Cosméticos veganos e ‘cruelty free’ ditam tendência no mercado da beleza

Empresas de cosméticos levantam bandeira de cuidados com animais para atrair consumidor; mercado internacional do nicho deve atingir US$ 20,8 bi até 2025

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Foto do author Juliana Pio

Até poucos anos atrás não era uma tarefa fácil encontrar cosméticos veganos no mercado. Hoje, com maior acesso às tecnologias e com o aumento de consumidores engajados e preocupados com a sustentabilidade, há uma variedade de marcas e produtos disponíveis, impulsionados pela alta do e-commerce, muitos deles, inclusive, estampados por rostos de celebridades.

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É o caso da Vegan Repair, lançamento da Cadiveu Essentials em parceria com a cantora Anitta, que não só estrela a campanha como também é cocriadora dos cinco produtos: xampu, condicionador, leave in, máscara e beach waves. “Além de não utilizarmos matéria-prima animal, não há crueldade nos testes”, explica Anitta por e-mail ao Estadão.

A Vegan Repair é uma linha de tratamento para os cabelos de conceito cruelty free (não testada em animais) e clean beauty (beleza limpa), 97% feita com ingredientes naturais. Ou seja, todos os produtos são livres de silicone, parabenos, corantes, óleos minerais e ftalatos, substâncias consideradas tóxicas ao corpo humano. As embalagens são 100% recicláveis e foram feitas de frascos de plástico reutilizado.

Anitta é cocriadora da Vegan Repair, linha de cosméticos veganos e cruelty free da Cadiveu Essentials. Foto: Marie Kappel

“Entendo que a vida vegana não é tão acessível para todos. É importante as pessoas entenderem que, quanto mais natural o produto, maior é o bem ao consumidor e ao ecossistema”, destaca Anitta, que ganhou recentemente uma cadeira no conselho de administração do Nubank. “Acredito na causa animal. Quanto mais falarmos disso, colocarmos em pauta, mais acessível se tornará.”

Ações como essa, de divulgação da causa, impulsiona a busca por conhecimento. Em abril, após a viralização do curta-metragem de animação Salve O Ralph, que conta a história de um coelho cobaia de laboratório, a Sociedade Vegetariana Brasileira foi contatada por cerca de 20 marcas com interesse no Selo Vegano, que já existe desde 2013.

Ralph, dublado no Brasil pelo ator Rodrigo Santoro, participa de uma entrevista para um documentário enquanto mostra detalhes de uma rotina bizarra. Produzido pela Humane Society International, o vídeo denuncia a crueldade dos testes em animais e provoca espectadores a repensarem os hábitos de consumo, principalmente, de cosméticos.

Selo vegano em alta

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“A população está ditando o movimento do mercado e, em contrapartida, as empresas estão enxergando que precisam mudar, não só para atender a essa nova demanda como também com a intenção de contribuir para um futuro melhor para o planeta”, destaca Maria Eduarda Lemos, gerente de certificação da Sociedade Vegetariana Brasileira. 

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A quantidade de selos concedidos pela entidade também aumentou nos últimos anos. Entre 2019 e 2020, o número de produtos certificados cresceu 16%, entre alimentos, cosméticos, suplementos alimentares, produtos de limpeza, lavanderia e calçados.

Observando recorte na categoria cosméticos, a tendência é a mesma. Em 2019, foram concedidos 34 selos, em 2020, 38, e neste ano a SVB já avaliou 47 produtos. Dos 2.800 itens com o Selo Vegano no mercado, 189 são cosméticos (veja a lista completa neste link).

“A SVB entende que um produto vegano não demanda sofrimento animal em nenhuma de suas etapas de produção, desde a pesquisa de desenvolvimento até o item final a ser comercializado”, explica Maria Eduarda. Segundo ela, como no Brasil não há legislação a respeito do que é um produto vegano, a interpretação do conceito fica à mercê das empresas, “o que pode gerar confusão entre os consumidores”.

BO Cosméticos chega ao mercado com certificados internacionais vegan e cruelty free da PETA. Foto: Lolla Francy

Para entrar no mercado no último dia 23, a BO Cosméticos, marca de maquiagem 100% brasileira, buscou as certificações internacionais vegana e cruelty free da Peta (Pessoas para o Tratamento Ético de Animais), considerada uma das maiores organizações de direitos dos animais do mundo, com mais de 6,5 milhões de membros e apoiadores. 

A marca foi desenvolvida pela paulista Julia Grave, de 27 anos, após passar por uma crise dermatológica hormonal. “Sofria ao ter que esconder espinhas sabendo que a maquiagem poderia piorar”, conta ela, que já criava cosméticos de forma caseira para os amigos e decidiu empreender. “Desde o primeiro momento, fez muito sentido eliminar qualquer tipo de ingrediente tóxico e que gere dano ao ambiente.”

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Por enquanto, a BO Cosméticos conta com três produtos feitos com ingredientes naturais testados dermatologicamente, oftalmologicamente e para antioxidação: lip tint (pigmento para os lábios), BB cream e máscara para cílios. Estão previstos lançamentos para o e-commerce próprio, marketplaces e lojas de departamento que revendem seus produtos. “As vendas estão aumentando diariamente e alcançaram as espectativas”, destaca Julia. 

O futuro da beleza é vegano

Relatório do instituto de pesquisa Grand View Research de 2019 aponta que o mercado internacional de cosméticos veganos deve atingir US$ 20,8 bilhões até 2025.Com relação aos produtos cruelty free (livre de crueldade animal), a previsão é de alta de 6% entre 2017 e 2023, segundo estudo da Market Research Future. 

O movimento é impulsionado pelas gerações mais jovens, que em boa parte consideram a crueldade contra os animais antiética e impulsionam pesquisas e inovações no setor. As vendas por e-commerce também têm aquecido o mercado, devido à facilidade de seleção e entrega de produtos.

Foi o que observou Nato Lombello ao lançar em abril a ISZI Cosméticos, brasileira, vegana, cruelty free, sustentável e online. “Foi uma questão de filosofia pessoal, mas também de tendência. Os consumidores hoje são muito mais exigentes e preocupados, entendem o conceito, diferentemente de outras gerações que pouco sabiam de onde os produtos vinham”, explica.

ISZI Cosméticos está em negociação com Leste Europeu e Oriente Médio para exportações. Foto: Gabriel de Moura

O CEO viu uma oportunidade no movimento de mulheres levarem o cuidado estético dos salões para dentro de casa na pandemia e criou linhas de tratamento de alta performance para os cabelos. Foram necessários R$ 4 milhões de investimento inicial. 

“As vendas superaram as expectativas. Já contabilizamos 35% de recorrência de compra de produtos para uma marca que está indo para o terceiro mês”, comemora Nato.

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Atualmente, a ISZI conta com mais de 20 produtos e prevê lançamentos para este ano, como a linha para o verão. A empresa também está em negociação com o Leste Europeu e o Oriente Médio para exportações.

“Empreender no Brasil é difícil, existem cargas tributárias altas, mas os cosméticos veganos são muito promissores. Cada vez mais, as pessoas buscam por produtos naturais. Se inicialmente era algo de nicho, hoje é um mercado bem consolidado”, avalia o empresário.

Maria Eduarda Lemos, gerente de certificação da Sociedade Vegetariana Brasileira. Foto: Ana Júlia Lima

Confira 3 perguntas para Maria Eduarda Lemos, gerente de certificação da Sociedade Vegetariana Brasileira

Houve um boom de cosméticos veganos nos últimos anos?

Sim. O padrão de consumo tem mudado muito, não só para alimentação, mas de uma forma geral. As pessoas estão se preocupando cada vez mais com os impactos daquilo que consomem e para onde vai o seu dinheiro. O planeta e tudo o que vem acontecendo falam por si. As pautas de sustentabilidade que estão explodindo têm feito as pessoas enxergarem que precisam mudar os hábitos. 

Aí entram os produtos veganos, sem componentes de origem animal, os quais são buscados não só pela ética da empresa em produzir algo que não agrida o ambiente, mas também por não promoverem sofrimento animal. 

Mais empresas têm procurado o Selo Vegano?

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As pessoas estão ditando o movimento do mercado e em contrapartida as empresas estão enxergando que precisam mudar a sua postura, não só para atender a essa nova demanda, mas para contribuir para um futuro mais sustentável. Com isso, muitas organizações alteraram a sua formulação e buscaram um reconhecimento que evidenciasse essa mudança por meio das certificações.

O Selo Vegano da Sociedade Vegetariana Brasileira foi criado em 2013. Não certificamos serviços ou marcas, e sim produtos. Qualquer empresa pode solicitar o selo, contudo a maioria com as quais trabalhamos hoje não são 100% veganas. 

Entendemos que esse é um movimento que está acontecendo agora e existe um tempo de adaptação, de mudança de uma cultura que sempre foi diferente. A SBV apoia qualquer iniciativa e empresa que se proponha a desenvolver produtos livres de demanda animal no mercado. 

Quais os principais entraves do setor e o que é preciso para torná-lo mais acessível?

Dependendo do local, há bastante oferta de produtos veganos, diferentemente de cidades menores e do interior. Além disso, há a questão da precificação, que ainda é uma grande barreira para produtos sustentáveis de forma geral. Entre cosméticos, quando se trata de higiene pessoal, como sabonete, os preços são mais acessíveis. Mas na categoria embelezamento, a diferença com relação aos não veganos costuma ser superior. 

A questão das tributações também é uma grande dificuldade para as empresas no País, assim como o desenvolvimento de novas metodologias para a substituição de testes em animais tanto por parte do governo quanto por empresas. Há uma série de barreiras regulamentares para colocar um produto no mercado.

De maneira geral, é preciso que as organizações se atentem mais para a questão animal e entendam que as pessoas não querem mais consumir produtos que sejam nocivos ao ambiente. Que busquem novas alternativas, desenvolvam produtos de qualidade, não só em termos de ingredientes, mas sem crueldade, e comecem a criar essa conscientização, dando pequenos passos em direção a uma mudança de cultura

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Depois da viralização do curta-metragem ‘Salve O Ralph’ várias empresas entraram em contato com a SBV. Muitas já com produtos consolidados, mas testados em animais. Leva um tempo até a empresa mudar a sua cultura e padrão para reformular a produção. Ainda assim, foi muito bacana sentir esse movimento tanto de companhias antigas quanto novas procurarem informações e sugestões em relação ao novo consumidor. 

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