Você já comeu pombo? Na nossa Viagem Gastronômica no Paladar, é claro, estamos falando de um tipo específico da ave, que oferece uma carne de caça de textura firme e de tonalidade avermelhada e sabor intenso. A ideia de falar sobre esse ingrediente tão popular na França e em países como Portugal e Espanha, veio após uma viagem a Paris e se intensificou com experiências em Lisboa e Madri.
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Em pleno outono, tive a oportunidade de provar a comida de dois chefs que brilham pro lá: David Toutain (restaurante David Toutain) e Atsushi Tanaka (A.T Restaurant). Depois, foi a vez de provar uma versão portuguesa do pombo pelas mãos do chef Ricardo Simões, do Federico, de Lisboa, no menu de outono-inverno. Por fim, durante o The 50 Best, o pombo - desta vez, maturado - , foi um dos pontos da apresentação de Diego Guerrero, no Food meets Science.
Aí, veio a curiosidade de saber a origem deste hábito de comer pombos, não muito popularizado no Brasil. Descobri, no dicionário de gastronomia da Myrna Corrêa, que La Varenne, o célebre cozinheiro da corte de Luís XIV, foi o grande responsável pela popularização deste tipo de carne por lá. E, aqui, cabe um parênteses: na gastronomia, o termo pigeon ou pigeonneau é o mais recorrente, pois se refere a uma espécie mais tenra e de abate de aves jovens, com uma média de 28 dias. Em geral, é preparada assada ou cozida.
De acordo com o chef Atsushi Tanaka, o pombo é um ingrediente muito popular na França e sempre que possível integrado ao menu do restaurante. "Costumo classificar a carne de pombo como algo entre o frango e a carne de boi, com um grande potencial e força para integração de sabores, o que funciona muito com a proposta de minha comida", diz.
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No menu degustação do A.T, fui surpreendida com o peito suculento, servido ao lado de uma das patas da ave cuidadosamente empanada com mistura de pimentas, o que deu à pequena sobrecoxa um sabor intenso. "A ideia não é chocar, mas, transmitir a nossa filosofia de usar todos as partes do animal no preparo. O curioso é que alguns comensais ficam com um pouco de medo quando veem, por exemplo, a para à mesa. Mas, depois de provar, gostam", explica o chef.
O português Ricardo Simões, do Federico, reforça o potencial da carne, que permite jogar com os temperos e acompanhamentos.
"É uma carne de sabor intenso, com uma textura firme e um sabor inconfundível. Mesclei com cacau e couve flor para trazer sabor de terra e quebrar um pouco da intensidade, com bastante equilíbrio no prato", explica. O peito de pombo real do chef também recebe o toque do pistache e vem acompanhado de cogumelos, outro ingrediente que é super popular nesta época do ano por aqui.
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A experiência com o pombo é um proposta que dialoga com a temporada de caça, muito popular em países como Portugal - mais para a frente, vamos falar da carne de javali e veado, muitos populares em terras lusitanas.
"Nosso pombo vem de um pequeno produtor de Vila Real (região ao norte de Portugal, entre o Douro e Trás-os-Montes). Aproveitamos a época para incluir ingredientes da estação, que estão frescos e permitem a variação do menu ao longo do ano. É uma forma de apresentar a riqueza de ingredientes do Portugal", explica.
No restaurante David Toutain, tal como no Federico, os cogumelos - mais especificamente os girolles - acompanham o peito de pombo cuidadosamente selado, para manter o vigor da carne, com o dulçor levemente amargo do damasco.
Aliás, na França e em outros países da Europa, o damasco fresco é muito utilizado. No Brasil, em geral, costumamos consumi-lo desidratado. A título de curiosidade, em Portugal o fruto amarelo, do tamanho de uma ameixa, é chamado de alperce.
Pombo maturado
Estava com esse breve relato sobre o pombo - ou pigeon - quase publicado quando me deparei com o trabalho do chef espanhol Diego Guerrero (DSpeak, Madrid), um dos palestrantes do Food meets Science, do The Best Chef Awards, realizado em Mérida, Yucatán, no final de novembro e acompanhado de perto pela Viagem Gastronômica, do Paladar.
Como um verdadeiro alquimista da cozinha, Guerrero colocou o pombo em uma mistura de cereais para fermentar a carne e maturá-la em um curto espaço de tempo, graças às reações químicas. "Muda a textura, muda a gordura, muda o sabor e muda o aroma, em um tempo, digamos, express. Não é melhor e nem pior, apenas uma maneira diferente de processar a carne de pombo", explica.
O processamento do pombo, neste caso, segue a lógica do processo que resultou no surgimento do sushi, quando os orientais introduziram peixe em um barril de arroz, para conservá-lo, e acabaram descobrindo processos interessantes de transformação química da proteína. "Fizemos o processo com o pombo, que é um ingrediente da época, e o resultado foi esse: um novo modo para preparar a ave", finaliza.
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