil-Portugal

Comitiva de brasileiros visita Portugal para uma imersão na cultura e produção do porco, a carne mais consumida em terras lusitanas

Foram os portugueses que inseriram a carne de porco na dieta do brasileiro, a partir de 1532. E, não à toa: a carne suína é, de longe, a mais consumida em terras lusitanas. Dados do Instituto Nacional de Estatística de Portugal dão conta de que o consumo per capita em 2022 foi de 42,5kg. No Brasil, a preferida segue a ser a carne de boi, mas, cada vez mais se como porco: no ano passado, foram 21kg per capita.

Começamos nossa viagem gastronômica pelo Alentejo com essa contextualização para explicar, a contento, o que foi a comitiva Do Rabo ao Focinho, encabeçada pelo produtorde porco extensivo e charcuteiro Rafa Bocaína e pela pesquisadora Carla Spironelo. Ao longo de uma semana, um grupo formado por produtores e chefs brasileiros, como Bel Coelho (Cuia) e Mara Salles (Tordesilhas), imergiu na cultura portuguesa em torno do porco e seus derivados.

Rafa Bocaína comandou a comitiva Do Rabo ao Focinho em Portugal. Foto: Arlei Lima

Pegamos carona em um dia de vivência na Herdade do Freixo do Meio, que fortalece a cultura extensiva do porco com a experiência do montado. Já ouviu falar? "É um ecossistema no qual colocamos a natureza a fazer a maior parte do trabalho, com a presença de carvalhos que fornecem alimento para os animais", explica Alfredo Sendim, responsável pelo montado.

Alfredo Sendim é responsável pelo montado da Herdade do Freixo do Meio. Foto: Gisele Rech

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A oleaginosa, chamada de bolota em Portugal e bollota na Espanha, é um alimento natural fornecido por azinheiras, sobreiros (cujo tronco também fornece a cortiça) e carvalhos que tornam a carne e camada de gordura do porco especial, graças a alta concentração de ácido oleico. Não à toa, especialmente o porco preto da região, resulta em um presunto famoso em todo o mundo: o porco preto alentejano é chamado de porco ibérico na Espanha, matéria-prima do famoso Jamón Pata Negra e seus adjascentes.

A bolota é o principal alimento do porco alentejano. Foto: Gisele Rech

"A gordura do animal criado solto, de modo extensivo e que se alimenta de oleaginosas é diferente. Mais saudável e saborosa", atesta Rafa Bocaína. No Brasil, ele cria porcos semelhantes que consomem outras sementes "brazucas", como macaúba e araçá.

A intenção da comitiva foi traçar um paralelo entre a cultura do caipira brasileiro com o homem do campo português, no que tange, especialmente, a suinocultura. "Portugal ainda preserva tradições ancestrais e é importante ver tudo isso de perto, para trocarmos experiências e aprendizados", diz Bocaína.

No Alentejo, o aproveitamento do porco é "do rabo ao focinho". Foto: Gisele Rech

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Entre proximidades e diferenças, está o método de desmancha do porco, que começa pelas costas na tradição caipira e pela frente no método português. Aqui, atenção: há um corte longitudinal e outro, mais horizontalizado. Isso reflete em algumas diferenças de cortes, que também mudam de nome de um país ao outro. A costelinha brasileira, por exemplo, é chamada em terras lusitanas de entremeada.

Há diferença, também, nas raças de porco. Enquanto em Portugal, o porco alentejano (porco preto) e outras raças autóctones, como bísaro e malhado de Alcobaça são os mais populares, no Brasil, há uma grande divisão entre criações extensivas, tradicionais na cultura caipira, e intensiva, destinada a grandes indústrias de processamento. No primeiro caso, há raças de porcos pretos como Caruncho, Piau e Canastra, no sudeste, e Porco Moura, no Sul, por exemplo, que são consideradas raças nacionais.

Outra referência portuguesa que, na medida do possível, a criação de porcos caipira tem de semelhante é o aproveitamento do animal, de fato, do rabo ao focinho. "É uma tradição em Portugal, principalmente aqui no Alentejo, usar tudo que o animal dá. O que não é consumido fresco, vai para os enchidos (os nossos embutidos). Não há desperdício", explica o chef Filipe Ramalho, responsável pela aula de desmancha do porco e pelo almoço que a comitiva provou na Herdade do Freixo do Meio.

Além dos cortes convencionais, chama a atenção o uso de partes moles da cabeça para fazer a cabeça de xara, uma espécie de terrine de porco. O uso do sangue, proibido em alguns lugares do Brasil, vira a essência da morcela.

Sem tanto tempo entre a desmancha e a refeição, o chef optou por assar algumas partes magras do porco na churrasqueira e preparou um saboroso cozido com sabor de roça, em tempo recorde. A chef Mara Salles não resitiu à tentação e colocou a mão na massa, preparando uma bistequinha acebolada.

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Antes, cá e lá, foi oferecido aos participantes toda a sorte de enchidos, adquiridos no início da viagem no norte do país, especialmente em Vinhais, onde todos os anos é realizada a feira do fumeiro, dedicada aos embutidos portugueses. Também teve migas, a tradicional papa alentejana feita de farinha de milho e até tempo para provar uma infusão de bolota: sim, as castanhas que servem de base na alimentação dos porcos também é usada para consumo humano: tem até farinha de bolota!

O chef Filipe Ramalho preparou um cozido com parte do porco usado na aula. Foto: Gisele Rech

O dia na Herdade do Freixo do Meio foi verdadeira imersão nos sabores lusitanos, na essência da carne de porco, a mais consumida em terras lusitanas. Mais que isso, um banho de cultura alentejana e sua riqueza, já que fomos brindados com apresentação do autêntico "cante", a música tradicional dessa região ao sul de Portugal.

O almoço na Herdade do Freixo teve apresentação do autêntico Cante. Foto: Gisele Rech

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