Camping sem perrengue, ‘glamping’ é aposta de negócios no campo

Luxo no mato e experiência de vivenciar o agroturismo atraem novos empreendedores para o interior dos Estados; viagens para longe do centro urbano seguem em alta para 2022

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Foto do author Juliana Pio

As restrições impostas pela pandemia da covid-19, somadas a uma maior preocupação com a saúde e o meio ambiente por parte dos brasileiros, têm atraído novos empreendedores ao campo e aquecido o turismo local. Bastante comum no exterior, os chamados ‘glampings’ (espécie de camping com glamour) estão emergindo no interior do Brasil como negócio lucrativo e destino para aqueles que querem ficar mais perto da natureza, sem abrir mão de conforto e segurança. 

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“Não é camping, nem hotel ou resort. O nosso luxo está no mato, na experiência de vivenciar o agroturismo”, diz José Felipe Carneiro, um dos proprietários do Black Mamba Loft. Localizado em Carmo da Cachoeira, Sul de Minas Gerais, a 320 km da capital paulista, o empreendimento conta com três tipos de acomodações no meio da Mata Atlântica, equipadas até mesmo com cozinha, wi-fi, televisão, frigobar e ar-condicionado. 

O visitante, além de desfrutar do conforto da estrutura, pode fazer trilhas pela mata nativa, cachoeiras, cafezal e, em breve, pela produção de lúpulo, sem a necessidade de acompanhante. Também não há serviço de hotel no local, por isso é preciso levar a própria comida. Um guia com orientações, dicas de mercados locais e telefones úteis é entregue no ‘check-in’.

Black Mamba Loft oferece três tipos de acomodações no meio da Mata Atlântica, equipadas até mesmo com cozinha, wi-fi, televisão, frigobar e ar-condicionado. Foto: Arthur Jung

“A ideia não é encher a pessoa de atividades. Queremos que ela venha e consiga ler, tocar um instrumento, ouvir o barulho da água e dos pássaros e fazer o que quiser no próprio tempo”, destaca Carneiro. “O ócio é a maior fonte de inspiração. Partir do não fazer nada e estar ali vivenciando a natureza é quando você se inspira e se entende”, complementa Myrela Lage, uma das sócias do projeto, que viu esse tipo de interesse aumentar na pandemia.

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Segundo a arquiteta, as acomodações são totalmente independentes e integradas à vegetação natural. Duas foram construídas com estruturas de contêineres pré-moldados e vidros e tem 40 metros quadrados cada. A outra é um casarão reformado, originalmente construído entre 1920 e 1930, o que traz uma mistura do moderno com o clássico. 

“Financeiramente falando, o contêiner hoje não difere muito de uma construção convencional, mas é vantajoso, porque é mais fácil de montar e pode ser transportado para outras áreas do terreno. O que encarece são os acabamentos. Pensamos no que era essencial para uma estadia confortável, como bons colchões e lençóis”, explica a também sócia e arquiteta Larissa Antonucci.

Cabana Home, glamping localizado em Araçoiaba da Serra, próximo à Sorocaba, no interior de São Paulo. Foto: Amanda Dantas e Marcos Pereira

Para a construção das hospedagens, foram investidos cerca de R$ 800 mil. “O terreno já era da família. Temos uma expectativa de faturamento anual em torno de R$ 400 mil e uma taxa de lucratividade de até 40%”, salienta Carneiro. As diárias serão a partir de R$ 600 e as reservas poderão ser feitas a partir de março pelo Instagram, Airbnb ou Booking.com.

Na visão do executivo, o glamping vem como um incremento de receita à fazenda, que já é altamente produtiva. “É uma oportunidade de fazer a vida do agro se tornar negócio de turismo também. Um complemento de renda que pode significar até em um aumento de qualidade de vida para quem mora no campo”, sugere.

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Nada de ‘perrengue’

Com pouco mais tempo de mercado, a Cabana Home, startup paulista fundada em 2019 e que tem como um dos sócios o ator Felipe Titto, viu o faturamento aumentar durante a pandemia com a maior procura por hospedagens isoladas. A expectativa é que, até o final de 2022, o negócio se expanda para dez novas localizações no interior do Brasil.

O primeiro empreendimento foi construído em 2020, em Araçoiaba da Serra, próximo à Sorocaba, no interior de São Paulo, e contempla seis cabanas distantes 150 metros uma da outra. Em abril, uma nova unidade do negócio será inaugurada em Urubici, na Serra Catarinense.

“Enxergamos a tendência do glamping e a força que esse modelo de hospedagem estava ganhando. É um movimento que leva o cliente a querer experiências únicas, de contato com a natureza e em ambientes autênticos. A busca pelo bucólico”, afirma André Nogueira, sócio-administrativo.

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Entre os diferenciais do Cabana Home está a Bolha, uma estrutura de hospedagem patenteada feita com plástico cristal. Foto: Amanda Dantas e Marcos Pereira

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As cabanas são equipadas com TV a cabo, frigobar, fogão a lenha, churrasqueira, banheiro individual, entre outras facilidades. As diárias custam a partir de R$ 1.100 para duas pessoas, a depender do tipo de acomodação, e incluem café da manhã. O local ainda conta com um bar e uma conveniência que funcionam em determinados horários. “Mas não há serviço de quarto. Não somos nem queremos ser hotel”, destaca Nogueira.

Entre os diferenciais do negócio, está a Bolha, uma estrutura patenteada feita com plástico cristal. O valor da diária é de R$ 2.400 e a fila de espera para locação é de três a seis meses. Há também uma estrutura de contêiner montada em uma árvore a nove metros de altura, além de uma cabana subterrânea recém inaugurada.

Segundo Nogueira, os custos com manutenção são relativamente baixos. A construção de uma nova cabana leva cerca de 40 dias e o investimento gira em média de R$ 400 mil a R$ 500 mil. Embora não revele faturamento, ele garante que a margem de lucro do empreendimento é alta. 

“A gente brinca que cabana é perrengue chique. É sair dos grandes resorts e levar as pessoas de volta à simplicidade a partir do contato com a natureza, com os animais e com o silêncio pouco encontrado no ritmo de vida atual”, afirma o empreendedor.

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Identidade é o diferencial

O argentino Santiago Roig Albuquerque literalmente deu a chave da própria casa para visitantes ao inaugurar o Rancho Punta Blanca há seis anos na Serra da Mantiqueira, próximo ao município de Gonçalves, no Sul de Minas Gerais. O sucesso do empreendimento o levou a abrir, em 2020, um negócio semelhante no terreno ao lado, o Amantikir, com o sócio Rafael Pensado.

O espaço abriga um ônibus e três tendas indígenas, todos equipados com cama, TV, internet, frigobar e banheiro particular. As hospedagens contam com uma casa de suporte, com fogões, geladeiras, lareira, mesa de jogos e até piscina. “Passei dois anos viajando o mundo pra pegar ideias nesse segmento de cabana”, lembra Santiago.

As tendas, produzidas sob encomenda, têm cerca de sete metros de diâmetro e dez metros de altura. São feitas com lona de caminhão impermeável e presas por cabos de aço em cima de uma estrutura de madeira. Levaram cerca de oito meses para ficarem prontas. A diária custa a partir de R$ 1.300. 

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Tendas indígenas produzidas sob encomenda pelo Amantikir são equipadas com cama, TV, internet e até frigobar. Foto: Santiago Roig Albuquerque

“É mais rústico, os animais ficam soltos. Não temos serviço e todas as orientações são passadas em vídeo explicativo. O local oferece estrutura para a pessoa fazer o próprio café, almoço e jantar”, explica o argentino, que desembolsou cerca de R$ 2 milhões para a compra do terreno e implementação de toda a infraestrutura. A julgar pelo Rancho Punta Blanca, ele acredita que o retorno financeiro do investimento deve vir no próximo ano.

“Tenho os mesmos problemas de um hotel, de manutenção da estrutura e mão de obra. É preciso disposição para entrar nesse ramo e ter identidade. Se a pessoa entende essa proposta, tem bastante espaço no mercado”, diz.

Viagens ao interior seguem em alta

Os chamados agroturismo, turismo de bem-estar e turismo de ‘escapada’ são tendências que seguem em alta no Brasil e no mundo com a pandemia. De acordo com o World Travel & Tourism Council (WTTC), somente o turismo de bem-estar deve movimentar mais de US$ 900 milhões mundialmente até o final deste ano. A ideia é desfrutar de lugares, situações e experiências que contribuam para um equilíbrio pessoal, antiestresse e bem-estar geral.

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“O turismo de escapada, que são curtas viagens em locais próximos ao de moradia para quebrar a rotina, também foi resgatado e bastante valorizado em meio à imprevisibilidade de fechamentos de fronteiras. É uma oportunidade de não deixar de viajar em tempos de incerteza, com riscos menores de planejamento e investimentos emocional e financeiro”, explica Bianca Dramali, professora de pesquisa e comportamento do consumidor da ESPM Rio.

Por causa do fenômeno anywhere office (escritório em qualquer lugar, em tradução livre), acredita-se que as viagens para o interior do País seguirão em alta nos próximos anos. “As pessoas entenderam o valor das pequenas pausas. A tendência do glamping, uma espécie de camping de luxo, que veio da Europa, caiu como uma luva diante dessa maior valorização da conexão com a natureza, do conforto e do bem-estar”, destaca a especialista. “É uma boa oportunidade até mesmo para as agências de turismo.”

Rancho Punta Blanca e Amantikir oferecem acomodações em diferentes estruturas na Serra da Mantiqueira, próximo ao município de Gonçalves, no Sul de Minas Gerais. Foto: Santiago Roig Albuquerque

De acordo com Sérgio Schneider, professor de Sociologia do Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a insatisfação das pessoas com os grandes centros urbanos, por aspectos como violência, barulho, poluição e estresse, tem motivado essas ‘escapadas’ e o surgimento de novos negócios de turismo no campo.

Há também um fator individual de maior consciência e compromisso com as questões ambientais e a sustentabilidade, por isso uma maior valorização da natureza. Sem contar que a pandemia trouxe à tona uma nova visão sobre a saúde pessoal e o consumo de produtos que reforçam a biodiversidade.

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“O indivíduo está mais reflexivo e prefere gastar seu dinheiro com quem está fazendo bem para o mundo. É um novo perfil de consumidor mais ético e responsável. Além do glamping, há outras oportunidades de negócios nos setores de gastronomia, ecoturismo e saúde, como tratamentos de beleza e fitoterápicos, o que tem contribuído para uma maior valorização do campo”, afirma o sociólogo.

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