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Marcas usam clientes como influenciadores nas redes sociais em troca de pequenos cachês ou brindes

Empresas buscam usuários comuns para divulgar seus produtos; é mais barato para as marcas, e consumidores aproveitam para tentar a fama

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Foto do author Adele Robichez
Atualização:

Marcas brasileiras têm apostado em usuários comuns no lugar de influenciadores nas redes sociais. É o caso da Chilli Beans, empresa de óculos, e da Caffeine Army, fabricante do energizante SuperCoffee. Ambas as marcas lançaram campanhas recentes com o objetivo de selecionar consumidores “reais” para estrelar as suas publicidades.

A estratégia, chamada de User Generated Content (UGC), visa aproximar o público da marca para aumentar as vendas. Segundo um estudo da Nielsen, 92% dos consumidores confiam mais em recomendações pessoais do que em publicidade. Além disso, é um método mais barato e eficaz de aumentar as vendas: os criadores recebem pequenas quantias de dinheiro ou produtos em troca do conteúdo produzido.

Chilli Beans

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Entre os meses de abril e maio, a Chilli Beans contratou 20 pequenos criadores de conteúdo para participar de uma ação de marketing. Segundo a empresa, a estratégia referente às quatro semanas de liquidação renderam um aumento de faturamento de 15% em relação ao mesmo período de liquidações em 2023.

A ideia começou com uma ação interna, no ano passado. Pensando em facilitar a geração de conteúdo para as suas 896 contas oficiais nas redes sociais, geridas pelas filiais da marca, ela lançou o “Chilli Creators”, uma oficina de criação de conteúdo online voltada para os próprios funcionários.

“Temos uma geração de vendedores muito novos, criativos, ‘heavy users’ de redes sociais”, explica Caio Pamphilo, head de Marketing da Chilli Beans. Com os conteúdos que surgiram a partir da oficina, o engajamento geral nas redes sociais da marca aumentou 150% no ano.

“Fazíamos megaproduções de campanhas, com conceitos gigantescos, aí vinha o conteúdo espontâneo do vendedor, e era este que explodia”, brinca Pamphilo.

A partir disso, e da percepção de que o consumo dos conteúdos online mudou com o TikTok, com vídeos que representam mais a vida real do que fotos posadas no Instagram, ele teve a ideia de expandir o projeto para os consumidores.

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“Queríamos fazer ofertas diferentes por semana, então tínhamos pouco tempo e muita coisa para contar. Precisávamos do sentimento de confiança do público, uma comunicação leve, clara e objetiva. Daí surgiu a ideia do UGC”, conta o profissional.

A marca selecionou os usuários por meio da plataforma “Seu Influencer”, especializada neste tipo de publicidade. Ela disponibiliza um portfólio de criadores de conteúdo na internet, e a marca contratante faz a curadoria, a partir de critérios próprios.

Para a seleção, a Chilli Beans, usou como critérios a “clareza na fala” e a “relação com a marca”. “Analisamos os materiais que essas pessoas produziram para as suas próprias redes sociais para entender quais perfis conseguem se conectar melhor com o consumidor. Também fizemos um cruzamento com os nossos dados para saber se ele é um consumidor ou potencial consumidor da Chilli Beans”, diz Pamphilo.

Das 450 pessoas que se inscreveram na plataforma, 20 pessoas foram selecionadas, e o conteúdo gravado por 18 delas foi usado. As duas rejeições ocorreram porque os criadores em questão “não entregaram a mensagem que a marca esperava”, revela o head de marketing.

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Cada um dos participantes recebeu um cachê de R$ 200 pela ação. “Por um lado, é um ótimo custo-benefício para a marca e, por outro, contribuímos com o sonho dessas pessoas dese tornarem influenciadoras”, pontua.

De acordo com ele, diferentemente de influenciadores, que estão muito atentos às métricas e engajamento, as pessoas anônimas conseguem criar um conteúdo mais “genuíno” aos olhos dos telespectadores.

“Sempre temos surpresas. Eles incrementam o conteúdo com coisas que nós, do marketing, nem sequer pensamos. Às vezes, descobrem coisas fora do briefing e citam empolgados, por exemplo, a experiência de ter recebido café na loja, a cor diferente da lente dos óculos”, conta.

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As pessoas contratadas dentro desta estratégia têm uma mensagem principal para passar para o público, mas, segundo Pamphilo, “o controle é muito menor e a liberdade de criação, maior”.

O criador fica responsável por toda a produção do vídeo, desde a captação, equipamentos e edição – geralmente, usam o próprio celular e gravam como se estivessem em uma chamada de vídeo com amigos.

Os materiais finais aprovados são publicados tanto nas páginas da Chilli Beans, quanto nos perfis dos criadores.

Com o bom resultado, Caio Pamphilo diz que pretende continuar apostando na estratégia, com ressalvas. “Não podemos abusar, se não nos transformaremos em uma rede de pessoas anônimas, o que não faz sentido. Queremos continuar com os influenciadores também, mas sempre de olho nos portfólios desses pequenos criadores para ver onde eles se encaixam. Para a liquidação, funcionou muito”, avalia.

Caffeine Army

A Caffeine Army lançou em abril a campanha “Caça Creator”, com o objetivo de encontrar novos produtores de conteúdo online para as suas publicidades.

“Há pessoas que estão no digital fazendo um excelente trabalho publicitário, responsável, com roteiros bem estruturados, mas não são vistas pelas marcas por não terem tantos seguidores”, observa Marcela Barbosa, coordenadora de parcerias estratégicas e eventos da marca.

Barbosa explica que a Caffeine Army cresceu muito durante a pandemia. Por isso, o marketing da marca foi adaptado para uma realidade 100% virtual e conta com uma grande base de influenciadores maiores. Acompanhando de perto o mercado internacional, percebeu o UGC como uma tendência ainda pouco explorada.

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Assim, surgiu a “Caça Creator”, uma campanha para a busca de novos produtores de conteúdo. Para participar, as pessoas interessadas deveriam enviar um vídeo com um desafio: apresentar o principal produto comercializado pela marca, o SuperCoffe.

As gravações, com algumas diretrizes relacionadas à explicação do produto, mas com liberdade de produção, foram publicadas nos próprios perfis dos participantes.

De acordo com Barbosa, cerca de 14 mil criadores de conteúdo se inscreveram, dos quais 120 foram selecionados. O principal critério de seleção foi a “autenticidade” na demonstração dos atributos do produto, diz. Ela afirma que todos os materiais foram assistidos pela equipe, que fez uma espécie de “força-tarefa” para a ação.

As 120 pessoas selecionadas agora fazem parte da base de parceiros da marca, e serão chamadas para apoiar a criação de novas publicidades. “Foi o número que entendemos ser possível de gerir, fazer ativações e incluir nos eventos, mas a ideia é que essa base cresça”, revela.

Os criadores receberão produtos da marca, além de ter acesso aos eventos e a novidades em primeira mão. No futuro, alguns deles poderão receber uma comissão de vendas, a ser definida, diz Barbosa.

Usar pessoas comuns dá autenticidade, diz especialista

Para Maurício Felício, professor de comunicação e publicidade da ESPM e head de mídia da Energy BBDO, a estratégia de User Generated Content (UGC) tem relação com a construção da legitimidade da uma marca, muito buscada dentro de um mercado fortemente competitivo.

“Por muito tempo, o marketing atuou no mercado com celebridades que vendiam o que não usavam. Mas, com o fortalecimento das redes sociais, isso ficou mais difícil porque passamos a acompanhar mais de perto a vida privada dessas pessoas”, explica.

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De acordo com Felício, quando a mensagem de uma marca é passada por meio de uma pessoa comum, tem mais potencial de ser vista como verdadeira. “Ela não tem tantos seguidores, mas tem a confiança dos que a acompanham. São pessoas que realmente a conhecem, e isso gera proximidade”, diz.

Para as pequenas empresas, é uma oportunidade de divulgar a marca e os produtos sem desembolsar muito dinheiro; para as médias, uma maneira de atingir mais públicos de forma mais barata; para as grandes, de gerar a percepção de autenticidade na publicidade.

A demanda por conteúdos do tipo cresceu com o TikTok. Se antes, as redes sociais priorizavam aspectos técnicos como qualidade da imagem, hoje elas alavancam o alcance das publicações avaliando a qualidade do conteúdo, pela análise do engajamento. “O boca a boca existe desde sempre, as redes sociais o potencializaram, e o TikTok privilegiou isso com o seu algoritmo”, afirma Felício.

Geralmente, os conteúdos feitos por esses pequenos criadores de conteúdo mostram a experiência da loja ou de algum produto da marca, com comentários opinativos, em tom de conversa. Não há muitos cortes e edições, a imagem e o som são capturados de forma amadora pelo aparelho pessoal. Para o professor, as marcas devem manter essas características ao contratá-los.

“Como estamos falando de pessoas comuns, a produção desses materiais precisa acompanhar a expectativa que temos sobre essas pessoas. Se ela tem um conteúdo superproduzido, cria-se algum ruído, não passa verdade. Tem que ter uma estética mais caseira, do dia a dia; a hiperprodução faz parecer que é um negócio, justamente a camada que as marcas querem evitar ao contratar esse tipo de conteúdo.”

Apesar dos benefícios, Felício destaca a importância de balancear o uso do UGC. De acordo com ele, marcas conhecidas precisam manter a credibilidade e reputação, investindo ainda em celebridades e grandes influenciadores, além da mídia tradicional. O professor acredita que, ao deixar de fazer conteúdos que dialogam com a publicidade tradicional, a marca pode passar um sinal de fraqueza.

“Quando usa o UGC, a marca ganha o atributo necessário da autenticidade, mas quando usa apenas isso pode soar para o público como um subterfúgio, uma necessidade financeira, e dar a impressão de que enfraqueceu”, pontua.

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Como todas as outras estratégias de comunicação, o UGC tem um momento correto para ser utilizado, ressalta Felício. Em um momento de crise de credibilidade, por exemplo, a empresa precisa demonstrar solidez e transparência. Para um grande lançamento ou campanhas que precisam ser rapidamente alavancadas, grandes influenciadores ou estratégias mais complexas precisam ser adotadas.

“Nesses casos, não adianta pulverizar a mensagem entre vários públicos”, indica. Os pequenos criadores são apostas melhores para mercados que buscam regionalizações ou nichos específicos, acredita o professor de publicidade da ESPM.

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