Na esteira do crescimento do mercado de cosméticos durante a pandemia está um consumidor criterioso e preocupado com o impacto dos produtos na pele, no meio ambiente e na sociedade. Nessa lógica, a busca pelo clean label, ou rótulo limpo, se intensifica e vai além de uma lista compacta de ingredientes veganos, naturais e fáceis de entender. Em paralelo, a demanda impulsiona negócios do ramo a adotarem novas formulações ou já nascerem sustentáveis.
Pesquisa da Nielsen Brasil, de 2019, identificou que 42% dos brasileiros mudaram hábitos de consumo para reduzir o impacto ambiental, 30% observam mais os ingredientes e 58% descartam marcas que realizam testes em animais. Já um estudo global da Ingredion, fornecedora mundial de ingredientes, mostrou que dois terços dos consumidores que leem os rótulos de itens de cuidados pessoais são mais propensos à satisfação com o produto.
A definição de rótulo limpo, porém, é variada. “A beleza limpa se espalhou muito pelo consumo, mas é um movimento que envolve uma série de atitudes. A pessoa que vai praticar não só compra um produto, mas compra menos e sabe o que tem por trás dele”, diz Marcela Rodrigues, jornalista e consultora em consumo responsável e bem-estar, criadora da plataforma A Naturalíssima. Para ela, o limpo também está relacionado à transparência e ética das empresas.
“Não há uma regulação específica que defina o que é rótulo limpo e rótulo simples. A definição se faz pelas percepções e pesquisas do consumidor, que busca encontrar ingredientes altamente esperados por ele. A regulação que há hoje em dia é sobre produtos orgânicos”, comenta Juliana Lince, líder regional da plataforma Clean & Simple da Ingredion. Algumas certificadoras que atestam esses produtos são o IBD e a EcoCert.
Ela explica que produtos com rótulo limpo são elaborados com ingredientes reconhecidos e aceitos pelos consumidores, não artificiais, sem aditivos e que não geram confusão. Já os rótulos simples incluem as informações do clean label, mas com uso mínimo de ingredientes. Na simplicidade, o consumidor está disposto a ter produtos com vida útil mais curta. Geralmente, são cosméticos naturais, orgânicos e veganos, o que gera oportunidade de negócio.
Transição para o rótulo limpo
Há 20 anos no mercado, a Yes! Cosmetics vem fazendo uma transição de produtos desde 2016. “A Yes começou a olhar para isso de forma diferenciada quando fez pesquisa de mercado e identificou esse nicho de produtos veganos. A marca não tem ‘cara’ de ecológica, sempre teve visual muito colorido e usava muito plástico na linha, então viu oportunidade de mostrar que mesmo com cara jovem podia agregar preocupações com o meio ambiente”, conta Alyne Miranda, gerente de pesquisa e desenvolvimento da empresa.
Além de inserir no catálogo itens veganos e não testados em animais, a marca está trocando as formulações dos produtos anteriores conforme novos lotes são produzidos. Outros pontos de atenção são a rastreabilidade da matéria-prima e o uso de papel proveniente de florestas de manejo sustentável nas embalagens. Há mais de três anos, a Yes também deixou de usar parabenos e triclosan, substâncias que, apesar de liberadas e encontradas em diversos produtos, podem ter potencial alergênico.
“O desafio é trazer tudo isso de forma acessível. A Yes é uma marca acessível para o público C e D, e os substitutos veganos são mais caros. Mas tem de fazer um investimento diferenciado para sair na frente”, comenta. “Dá retorno financeiro, mas é um movimento que vem tentando fazer em todas as frentes, não só como estilo de vida, mas contribuição positiva socialmente.”
Os ingredientes plásticos já deram lugar à matéria-prima biodegradável e a empresa estuda o uso de plástico verde, proveniente da cana-de-açúcar. “No ano passado, os lacres plásticos das maquiagens passaram a ser de papel. Agora, o desafio é para a linha de produtos corporais”, destaca a pesquisadora. Atualmente, dos 160 itens no portfólio da Yes, mais de 93% são veganos, com expectativa de totalizar até o fim do ano.
Essa transição tem educado o consumidor. “Não era solicitado nos pontos de venda ou canais de comunicação, mas de quatro anos para cá, com redes sociais e influenciadores trazendo essas questões, começou a crescer o número de pessoas cobrando isso, perguntando aos vendedores se o produto é vegano ou tem parabeno”, diz Alyne. “Como muita gente viu que foi iniciativa mais nossa do que demanda, tem sido muito bem recebido.”
Maria Cecilia Moraes Antunes, consultora técnica de pesquisa e desenvolvimento para Weleda Brasil, empresa centenária no ramo de cosméticos naturais, diz que toda indústria do ramo se especializou em substâncias com potencial impacto negativo, como silicone, acrílico e plásticos. O desafio da transição é mudar a cadeia produtiva, de fornecimento e a mentalidade. “Tem de fazer revisão na forma de pensar essa cosmética, de trabalhar, como vai escolher ativos e conservar formulação. Exige capacitação técnica, estudo e buscar fornecedores com a mesma intenção.”
Sustentabilidade como base
O rótulo limpo é discussão antiga no ramo de alimentação e vem ganhando força nos cosméticos aos poucos. “Quando se fala de cuidado pessoal, o consumidor está cada vez mais consciente com o tema da sustentabilidade do planeta, que acaba complementando questões do natural e orgânico”, diz Renata Lima, diretora de negócios health personal care e novos negócios da Ingredion.
Uma forte tendência que ela observa são dos produtos feitos com menos ou zero água, a exemplo dos oferecidos pela The Green Concept, pequeno negócio criado por Luizi Sotério. O catálogo inclui xampu e condicionador em barra, que utiliza menos água do que os convencionais líquidos. A marca nasceu de uma inquietação da empreendedora, que buscava reduzir a quantidade de lixo e ter mais contato com a natureza.
“Comecei a pesquisar, me interessei pelos cosméticos e fiz meus próprios produtos vendo vídeos na internet. Fiz curso de saboaria e conheci os sólidos. Em janeiro de 2020, o e-commerce foi lançado”, conta Luizi, cuja formação em ciências socioambientais agrega à produção mais limpa. No primeiro ano de empresa, tudo era feito artesanalmente por ela e mais uma pessoa, mesmo a legislação brasileira não permitindo. Mas a limitação financeira impedia a regularização. Atualmente, todos os produtos são aprovados pela Anvisa e feitos por três laboratórios parceiros.
A The Green Concept usa componentes naturais, como argilas, alecrim e glicerina vegetal. “Quando tem fórmula mais limpa, tem menos ingredientes e fica mais fácil entender o rótulo. Alguns vem com nome em inglês ou científico”, comenta. Isso ocorre porque os produtos seguem a Nomenclatura Internacional de Ingredientes de Cosméticos e podem apresentar os nomes científicos, em latim ou inglês para serem mundialmente reconhecidos. No ano passado, a Anvisa emitiu nota técnica que orienta a descrição em português dos ingredientes de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes.
Na hora de começar uma empresa já com esse perfil de sustentabilidade, Luizi aconselha fazer um estudo das matérias-primas, certificando-se da origem para não comunicar algo errado ao público. “Às vezes, um produto é vegano, mas tem petrolato, óleo mineral e sintéticos ruins”, diz. Pela experiência, ela também acredita que começar com uma linha reduzida de itens pode facilitar o registro da empresa e dos cosméticos junto aos órgãos reguladores.
Maria Cecilia, da Weleda Brasil, diz que ter apoio de uma certificadora é fundamental para entender com quais fornecedores trabalhar. “Além disso, buscar e observar o que as empresas com essa postura estão fazendo, como trabalham, se posicionam e formulam. E ter paciência para buscar o ingrediente certo. Se o primeiro fornecedor não entregar tudo, persistir e encontrar outro”, orienta.
Educar o público
A consultora Marcela Rodrigues afirma que uma das fraquezas do movimento beleza limpa é a acessibilidade à informação. Pensando nisso, ela se uniu a outras duas pessoas para lançar a Limpp, ferramenta que facilita o entendimento dos ingredientes cosméticos. “A Limpp nasceu com papel de democratizar e traduzir informação científica de forma didática, gratuita, que pode somar com esse movimento do rótulo da cosmetologia”, define.
Amanda Colmenero, administradora especialista em comportamento de consumo e cofundadora da plataforma, explica que um farmacêutico parceiro busca qual classificação os principais órgãos regulatórios do mundo dão às substâncias. Entidades como CIR e FDA dos Estados Unidos, Cosing da União Europeia, PubChem e Anvisa são consultadas. “A partir disso, entendemos o potencial de risco e se, por exemplo, o metilparabeno ou outro ingrediente for classificado com algum risco, a gente considera na plataforma”, diz.
O risco eventual é separado em três áreas. “Na saúde, olhou impactos como potencial carcinogênico (que é a capacidade de provocar ou estimular o aparecimento de câncer), se é um possível disruptor endócrino (que imita ou bloqueia a atividade de um hormônio), se é tóxico para reprodução e para o feto. No meio ambiente, considerou a poluição das águas e do ar, o quanto a substância é biodegradável e quanto tempo demora para se degradar na natureza. E a gente sabe que não é porque uma substância é comumente alergênica que vai dar alergia em todo mundo, mas pegamos aquelas que são mais comuns e frequentes de darem alergia no maior número de pessoas”, explica.
Quer debater assuntos de Carreira e Empreendedorismo? Entre para o nosso grupo no Telegram pelo link ou digite @gruposuacarreira na barra de pesquisa do aplicativo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.