Logo que o chef João Rodrigues - um dos chefs mais badalados de Portugal - anunciou seu novo projeto no ano passado, o Canalha, em Belém, bateu a curiosidade: por que esse nome, que para nós brasileiros pode soar estranho? Prontamente, com a articulação de sempre, ele explicou que em algumas zonas de Portugal, canalha nada mais é que um "bando de miúdos" dados a peraltices. E não é que nome do restaurante tem tudo a ver com a pegada da casa?
A boa nova é que nessa temporada do verão europeu, o Canalha ganhou um irmão mais novo, na badalada Comporta. Essa região de praias, que fica a uma hora e pouco de Lisboa de carro, é um pedacinho do Paraíso em Alcácer do Sal, uma área profícua na produção de arroz e de sal, como o nome entrega. Aliás, já fiz uma verdadeira viagem gastronômica por lá e logo conto mais.
Ao provar os pratos do Canalha, percebe-se muito de descontração, apesar do comprometimento com os ingredientes portugueses, as técnicas apuradas do chef (que conquistou a primeira estrela Michelin do Feitoria, hoje a comando do igualmente talentoso André Cruz) e os sabores intensos são a marca da casa. Não à toa em Lisboa, a fila de espera pode durar um mês. E o ïrmão mais novo segue na mesma linha.
A verdade é que o Canalha Comporta, que fica dentro do hotel Sublime Comporta, já virou um hot spot por lá. E não é por menos: João Rodrigues fica por lá a maior parte do tempo do verão e a temporada das "canalhices"por lá vai se estender, inicialmente, até outubro. E, é claro, na nossa viagem gastronômica pelo Paladar, fomos lá conhecer para dividir com você!
Já na entrada do restaurante, como parte da decoração, a gente dá de cara com uma mostra dos insumos usados pelo chef, que mergulha com tudo nos ingredientes da porção atlântica do Alentejo. Em um expositor que remete às bancas de mercados, há muito peixe fresco, mariscos, crustáceos, presuntos e embutidos (enchidos, para os portugueses). Foi assim que abrimos os trabalhos: com azeitonas, azeite, queijo fresco de cabra, cecina de wagyu e lomo doblado.
"A carta é basicamente a mesma. O que nós fizemos foi adaptar alguns ingredientes da região, desde a península de Setúbal para baixo e toda a zona da Comporta. Se não tudo, boa parte é da região", afirma o chef. E, aqui entre nós, João é uma sumidade quando o assunto é ingrediente. No hiato entre a sua saída do Feitoria e o retorno com o Canalha, ele se entregou de corpo e alma ao projeto Matéria, e percorreu o país de norte a sul, com direito a muita pesquisa e conversas com produtores locais.
O serviço é à la carte e uma das possibilidades é pedir peixes e frutos do mar a quilo, fresquinhos. No dia em que fizemos nossa viagem gastronômica, tinha amêijoa (97 euros/quilo), carabineiro (300 euros/quilo), robalo (90 euros/quilo), pregado (130 euros/quilo), linguado (92 euros/quilo) e salango (80 euros/quilo), além do açoriano lírio (70 euros/quilo), sempre presente nas carta de João. Quem prefere carnes, não fica na mão: tem presa de porco preto (110 euros/quilos) e costeleta de borrego (59 euros/quilo). A carta de proteína animal fica em um quadro escrito a giz, que muda todos os dias, a depender da oferta de produtos.
O preparo das carnes é feito em uma churrasqueira no lado de fora (haja fôlego em tempos de temperatura chegando aos 35 graus!), mas o esforço da equipe vale a pena. O pregado grelhado aberto, com a pele crocante e temperado com muito alho e alguma pimenta, é servido com vagens da região (que os portugueses chamam de feijões), que com seu dulçor trazem um equilíbrio singular ao prato.
Os tomates, super em alta nessa altura do ano, são atração à parte. A sopa gelada, que ganha a companhia dos pimentões (pimentos, em Portugal) e do atum (dos Açores) é daquelas que se tomaria em litros. Fresca, leve e com uma combustão de sabores e texturas que fazem festa na boca. Intercalamos as sorvidas com os crocantes jaquinzinhos, os carapaus em sua versão mais jovial.
Os tomates aparecem, ainda, em uma versão de prato sem maiores intervenções do chef, que deixa o ingrediente brilhar por si só, em uma salada super fresca que só leva azeite - lógico que o excelente azeite produzido no Alentejo.
Aliás, a simplicidade somada aos bons ingredientes é um ponto alto do Canalha. O carabineiro é servido no pil-pil, o molho que resulta do próprio sulco do crustáceo e exige uma certa dose de paciência para chegar ao ponto.
Dentro dos pratos que já viraram um clássico do chef - e fazem sucesso nas duas cartas do Canalha - é a lula, recheadas com tentáculos e todas as outras partes do animal, cuidadosamente grelhadas e acompanhada com molho de manteiga e cebolinha (cebolinho em terras lusas). Para quem insiste em dizer que não gosta de lula, recomendo provar: tenho certeza que paradigmas serão quebrados.
A cozinha do Canalha Comporta, de fato, segue a mesma lógica da primeira unidade, em Lisboa. Ingredientes autenticamente portugueses, com todo o frescor possível, processados pelas habilidosas mãos de um chef que respeita o produto e joga luz para que brilhem. Muita coisa vem da horta do próprio hotel, outras tantas de produtores e pescadores locais. Uma viagem gastronômica que, decididamente, mostra toda a riqueza da comida de Portugal.
Serviço
Canalha Comporta Endereço: Sublime Comporta - EN-261-1, Muda, CCI 3954 - Grandola, Portugal Contato: +351 269449376 Instagram: @canalhacomporta
Canalha Lisboa Endereço: Rua da Junqueira, 207, Belém - Lisboa, Portugal Contato: +351 962152742 Instagram: @restaurantecanalha
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