BNPL: crediário repaginado pode ser opção para vender - e comprar - mais

Ideia trazida do mercado externo lembra o velho conhecido carnê do varejo brasileiro, mas tendência pode complementar vendas de consumidores sem limites em cartões de crédito

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Foto do author Felipe Siqueira

Apresentado como novidade para o mercado brasileiro, o BNPL (Buy Now Pay Later, na sigla em inglês), que significa compre agora e pague depois, em tradução livre, tem características atualizadas de um velho conhecido do varejo nacional: o crediário. Isso, porém, não impede que a forma de pagamento possa ajudar empresas, especialmente MEIs e MPEs, a conquistar clientes.

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Hoje o BNPL não tem uma regulamentação específica por parte do Banco Central. A autarquia federal afirma que acompanha “o desenvolvimento de soluções privadas, mas ainda não produz estatísticas ou projeções sobre o tema”. O produto ainda engatinha, por mais que demonstre crescimento no cenário interno.

Trata-se de uma concessão de crédito. No ato da compra, em um mundo ideal, o cliente poderia optar pela forma de pagamento e, em tempo real ou em um período rápido, análises de risco e de fraude seriam feitas para que um limite ficasse disponível para alguma aquisição. Fora deste mundo ideal, a análise pode demorar mais, como alguns dias úteis.

O diretor da plataforma de e-commerce Nuvemshop Renato Burin explica que, como essa avaliação é sobre um cliente que a companhia não conhece, a tendência é que este primeiro contato seja para um limite mais reduzido. “É um conceito muito novo no Brasil. Essas empresas estão começando a operar e entendendo o risco de crédito dos consumidores. Não existe ainda um apetite de crédito muito forte, então, não dá para dar limites elevados para um consumidor que você pouco conhece”, fala.

Até o momento, existem dois grandes pontos de vantagem em relação ao BNPL para o varejo. Na demanda, a forma de crediário online pode facilitar a vida de quem não tem cartão de crédito ou ficou sem limite na conta que tem, já que a análise é feita em pouco tempo e, para uma compra específica, no chamado check-out.

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No lado da oferta, a proposta do BNPL não é predatória, porque não substitui vendas por cartão de crédito. Acaba sendo um complemento, que, no final do dia, pode auxiliar a fechar uma venda que o consumidor talvez tivesse dificuldade de pagar com outras formas de pagamento. “Isso é uma coisa nova, que não atrapalha outros parcelamentos. Quem tem limite com bancos ou fintechs, continua preferindo pagar com cartão de crédito”, pontua Gastão Mattos, CEO da Gmattos Consultoria.

Igor Silva de Azevedo, de 22 anos, aceita BNPL em seu e-commerce  Foto: Werther Santana/Estadão

Igor Silva de Azevedo, dono de um e-commerce de artigos relacionados ao gênero K-Pop, usa o BNPL há cerca de dois anos e vem percebendo a mesma tendência. Ele fala que a medida ajudou a ganhar mais oportunidades de vendas. “Na Black Friday, tivemos muitas operações nessa modalidade, porque, como a data ocorre no final do mês, muita gente já estava sem limite no cartão de crédito. Acabou sendo um complemento nas nossas vendas”, avalia. Segundo ele, o parcelamento é feito com uma entrada, à vista, mais três parcelas.

A loja de Igor funciona na rede da Nuvemshop e usa uma instituição financeira como intermediadora nos pagamentos. Dentro da plataforma, no chamado check-out, em que o cliente vai finalizar a operação, o conceito do BNPL é aplicado com o nome de PIX parcelado.

Segundo Gastão Mattos, a estratégia é comum já que o apelo da marca “PIX” é forte no consumidor brasileiro. “No final das contas é um BNPL.” A empresa de Mattos fez um estudo sobre o tema, que conclui que, pelo BNPL não competir diretamente com cartão de crédito, existe um bom potencial de crescimento para o setor.

De onde vem o BNPL?

O conceito do BNPL surgiu fora do País, em locais como Austrália e Estados Unidos. Os especialistas consultados pela reportagem ressaltam que, como no exterior a prática de parcelamento é menos comum comparativamente ao Brasil no varejo, esse tipo de iniciativa acaba tendo um impacto maior. Mas isso não anula o efeito no mercado interno.

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De acordo com levantamento da Nuvemshop, por exemplo, no recorte para Micros, pequenas e médias empresas - com foco em operações realizadas na plataforma -, até novembro de 2021, R$ 4,4 milhões foram operacionalizados utilizando o BNPL como forma de pagamento. Este número mais que dobrou até novembro deste ano, subindo para R$ 10,6 milhões.

Experiências variadas

O fato de não ter uma regulamentação específica sobre BNPL gera algumas consequências. O lado bom, de acordo com especialistas, é que isso ajuda a não limitar o espaço para crescimento neste início. Um outro ponto - que não é necessariamente ruim - é que o conceito do BNPL pode ficar meio “relativo” em determinados momentos.

O professor de MBAs da FGV Roberto Kanter comenta que as regionalidades podem interferir em todo este processo, com adaptações no meio do caminho. “O Brasil é um dos países mais avançados em crediário. E esse tipo de conceito vai se adaptar ao mercado nacional, de acordo com a região que estiver inserido”, diz.

Até mesmo na parte do parcelamento vai depender muito da instituição financeira ou da loja em questão. Geralmente, existe uma intermediação entre o vendedor e o comprador - por uma fintech ou banco - que, de fato, vai possibilitar o pagamento por BNPL. E a quantidade de vezes que um produto poderá ser pago pode variar.

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E não vai ser exatamente igual ao cartão de crédito, com 10x sem juros. Pode ser que exista juro, o parcelamento pode ser quinzenal, em vez de mensal, e pode ser solicitada uma entrada via PIX, para validar a venda. Ou seja, depende muito da operação que estiver sendo feita pelo estabelecimento ou pela instituição financeira.

Mas isso já não existe?

Em meio a este cenário em que o conceito de BNPL não é exatamente definido pelo BC aqui no Brasil, bancos e fintechs questionados pela reportagem afirmam que já atuam com o modelo - que agora é chamado de BNPL - há um certo tempo.

O Mercado Pago, por exemplo, afirma que a forma de pagamento é oferecida desde 2019, por meio do Mercado Crédito. A modalidade tem tido crescimento na plataforma. O Santander diz que oferece este tipo de opção há mais de 20 anos. Já o Banco do Brasil fala que tem crediário dentro do próprio cartão de crédito.

Relacionamento com fornecedores

Existe um outro lado também, quando falamos em empresas. As compras realizadas com fornecedores podem ser pagas por meio do BNPL - a depender do vendedor neste caso. Este é o cenário da Adega do Japa, localizada no interior de São Paulo, desde julho deste ano.

De acordo com Osvaldo Aparecido Moreira, que atua no estabelecimento com a filha há cinco anos, essa forma tem sido uma excelente maneira para ter um preço mais competitivo na hora de vender mercadorias, tendo margem para lidar melhor com a concorrência. “O BNPL com o fornecedor facilitou bastante a nossa compra. Temos condições de adquirir um volume maior, com um prazo mais estendido, com um preço melhor. Então, você pode repassar um valor mais acessível ao cliente final”, explica. Segundo a filha, Helen, o negócio pretende manter este tipo de negociação por um bom tempo.

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