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Carne vegetal: cliente ‘sustentável’ puxa mercado de proteína de planta

Negócios de carne plant based crescem com alta de consumidor ‘flexitariano’, engajado, que reduz proteína animal preocupado com ambiente e saúde; marcas decolam na pandemia

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Foto do author Juliana Pio

Quando se fala em almoço de Páscoa logo vem à mente os tradicionais pratos com bacalhau. Mas neste ano, na casa da empresária Fernanda Favale, a iguaria perdeu o protagonismo para dividir espaço à mesa com os peixes vegetais - feitos à base de plantas, sem qualquer vestígio de peixe. A novidade veio para agradar a filha, Isabella, de 16 anos, que se tornou a única vegetariana da família.

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“Foi uma surpresa quando ela comunicou a decisão. Ocorreu logo depois do câncer da minha sogra, há dois anos. Por questão de praticidade, durante a pandemia comecei a comprar opções congeladas de carne vegetal e minha filha gostou. Hoje, consome de duas a três vezes por semana”, conta Fernanda.

Muitos brasileiros como Isabella interromperam ou reduziram o consumo de carnes de origem animal nos últimos anos - e as mulheres e os mais jovens encabeçam esse movimento. Pesquisa realizada em 2020 pelo Ibope e coordenada pelo The Good Food Institute (GFI) aponta que 50% dos entrevistados afirmaram ter reduzido o consumo de carne de origem animal em 12 meses - em 2018, eram 29%. Entre as mulheres, o índice vai a 54%; os mais jovens são 52% do total.

Preocupados com a saúde e o ambiente, esses consumidores têm ganhado força no mercado além dos já conhecidos vegetarianos e veganos. São os flexitarianos, pessoas que escolhem reduzir o consumo de produtos de origem animal sem parar completamente.

Os flexitarianos são o principal público-alvo das foodtechs (startups de alimentação) focadas em soluções alimentares plant-based (produtos à base de plantas) e que vêm aproveitando as oportunidades de negócios com a mudança de comportamento do público. O movimento é novo e crescente. Começou por volta de 2019, com o lançamento do hambúrguer da Fazenda Futuro, e foi seguido por marcas como NotCo, Impossible Foods e Veggies, além de gigantes, como Seara.

Bruno Fonseca na nova fábrica da New Butchers, na zona oeste de São Paulo; localpassa a operar em junho e deve aumentar capacidade de produção de 7 para 80 toneladas/mês. Foto: Felipe Rau/Estadão

No caso da The New Butchers, fundada há pouco mais de um ano em São Paulo, o faturamento cresceu 300% no primeiro trimestre de 2021, em comparação com 2020. A startup, que tem como diferencial a proteína de ervilha, está finalizando as obras de uma nova fábrica na Lapa, na Zona Oeste de São Paulo. 

O espaço, que é seis vezes maior que a primeira unidade (de 300 metros quadrados passou para 2.000 metros quadrados), deve começar a operar em junho, a princípio com 29 funcionários e prevê um aumento da capacidade de produção de 7 para 80 toneladas de carne vegetal por mês.

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“A nova fábrica abre uma grande possibilidade de inovar com mais velocidade. Nossa missão principal é replicar carnes”, avalia Bruno Fonseca, CEO e fundador da The New Butchers, que promete lançamentos no próximo semestre.

Pioneira no Brasil a experimentar uma imitação de frango, a empresa divulgou dois novos produtos no último mês: a bacalhoada e o bolinho de bacalhau, feitos com carne de jaca que recria a textura das fibras do peixe. O portfólio também conta com carnes vegetais nos sabores bovino e peixe análogo ao salmão. 

Além do aumento das vendas durante a pandemia, a The New Butchers recebeu novo aporte em 2021, de valor não revelado, da Lever VC, mesmos investidores que apostaram nas colegas vegetais Beyond Meat e Impossible Foods. Outros investidores também estão de olho no setor.

O fundo americano vai acelerar a internacionalização da marca, que já está presente em grandes varejos, principalmente, das regiões Sul e Sudeste. As negociações no exterior estão mais avançadas na América Latina, Europa e Ásia.

Lançamentos da New Butchers incluempeixe feito com proteína vegetal: bacalhau em lascas e bolinho de bacalhau; carne de jaca ajuda a recriar textura. Foto: Lila Batista

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“Tivemos um lançamento acelerado em 2019 e continuamos com uma curva de crescimento intenso alinhada ao consumidor, que aumentou a procura por esse tipo de alimento, tem mais acesso à informação e está aberto a experimentar novos produtos. Com a pandemia, a população ficou muito mais consciente de como o nosso consumo afeta o planeta.”

Mercado promissor de plant based

O comportamento dos flexitarianos já reflete diretamente no mercado. Estudo da Euromonitor International realizado no ano passado mostrou que o Brasil é o 16º maior mercado do mundo na categoria de substitutos de carne, movimentando US$ 82,8 milhões em 2020, um crescimento de 69,6% em relação a 2015.

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Raquel Casselli, gerente de engajamento corporativo do GFI Brasil, explica que o País sempre teve um mercado de substitutos vegetais de carne. Mas os análogos, que buscam imitar o alimento animal, iniciaram as atividades há pouco tempo, em abril de 2019, a partir do lançamento do hambúrguer da Fazenda Futuro. “Nos últimos dois anos, observamos muitos players entrando no mercado brasileiro e produtos variados sendo lançados, como nuggets, pratos prontos, quibes, linguiças, frango desfiado, carne moída e almôndega. A aceitação do consumidor tem sido bastante interessante”.

Segundo ela, já existem mais de 30 marcas (entre análogas e vegetais) com distribuição regional, além de grandes frigoríficos, como a JBS. Mas ainda é difícil quantificar produtores de carne vegetal em nível estadual, podendo ser um número bem maior. 

A família por trás da Venne Vegan:Laura Bonetti (a filha, no chão), Valéria Zamaro e Claudio Bonetti. Foto: Laura Bonetti

“Temos visto pequenas e grandes empresas inovando, entendendo o potencial desse mercado e trabalhando fortemente para entregar cada vez mais o que as pessoas gostam.”

Esse é o caso da Venne Vegan, que mesmo com estrutura e capacidade menor se comparada à The New Butchers viu suas vendas, principalmente de carnes vegetais, aumentarem no último ano. Mais de 70% do público atendido é flexitariano. 

A empresa nasceu em 2016, a partir de uma mercearia familiar em Belo Horizonte e quatro meses depois se transformou no primeiro açougue vegano de Minas Gerais. As carnes vegetais produzidas no local pela paulista Laura Bonetti, na época com 23 anos, e sua mãe, Valéria Zamaro, chamaram a atenção de grandes de redes de varejo da capital mineira, como os supermercados Verdemar e Supernosso. Em questão de um ano, a cozinha industrial de 4 metros quadrados se transformou em uma fábrica com cerca de 400 metros quadrados.

“Estudava Direito na época. Minha mãe era professora aposentada e meu pai, engenheiro. Comecei a fazer as primeiras receitas de embutidos para o Natal da família sem carne animal. Fez tanto sucesso que passamos a vender na mercearia e iniciar um negócio focado em carnes vegetais. O empreendimento cresceu rapidamente e, para atender a demanda, meus pais largaram as profissões e investiram todas as economias, inclusive a casa que tinham em São Paulo no valor de R$ 500 mil, na construção da fábrica”, lembra Laura. 

Carne animal? Não, planta. Bife feito com proteína vegetalda Venne Vegan, que tem fábrica em Minas Gerais. Foto: Laura Bonetti

Com produção atual de 1 tonelada por mês e faturamento em torno de R$ 900 mil por ano, a Venne Vegan conta com 14 funcionários e um extenso catálogo. Só de carnes vegetais, fabricam linguiças, salsichas, rosbifes, hambúrgueres, frango desfiado, bife, churrasco e carne moída. Para agradar diferentes paladares, há também uma diversidade de proteínas, como grão-de-bico, feijão, lentilha e soja.

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A empresa recebeu em 2020 um aporte de cerca de R$ 350 mil de uma sócia-investidora. O recurso foi usado para a ampliar a fábrica. “Hoje, estamos presentes em muitos pequenos pontos comerciais em Belo Horizonte, no interior de Minas Gerais e na cidade de São Paulo, que nos garantem retorno superior às redes de supermercados”, revela Laura. A próxima meta é chegar às grandes redes da capital paulista.

Questionada se valeu a pena trocar a carreira de advogada por empreendedora, Laura é taxativa: “Demais! Não era só um sonho dos meus pais, era meu também. O veganismo é algo que vivo diariamente e estar num lugar em que os princípios estão alinhados aos meus, por mais obstáculos que existam, vale a pena estar lá todos os dias, trabalhando com amor e carinho no que a gente acredita.”

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