Com um 2020 já saturado, os brasileiros estavam na esperança de que bastaria acabar o ano para um novo ciclo, melhor, começar. Já no dia 17 de janeiro de 2021, a Anvisa aprovou o uso emergencial de duas vacinas contra o novo coronavírus - e o desejo de uma vida mais normal pulsava cada vez mais forte. Seria um recomeço, com máscaras e álcool em gel ainda, mas um bom recomeço. Tudo parecia ir bem até o governo paulista decretar fase vermelha, a mais restrita, em todo o Estado devido ao aumento de infecções, mortes e hospitais chegando ao limite.
A partir deste sábado, 6, até 19 de março, pelo menos, apenas serviços e estabelecimentos considerados essenciais poderão funcionar. Entre eles: hospitais, clínicas, supermercados, postos de combustíveis, setores de segurança, comunicação e educação (veja mais detalhes). Restaurantes e similares poderão operar apenas com delivery, retirada no local ou drive-thru.
Com o fechamento de comércios e serviços não essenciais, os empreendedores revivem os medos e as preocupações do ano passado. Fluxo de caixa comprometido, mais adaptações a negócios digitais, falta de dinheiro para manter o empreendimento de pé são parte do repertório de problemas. Vem sempre a insegurança com o amanhã. Diante das incertezas, seria possível fazer planos? Como se planejar em momentos de crise quando isso parece impossível?
O Estadão PME colheu dicas de especialistas que responderam a essa difícil pergunta. Atuantes em diferentes setores, eles reforçam que, ao menos em situações menos drásticas, se antecipar a momentos de crise é um dos passos mais importantes. Outras indicações são focar na mudança de comportamento e desejo do cliente, produzir conteúdos e serviços de relevância para o consumidor, ter uma reserva de caixa, ficar atento a oportunidades e investir em setores que estão em alta.
Aposte no digital
Para quem estava pensando em começar a investir em um negócio, o empresário José Carlos Semenzato orienta olhar para os setores que se tornaram mais atrativos ao longo da pandemia. "Os negócios online vêm em primeiro lugar, não há sombra de dúvidas, e citaria como oportunidade o delivery. É preciso também ter uma forma de revisar constantemente os caminhos, de acordo com o que o momento atual permite. Setores essenciais, como de saúde, são grandes oportunidades para quem quer retomar a vida na pandemia", afirma.
Dono da holding SMZTO, que detém diversas marcas de franquias, ele faz a recomendação pessoal de investir no setor, uma vez que há um pouco mais de segurança devido à consolidação da marca. "Com o advento da pandemia, o setor não só se destacou, mas cresceu." Ele também ressalta que "o mundo digital veio para ficar" e a pandemia "acelerou esse modelo".
Quem fala sobre esse universo é Raquel Abrantes, coordenadora de mercado do Sebrae Rio. Ela orienta como melhorar a presença da empresa no digital, o que pode impactar positivamente também nas vendas. "Quando a pandemia atingiu o Brasil, as empresas passaram por uma transformação digital. Muitas não estavam adaptadas a essa realidade e tiveram de criar mecanismos urgentes. Para 2021, é uma tendência que vai permanecer e ela veio muito acoplada à tendência de conteúdo, de humanização, de aproximação com o cliente e bom atendimento", diz.
"Quando falo de transformação digital e conteúdo, significa que não posso deixar que o meu cliente não me conheça. Preciso ter boa produção de conteúdos, humanizado com meu público-alvo, fazendo uma boa interação, monitorar tudo isso, saber se o que estou criando está sendo legal e otimizar as estratégias. Depois, se tudo der certo, ver possibilidade de investimentos para criar um anúncio mais interessante, alguma coisa que realmente possa favorecer meu cliente e a empresa", comenta. "Todos esses pilares para alcançar melhores resultados."
Organize as contas e o negócio
A investidora Camila Farani reconhece que a pandemia trouxe lições dolorosas, mas também valiosas para os empreendedores. "Uma delas é a necessidade de ser ágil o suficiente para conseguir adaptar, flexibilizar ou modificar suas operações para atender a novas realidades", explica. Ela destaca que, para todas as situações, é importante manter uma reserva de caixa para os negócios, já antevendo situações. "Obviamente, não falo no caso de uma pandemia mundial, mas certamente empresas que conseguiram manter uma reserva de caixa se beneficiaram."
Marcelo Moraes, fundador da MEI Fácil e diretor da área de pessoa jurídica da fintech Neon, lista alguns pontos importantes para o pequeno empreendedor. "A primeira coisa muito importante é ter as finanças organizadas, saber o que gasta e o que ganha. Num período de mais imprevisibilidade, ter um controle, sabendo o que é possível gastar, no que é possível investir e o que se ganha ajuda muito a saber qual vai ser o impacto no lucro se, por exemplo, as vendas caíram 20%", orienta.
Paralelo a isso, ele recomenda separar as contas de pessoa física da pessoa jurídica. "Ter uma conta PJ de banco pode ajudar o pequeno empreendedor, o MEI, a ter essa separação." Moraes lembra que é preciso ficar atento às mudanças promovidas pelos governos para ajudar o empreendedor a atravessar a crise, como alteração de prazo para pagamento de impostos e linhas de crédito especiais.
O advogado Fernando Pompeu Luccas, presidente da Comissão de Estudos em Falência e Recuperação Judicial da OAB Campinas, reconhece que, dentro da área em que atua, fica mais difícil ajudar quem não se precaveu. "Mas a ideia é tentar olhar para a operação, ver oportunidades. Empresas não podem ter 'torneira pingando'. Uma empresa bem organizada e eficiente tem equipe de alta performance, bem treinada, bem avaliada. O desafio do empresário é fazer com que todos fiquem parecidos no trabalho no topo, pois isso melhora a eficiência da empresa", diz.
Para isso, ele orienta avaliar o corte de custos que não influenciam na qualidade do serviço ou produto, remodelar departamentos que podem melhorar a eficiência de vendas e, na parte de provisão, fazer o que for possível para reinventar a operação. Nesse sentido, o fundador da Chilli Beans, Caito Maia, aconselha que o empreendedor coloque energia apenas naquilo que está ao alcance dele. Para ele, não adianta desprender esforços em coisas externas que não vão mudar o seu negócio.
"Outra coisa é ficar atento às oportunidades, mas não para a oportunidade de fechar, e sim de oportunidade para o negócio. É ficar atento também com a mudança de perfil do consumidor."
Foque no cliente
Camila volta o olhar para o cliente, que segue consumindo, mas de uma forma diferente. "Os empreendedores precisam observar neste momento o que mudou no hábito do seu cliente. Na fase pós-pandemia, certos hábitos mudaram e ajustes precisarão ser feitos em boa parte das operações: nos modelos de entrega, interação em tempo real com os clientes. Tende a ter melhores resultados quem se adaptar melhor a essas mudanças."
Moraes indica aproveitar todas as oportunidades possíveis para não perder vendas. "Isso passa por oferecer as mais diversas formas de pagamento ao cliente, como maquininha de cartão, Pix, cobrar pela internet. Isso facilita o cliente a pagar e o MEI a não perder vendas." Também é importante estar sempre junto ao consumidor, ouvindo-o, com abordagens mais ativas. Assim como no pagamento, oferecer opções variadas de entrega é outra recomendação, sempre seguindo os protocolos de higiene e segurança.
Reinvenção constante e rápida
O fundador do MEI Fácil considera que ser criativo é uma das habilidades mais importantes nesse momento. "A gente viu durante a pandemia uma queda na renda dos MEIs, mas viu que metade deles encontraram formas alternativas de gerar renda, seja vendendo de novas formas ou fazendo atividades econômicas diferentes", diz.
Para o empresário João Appolinário, "a pessoa não deve estar preparada para a crise, mas aberta e preparada para o novo". Segundo ele, pensar de forma criativa e inovadora é fundamental para quando se precisa mudar o que está fazendo. "Não ficar abraço naquilo que é tradicional." O dono da Polishop aposta na máxima de que "planejamento é a reinvenção constante" e que agir rápido faz toda a diferença. "O empreendedor não pode ser apaixonado pelo modelo de negócio, mas por empreender."
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