Calcinha de cânhamo amplia oportunidades para mercado da cannabis

Indústria têxtil a partir da fibra de cânhamo é permitida no Brasil, com importação da fibra; setor, que inclui marcas como Adidas e Levi’s, faturou globalmente US$ 4,58 bilhões em 2019

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Por Marina Dayrell 
Atualização:

Em meio às discussões sobre a legalização do cultivo de Cannabi sativa no Brasil, o foco costuma estar em fins medicinais. Mas, para além dos medicamentos, a planta também movimenta a indústria têxtil, com roupas e acessórios a partir do cânhamo. O uso da fibra para o vestuário não é novidade, mas seu potencial de inovação tem inspirado pequenos negócios, como a Blum, empresa lançada neste mês que faz calcinhas menstruais com cânhamo.

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Segundo especialistas, a Cannabis, que dá origem à maconha e ao cânhamo - fibra com níveis muito baixos de Tetra-hidrocanabinol (THC), substância com efeitos psicotrópicos -, é a matéria-prima de cerca de 25 mil produtos ao redor do mundo. Em 2018, o mercado global da planta movimentou US$ 18 bilhões, de acordo com a consultoria norte-americana New Frontier Data, especialista no tema.

Nos países onde o cultivo é permitido, o cânhamo é base das indústrias têxtil, de alimentos e bebidas, bem-estar, beleza, construção, automotiva, combustível, entre outros. Hoje, cerca de mais de 30 países produzem o cânhamo industrial, liderados por China e França. O setor faturou US$ 4,58 bilhões em 2019, segundo a New Frontier Data.

No Brasil, a presença do cânhamo é antiga. Os primeiros registros datam de 1.500, com as velas dos navios portugueses, feitas a partir da fibra do cânhamo. De lá para cá, a legislação proibiu o cultivo da Cannabis no País - salvo casos decididos por liminar - e permite apenas a importação e a produção de itens a partir da planta para fins medicinais. No caso da indústria têxtil, é permitida a importação do tecido ou da roupa já confeccionada. 

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Os empreendedores Poliana Rodrigues e Bruno Nogueira criaram a Blum, marca especializada em calcinha menstrual feita de cânhamo. Foto: Felipe Rau/Estadão

“Nos anos 1930, seguindo uma onda internacional, teve a proibição da Cannabis como um todo e de vários usos do cânhamo industrial, mas não se aplicou às fibras e ao têxtil. Sempre existiu no mercado e continuou sendo vendido normalmente. Nunca se tratou o cânhamo têxtil como uma droga, como um problema social. Se amplamente legalizado, teríamos várias possibilidades de usar o cânhamo para outras coisas”, explica Rafael Arcuri, diretor executivo da Associação Nacional do Cânhamo Industrial (ANC).

Os benefícios do cânhamo na indústria têxtil já são conhecidos por grandes marcas brasileiras e internacionais, como Adidas, Osklen, Levi’s e Reserva, que vendem itens de vestuário feitos a partir da fibra. Mas também há espaço no setor para os pequenos negócios, caso da Blum, dos empreendedores Poliana Rodrigues e Bruno Nogueira.

A jornada dos sócios pelo mundo da Cannabis vem desde 2019, quando abriram a Blazing Beauty, que começou como portfólio de cosméticos derivados do cânhamo, sem CBD ou THC (leia mais no quadro abaixo). Neste mês, o negócio - que funciona pelo Instagram - se tornou uma plataforma de conteúdo sobre Cannabis e um espaço de colaboração com outros empreendedores.

 

“O cânhamo tem um processo de produção mais sustentável, é uma planta mais resistente e que consome menos água. Na maioria das vezes, não necessita de uso de pesticidas, as fibras extraídas são atóxicas. Principalmente quando estamos falando de algo que vai em parte íntima do corpo, é uma opção mais segura, você evita irritações, inflamações, alergias. Ainda que a calcinha menstrual não seja inédita, ter cânhamo no meio está alinhado não só com sustentabilidade, mas com o comportamento do futuro”, diz Poliana. 

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Rafael Arcuri, da ANC, complementa: “A fibra é mais resistente que a do algodão, o que gera mais durabilidade, o que aumenta o tempo de substituição da peça, sendo mais sustentável. O cultivo do cânhamo faz uma captura de carbono mais eficiente que outras plantas e ele entra na lógica da economia circular de uma forma muito completa, porque todas as suas partes podem ser utilizadas”.

As calcinhas serão produzidas na China (já que no Brasil não é permitido) e as vendas realizadas em um marketplace, o Ekoesfera, que será lançado ainda neste ano, com foco em produtos sustentáveis. A ideia inicial dos sócios era criar um negócio com investimento próprio, com a estimativa de vender 250 calcinhas por mês. No entanto, na fase final de produção do protótipo e lançamento, eles receberam uma proposta de investimento (em contrato sigiloso) do Grupo Maeté, focado em negócios de Cannabis.

“Antes, a gente estava no ‘empreendedorismo de guerrilha’, que é como chamamos aqui em casa. Agora, o Grupo Maeté adquiriu uma parte da empresa e nós vamos ter investimento estrutural e financeiro. Então, estamos reformulando o plano de negócios antes de começar a vender as calcinhas”, conta Poliana, segundo quem as calcinhas devem começar a ser vendidas em 2022, a um preço estimado em R$ 119 cada uma.

Novos caminhos: tijolo de cânhamo

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Impulsionado pelo uso na indústria têxtil, as associações de cânhamo no Brasil trabalham para que ele possa ser utilizado em outras produções. O próximo passo é o uso na construção civil, aponta o diretor executivo da ANC, Rafael Arcuri.

“Hoje, o maior uso do cânhamo no Brasil é em roupas, mas estamos tentando trazer concreto de cânhamo, um tijolo, que pode ter diferentes formas e proporções de cânhamo. Dependendo da formulação, ele pode ser estrutural ou para preenchimento. Em tese, não haveria problema de legislação, mas como vivemos em um limbo regulatório e uma incerteza jurídica, ainda estamos estudando a ideia”, explica Rafael. 

O uso do ‘hempcrete’, como é chamado o concreto feito a partir do cânhamo, é apontado pelo estudo ‘Pesquisa, Inovação e Tendências de Mercado’, realizado pela consultoria e aceleradora de startups voltadas ao mercado da Cannabis, The Green Hub, como uma alternativa sustentável e efetiva para o Brasil, principalmente ao se considerar a carência habitacional do País. 

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