Se você é fã de cogumelos, essa viagem gastronômica pelo Reino dos Fungos é sob medida. O Black Trumpet é uma das novidades de Lisboa e foi batizado assim em homenagem a um tipo de cogumelo que, de fato, parece um trompete. Não à toa, o espaço do DJ, que toca boa música a noite toda, é decorado com o instrumento.
Aliás, fazer referência à música e afinação quando se fala de comida é recorrente. Afinal, quantas vezes a equipe de um restaurante não é comparada a uma orquestra, que precisa estar afinada? Sem falar no menu, que, quando bem elaborado, funciona quase como uma partitura - mas, de sabores.
Elocubrações à parte, vamos ao ponto. O menu elaborado pelo chef Pedro Henrique tenta, de fato, colocar os cogumelos em destaque, mas, com um pormenor: devido à sazonalidade do ingrediente principal da casa, é preciso elevar a criatividade. "No outono, época alta do produto, chegamos a ter até 25 espécies de cogumelos disponíveis", explica.
Nesse período, inclusive, aparecem raridades como o cordíceps, o fungo que ficou famoso no mundo dos games - e, depois, das séries - por conta do game The Last of Us. Na linha narrativa, seria o fungo o responsável pela epidemia de infectados no mundo pós-apocalíptico.
"A gente garante que isso é só ficção. Inclusive, preparamos um prato com esse cogumelo, que parece um espaguete de cor avermelhada", conta, em risos.
No período em que a produção de cogumelos não permite tanta diversidade, o foco é em espécies mais comuns, como Portobelo, Paris ou shitake. Mas, por sorte, podemos provar o cardápio na temporada de inverno, com alguns tipos de cogumelos mais improváveis.
A degustação começou com uma seleção de entradas. O carpaccio de vegetais (16 euros) incluiu pastinaca (um tipo de tubérculo), picles de rabanete e cogumelo pé-de-carneiro, com creme de queijo da Serra da Estrela (falamos sobre ele na última coluna), brotos e limão assado.
Os super ingleses Fish and Chips ganharam uma versão Mush and Chips (18 euros), com enoki empanado e batata-fritas aplicada de sal de cogumelos da casa, com creme azedo de raiz forte.
Entre os principais, a dose de criatividade do chef está no nhoque, em um formato que mais parece uma polenta frita ou um naco de brioche levemente tostado. "Usamos queijo cru, farinha e parmesão e damos uma leve selada. Daí a maciez", explica Pedro. A criação combina bem como o cantharellus tuberiformis, mais um cogumelo que não se encontra em qualquer lugar.
Com altas doses de proteína - e aqui cabe reforçar que, apesar de possuir alguns pratos vegetarianos, o restaurante não tem essa proposta-, há barriga de porco cozida por 24h no carvão, com glacê de mostarda e mel, beijocas (um tipo graúdo de feijão branco), caldo de cogumelos, bacon de cogumelo eringhi, purê de couve-flor e picles de cenoura e coentro (28 euros).
O polvo cozido em fashion e shimeji branco, com vegetais grelhados, ajo blanco e algas marinhas é uma atração à parte, que mescla muito sabor, com um apelo estético que faz valer a máxima "comer com os olhos". A estrela que dá nome ao restaurante - o Black Trumpet - aparecera massa com tinta de choco (uma espécie de "primo"da lula), queijo parmesão e pinoles.
Um adendo: a gente sabe que, vez ou outra, aparece um desavisado que não gosta de cogumelos. Sim, acontece! E, para esse público, há algumas opções, como a surpreendente salada de berinjelas, que apresenta o vegetal em forma de compota, com coração de alface com tâmaras e cítricos.
Por falar em surpreendente, o menu foi fechado com um incrível sorvete (gelado, para os portugueses) de funcho com creme inglês de Portobello fumado (9 euros).
E, é claro, não poderia de faltar o nosso cordíceps. Sim, aquele cogumelo citado ali em cima que dialoga com o game e a série da HBO The Last of US. Provamos em forma desidratada, em um latte servido aquecido, com um toque de cúrcuma. Aliado à maca peruana, nos informaram, tem propriedades energéticas e auxiliares de performance.
Para beber
Começamos com a degustação de coquetéis com o ingrediente de destaque da casa. Na carta, metade dos drinks leva cogumelos, criados à medida para sintonizar com a proposta da casa.
O Black Trumpet Mezcalita, como o próprio nome indica, leva mezcal inficionado com o cogumelo que dá nome ao restaurante, tequila, limão, curaçao seco, solução salina e tinta de choco (uma espécie de "primo"da lula).
Já o meu favorito, o Dirty Mushroom Martini, leva, além dos tradicionais ingredientes como gin e vermute seco, salmoura de cogumelo e cogumelo infundido com shoyo.
Para aqueles mais dados a coquetéis levemente adocicados, o bar tem a versão micológica do Moscow Mule, o Shitake Mule, com rum escuro inficionado com shitake, limão, cerveja de gengibre, espuma cítrica e shitake seco.
Santa Clara dos Cogumelos
Outra casa lisboeta que dá protagonismo ao Reino dos Fungos é o Santa Clara dos Cogumelos, que fica no Mercado de Santa Clara. Autonominado como "restaurante micológico", a casa tem entradas (a partir de 6 euros) como a sopa de inspiração tailandesa Tom Kha Hed, com leite de coco, pleurotus ostreatus, molho de peixe, erva-príncipe e suco e folhas de limão.
Na viagem gastronômica pelo mundo dos cogumelos, ainda tem pegada peruana com o mico-tiradito, com mix de cogumelos crus, puré de batata-doce, milho, malagueta e cítricos.
Como principais, que custam a partir de 15 euros, não poderiam faltar pratos de inspiração italiana, como o risoto Santa Clara com porcina e trompetas da morte, casca de laranja, alecrim e nozes ou raviolini com morcela, recheado com queijo de ovelha de Azeitão e espinafre.