A adesão de empresas familiares tradicionais ao e-commerce está sendo facilitada pela participação de uma nova geração de herdeiros, que cresceram e se formaram já na era da internet. Esses jovens estão, portanto, muito mais sintonizados que os pais com o universo das lojas virtuais, do marketing digital e das mídias sociais.
O carioca Felipe Mattoso, 31 anos, é um deles. Nos últimos anos, lidera a implantação do varejo online da marca DuRio, de chinelos e sandálias, negócio iniciado em 1996 pelo pai, Wanderclay Alves Matos. Atualmente, Felipe ocupa a posição de CEO, tendo o pai na função de conselheiro e supervisor.
Na origem remota, Wanderclay atuava como prestador de serviço terceirizado para a indústria de couros, forte no Rio de Janeiro, com o lendário Curtume Carioca, no bairro da Penha. Começou a atividade com apenas um par de chinelos, um protótipo desenvolvido a partir de exemplar emprestado. O resultado recebeu elogios, e o boca-a-boca estimulou a expansão.
Mercado de chinelos tem marcas famosas, como Havaiana e Melissa
Hoje, a DuRio disputa um mercado que tem marcas famosas como Havaianas, Melissa, Azaleia e Rider, entre outras. Sem lojas próprias e vendas diretas ao consumidor, comercializa para a uma rede de cerca de dois mil revendedores em todo o Brasil, sobretudo na região Sudeste.
Depois de um ensaio no varejo digital em 2016, a firma entrou para valer nos marketplaces em 2020, pressionada pelas restrições da pandemia da Covid-19 à circulação das pessoas.
Sem alternativa, Felipe partiu para a internet. “Passei a trabalhar dentro de casa, no home office, no isolamento, de 14 a 16 horas por dia”, conta. Ele mesmo cadastrava os produtos um a um nos marketplaces, enfrentando as exigências complexas, detalhistas e trabalhosas de cada plataforma.
“Saímos do zero”, lembra-se Felipe. “Aos poucos, os anúncios dos produtos começaram a performar bem, mas foram três anos extremamente duros.”
Chinelos são vendidos em site próprio e em marketplaces
Além do site próprio, a DuRio coloca suas mercadorias em marketplaces de maior alcance: AliExpress, Amazon, Americanas, Casas Bahia, Droga Raia, Magalu, Mercado Livre, Netshoes, Shopee, Shoptime e Submarino.
Além de chinelos e sandálias, há fabricação também de rasteira, numa terminologia que pode variar conforme a região, e tamancos. Entre os materiais, encontram-se, por exemplo, a espuma EVA e o neoprene, tipo de borracha das roupas de mergulho.
Em outubro, a marca esteve entre seis escolhidas em todo o Brasil pela Amazon para expor seus produtos na primeira Feira de Pequenos e Médios Negócios, realizada no movimentado Shopping Cidade São Paulo.
De acordo com Felipe, no começo da implantação do e-commerce entre outubro e dezembro de 2020, a DuRio vendeu um número modesto de 680 pares pela internet, com faturamento de R$ 38 mil.
Em 2021, as vendas aumentaram para 24,2 mil pares no digital, correspondentes a R$ 1,5 milhão. No ano passado, foram 30 mil pares e R$ 2,1 milhões vendidos, uma expansão de 40% em relação ao ano precedente. Em cinco anos, a expectativa é atingir R$ 10 milhões.
O resultado poderia ter sido mais elevado, na avaliação de Felipe, não fossem os problemas financeiros da Lojas Americanas, que era um canal importante para escoamento da produção.
“Com o comércio eletrônico, há muito espaço para crescer”, acredita ele, que ainda criança frequentava a indústria, onde fez seu estágio quando estudou administração no Ibmec. Nas atividades atuais, cita o trabalho social da empresa, cuja sede fica nas imediações do Complexo do Alemão. No futuro, está a exportação com o nome fantasia de Brazil FlipFlop, palavra em inglês para o chinelo de dedo.
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O que a jornada de Felipe Mattoso, CEO da DuRio, pode ensinar a quem pretende entrar ou crescer no varejo online?
1. Entender o mercado
O chinelo é cultural e democrático no Brasil, no entendimento de Felipe Mattoso: “Todo mundo tem pelo menos um par em casa”. Há um mercado de 200 milhões de brasileiros. A internet permite ampliar o ponto de contato com a clientela.
2. Estar atento à demanda
O portfólio tem basicamente duas categorias: a “tradicional” e a “com benefícios”. Neste caso, são modelos ortopédicos e para aliviar a dor, destinados a pessoas com problemas como esporão, fascite plantar ou de coluna.
3. Incrementar o marketing direto
Historicamente, a DuRio foi sempre B2B (Business to Business, no jargão dos negócios), isto é, voltada para a rede de revendedores. Passou, então, a empregar também o B2C (Business to Consumer), para atingir o público consumidor, incrementando o marketing direto.
4. Posicionar bem a marca
É importante definir como você pretende que seus produtos sejam percebidos pelos consumidores. O esforço agora é trabalhar para que a marca cresça associada a “momentos da vida”, identificada com conforto, relaxamento, lazer, férias ou descanso, independentemente da classe social ou região do país.
5. Valorizar a qualidade
Faça um produto de qualidade, pois o cliente voltará para uma nova compra por estar satisfeito. O produtor dever ter personalidade própria, sem ser uma commodity. Um diferencial pode ser a garantia contra eventual defeito de fabricação por um determinado período. Rejeite a pirataria.
6. Investir no design
Em alinhamento com o nome DuRio, o design faz referência a ícones da capital fluminense, como o grafismo ondulado e as pedras portuguesas das calçadas de Copacabana no solado, os Arcos da Lapa na lateral do salto e a linha de contorno do Pão de Açúcar, na peça de decoração.
7. Afinidade com um marketplace
Com tantos marketplaces à disposição, é recomendável manter uma parceria privilegiada, como o restaurante preferido por uma pessoa. “A comida é boa, você é bem tratado pelos garçons, se sente bem. A Amazon é isso para mim. É o restaurante que eu mais gosto. É quase que afetivo”, compara. Ele ressalta o atendimento personalizado, a correção nos pagamentos e os resultados.
8. Persistir e pensar grande
Segundo Felipe, quem disser que não cogitou alguma vez em desistir é mentiroso. “Você pensa nisso, mas jamais toma atitude nesse sentido”, diz ele. No lugar, prefere pensar grande: “Vou ser a Havaianas do e-commerce. Eu não consigo mais batê-las no mundo físico, mas consigo ser maior do que ela no digital”.
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