No ambiente corporativo, é comum o uso de frases motivacionais durante reuniões para conferir autoridade aos argumentos e dar um brilho nas apresentações. Grandes empresários como Steve Jobs, Bill Gates e Jeff Bezos dividem a preferência com autores brasileiros como Mario Sergio Cortella, Paulo Coelho, Lair Ribeiro, Augusto Cury ou Roberto Shinyashiki.
Na contramão dessa tendência, o casal Camila e Neto Andrade, de Joinville, Santa Catarina, resolveu apostar no filão de frases “sinceronas”, garimpadas no cotidiano dos brasileiros. No lugar de livros impressos ou e-books, eles as estampam em camisetas básicas vendidas pela internet. Com isso, faturam R$ 4,2 milhões por ano, conforme dados de 2023.
“eu reclamo, mas resolvo”, diz uma das frases, sempre escritas em letras minúsculas. “tomara que hoje ninguém me irrite”, faz-se um alerta provocativo. A autocrítica está presente: “duas coisas que não canso de tomar: café e decisões erradas”. Há conselhos inusitados: “um f*da-se bem dado equivale a dez anos de terapia”, assim mesmo com o asterisco recatado.
Em destaque, sobressai a campeã de vendas: “calma, caraio”. Serve para várias situações – quando alguém pede algo com urgência ou demonstra um tom de briga numa conversa. “É a mais vendida porque as pessoas se identificam nela, dão uma risada e quebra o gelo de fato”, explica Neto.
Antes de fundar a Asmanhas, Neto e Camila passaram por experiências profissionais em áreas bem diferentes.
Hoje com 38 anos de idade, Neto atua desde os 15 na área de marketing, inicialmente em comunicação visual. Junto com dois sócios, teve uma agência de comunicação e depois migrou para o e-commerce.
Camila se formou em administração de negócios internacionais. Trabalhou numa fundição que faz peças para caminhões e colheitadeiras, atendendo a clientes como Volvo, Caterpillar e John Deere. Em seguida, foi para o setor de automação industrial e robótica, como coordenadora de processos internacionais.
A primeira atividade empreendedora conjunta foi por volta de 2017 com a produção de camisetas para o público “off-road”, que gosta de fazer trilha, de andar de jipe em locais sem asfalto e em meio à natureza.
As peças estampavam ilustrações e imagens, mas as de maior aceitação traziam recados breves. “Hoje, não dá. Amanhã, tem trilha”, era uma delas. “Não enche meu saco, enche meu tanque”, brincava outra. A aceitação era boa, mas voltada para um nicho de interesse muito específico.
A virada veio com a pandemia da Covid-19, quando as reuniões e os encontros entre amigos e familiares passaram a se dar por meio de videoconferências em plataformas como o Teams, o Zoom e o Meet.
“Veio aquele momento de reclusão, de afastamento. Deu uma esfriada na maneira de se relacionar, as pessoas não se aproximavam, não falavam, todo mundo de máscara”, recorda-se Neto. Daí, surgiu o insight de criar um meio alternativo sem precisar falar. “Você vestia uma frase e conseguia se comunicar”, diz ele.
A peça do vestuário quase sempre era motivo de comentário. Hoje, serve como facilitadora de relações nos locais de trabalho, na fila de supermercado, no elevador, no transporte público e tantas outras situações do cotidiano.
“O valor da nossa marca está nessa comunicação que conseguimos gerar”, explica Camila. “É o que chamamos de Efeito Asmanhas, frases que iniciam um diálogo, uma conversa, uma interação, dando o pontapé inicial.”
O estilo gráfico adotado vai no mesmo sentido. Antes da Asmanhas, as mensagens eram em letras grandes, para que pudessem ser lidas à distância. “A ideia é, se eu quero gerar um diálogo, a pessoa não pode estar lendo de longe, porque ela não vai conversar contigo. As letras têm que ser menores, mais discretas, para que a pessoa consiga ler somente estando perto de você”, conta Camila.
As ideias são agrupadas por coleções, como a denominada Positive Vibes, a exemplo da síntese do otimismo: “vai dar certo”. Outra é Botecos (“amanhã eu não vou lembrar de nada disso”). Para o Dia das Mães, a solidariedade para as genitoras: “tudo eu nessa casa”. Como extensão, há uma sacola com a inscrição “na volta a gente compra”, enganação universal para despistar a sanha consumista das crianças. (Veja uma lista mais abaixo)
No final de 2022, Camila decidiu largar 12 anos de CLT para se dedicar integralmente à própria firma. Foi uma opção difícil, que muitos empregados de carteira assinada vivem diante da expectativa de migração para o empreendedorismo.
Atualmente, a firma conta com nove funcionários. São enviadas entre seis mil e oito mil camisetas por mês. A estimativa é de um faturamento de R$ 6 milhões em 2024, ou seja, 43% a mais do que ano passado. Desde que a Asmanhas foi fundada, em abril de 2020, até abril de 2024, o faturamento total soma R$ 10 milhões.
Recentemente, a marca deu um salto, obtendo R$ 1 milhão em apenas três meses ao adotar a plataforma de loja virtual Bagy, que possibilita a pequenas e médias empresas (PME) criar, gerenciar e expandir seu e-commerce. A performance levou a Asmanhas a conquistar o prêmio Lojistas de Milhões, conferido durante o evento BagyDay pela plataforma, que pertence à LWSA (antiga Locaweb), uma das principais marcas do segmento de hospedagem de sites e computação em nuvem no Brasil.
Nos planos atuais, está ir para lojas físicas, aumentar o comércio no atacado e ter mais pontos de distribuição da marca para não depender apenas de um canal, hoje focado muito no e-commerce. “Precisamos ter capilaridade. Varejo é distribuição”, explica Camila, citando João Appolinário, fundador e dono da Polishop. “Quanto mais distribuição tiver no teu produto, maior tu vai ser.”
Mensagens para vestir
A seguir, uma coletânea de frases exibidas nas estampas da Asmanhas:
Tema geral
- eu sou suave. vocês que me estressam.
- não me faça escolher entre você e o churrasco.
- duas coisas que não canso de tomar: café e decisões erradas.
- eu reclamo, mas resolvo.
- tomara que hoje ninguém me irrite.
- um f*da-se bem dado equivale a dez anos de terapia.
- conhece alguém que pode árvore genealógica?
- se tá ruim pra você, imagina pro meu futuro, que depende de mim.
- calma, caraio.
Vibes positivas
- você inspira pessoas que fingem não te ver.
- não pare até se orgulhar.
- vai dar certo.
- não se distraia.
- lembre-se dos motivos que te fizeram começar.
- sempre tem alguém te olhando. faça o seu melhor.
Boteco
- há bares que vêm para o bem.
- minha vida é um litro aberto.
- amanhã eu não vou lembrar de nada disso.
- daqui pra frente é só pra trás.
- boteco & mesa de plástico & chinelo & cachorro caramelo.
Como começar e expandir seu e-commerce, em cinco recomendações
Na entrevista com Camila e Neto Andrade, concedida por videoconferência, eles deram cinco recomendações para quem está querendo começar ou aumentar o desempenho no e-commerce. Confira.
Valorização das lojas físicas – Talvez um dia o varejo físico seja extinto, mas isso vai demorar muito tempo. Então, não adianta você desconsiderar essa possibilidade e querer só vender on-line. É muito comum achar clientes que querem, antes de comprar uma camiseta, pegar na mão, ver a qualidade. Então, tem que ir para o físico também. O futuro é multicanal, e a gente tem que estar onde os nossos clientes estiverem.
Consumidor não é robô – Por maior que seja o avanço tecnológico, no on-line você está vendendo para pessoas, não para um robô. Você está do outro lado do computador e não vê, mas a pessoa tem hábitos, costumes, compra off-line ainda, vai ao supermercado ou shopping.
Abrindo um negócio – Há um conhecimento inicial que você deve ter. Não adianta começar do zero e já abrir. A chance de dar errado é muito grande. As pessoas devem ter uma certa afinidade com o produto ou com o serviço que vão iniciar, mas não precisa também ser um expert. Não adianta querer deixar tudo perfeito, a marca e o produto, pois assim você nunca vai começar. É sempre importante buscar algum conteúdo, ter alguma visão, mas também não esperem estar tudo [acabado] para começar, pois isso poderá ser muito tarde.
Nunca parem de estudar – Já fizemos várias imersões e cursos. Procurem sempre consumir conteúdo como e-commerce, empreendedorismo, gestão, processos, marketing, incluindo cursos on-line e no YouTube, onde tem muita opção gratuita. É esse conhecimento que faz a gente crescer. O seu negócio cresce à medida que você cresce. A Asmanhas hoje é o que é, pois fomos atrás para sermos capazes de fazer a gestão. De nada adiantaria ter crescido se não soubéssemos administrar uma empresa desse tamanho.
Desistir, jamais – A pessoa que começa a pensar em desistir, entra numa espiral negativa e vai desistir, a achar motivos para desistir. A vida do empreendedor é uma montanha russa: às vezes você está no auge lá em cima com o braço levantado e gritando, e às vezes ela vai lá embaixo. Não tem como dar errado para quem faz até dar certo. Então, desistir não é uma opção.
5 conselhos para conciliar casamento e gestão numa empresa familiar
Muita gente já procurou os catarinenses Camila e Neto Andrade para saber como fazem para conciliar o casamento com a gestão. No estilo de consultório sentimental, uma dúvida comum é a seguinte: “Estou pensando em abrir uma empresa, mas meu medo é o negócio dar certo e meu casamento acabar”.
Um risco a se evitar no dia a dia é uma conversa que deveria ser de gestores simplesmente derivar para uma DR, ou Discussão de Relacionamento, na linguagem das redes sociais, ameaçando a trajetória da firma.
A seguir, cinco conselhos que Camila dá para casais que pretendem atuar juntos como empreendedores de uma mesma firma.
Aproveitem o sócio que já existe em suas vidas – Em primeiro lugar, é muito bom ter sócio. Há uma outra cabeça ali ajudando a pensar, tanto motivando quanto sendo o advogado do diabo falando: “Cara, eu não tenho certeza que essa tua ideia é tão brilhante quanto tu acha”. Uma pessoa instigando a gente a pensar fora da caixa. E já que vai ter sócio, se casal já é sócio na vida, então aproveita este em vez de colocar um terceiro sócio na tua vida.
Dividam bem as tarefas – Internamente, há áreas que cada um cuida. Ele é focado no marketing e no comercial, em tudo que tem a ver com isso. Eu sou focada em processos, pessoas e financeiro. Vamos trabalhando como dois gestores, cada um cuidando das suas funções. Deixamos sempre bem dividido o que cada um faz.
Compartilhem as decisões – Um exemplo: quem cuida de estoque sou eu, mas não tomo decisão sozinha. Fazemos uma reunião semanal como uma empresa normal, em que dois gestores sentam e conversam. Eu digo: “Na minha área, eu vou fazer isso, vai ter isso”. E ele fala: “A gente vai lançar [nova] coleção”. Eu falo: “Mas o estoque dessa cor não está bom, então vamos ter que mudar a cor da estampa”. A gente dá opinião na área um do outro, mas quem toma a decisão é o dono da área.
Confiem na capacidade do outro – Há momentos em que a gente vai discordar, mas temos que confiar um no outro. Se ele é do marketing, é porque ele tem mais conhecimento do que eu. Então, quando a gente diverge [nessa área], a opinião dele é quem fala mais alto. E daí ele responde por isso também, se depois não dá certo.
Não façam cabo de guerra – Todas as decisões estão sendo tomadas para o CNPJ e não para a empresa do marido ou da mulher. É difícil se você não tiver maturidade, acaba discutindo, mas depois de alguns anos trabalhando juntos, entendemos que não adianta tentar fazer de uma discussão um cabo de guerra. Estamos remando no mesmo barco, então tem que remar para o mesmo lado, achar um ponto em comum e conseguir escolher o que vai ser bom.
Apoiem-se mutuamente – Outra vantagem de estar em dois é que quando um está com a energia mais baixa, desmotivado ou desanimado, o outro puxa para cima. Não são sempre dias maravilhosos os nossos, mas a gente sabe por que a gente [tem a empresa], que a nossa família e mais nove dependem disso.
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