Um estudo publicado pelo Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que há uma lacuna de R$166 bilhões entre o crédito demandado pelas MMPEs (conjunto que compreende microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais) e a concessão pelo Banco Central. Segundo a publicação, as 17,3 milhões de pequenas empresas têm demanda potencial anual de cerca de R$514 bilhões de crédito, sendo R$84 bilhões por MEIs, R$266 bilhões por microempresas e R$164 bilhões por EPPs.
A falta de acesso ao crédito não é um problema novo, mas foi potencializado pela pandemia. O estudo explica o que se tornou muito comum para os empreendedores: a perda do financiamento. A limitação estrutural das pequenas empresas faz com que, na maioria das vezes, elas utilizem recursos próprios para investir em capital fixo e, quando ele sobra, investem em capital de giro. Em um contexto de pandemia, as vendas caem e as empresas perdem uma parte importante de financiamento.
Ao lado de fatores já existentes previamente, como o nível de concentração bancária elevado e a dificuldade das pequenas em fornecer garantias, os empreendedores ainda enfrentam diversas barreiras para acessar os programas de crédito, como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Criado durante a pandemia em 2020, ele se tornou permanente esse ano, com empréstimos de R$37 bilhões no ano passado e R$25 bilhões na nova fase em 2021.
Para Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, ainda que a economia tenha dado sinais de recuperação, muitos setores seguem aquém da normalidade, o que afeta as empresas, sobretudo as pequenas.
“Os programas do governo, como o Pronampe, são insuficientes. Ainda que a gente não tenha muitos dados sobre isso, ao que tudo indica, são as maiores empresas dentre as pequenas que são contempladas com ele”, explica.
De acordo com a pesquisa Financiamento dos Pequenos Negócios no Brasil, lançada pelo Sebrae no início deste ano, embora o volume de empréstimo concedido no País tenha subido 35% em 2020, o número total de empresas que obtiveram o recurso cresceu apenas 1%. Segundo dados do Banco Central, o saldo total de crédito para microempresas subiu de R$60 bilhões no fim de 2019 para R$63 bilhões em 2020, mas voltou a cair no primeiro semestre de 2021, atingindo R$53,5 bilhões.
No entanto, ainda que com dificuldades, o acesso ao crédito já tem mostrado resultados na economia brasileira. Dados divulgados pelo Serasa Experian nesta semana mostram que, em agosto, a inadimplência das micro e pequenas empresas teve retração de 0,9% na comparação com o mês anterior. Uma das explicações possíveis para a queda é que ela seja um reflexo do crédito liberado este ano pelo governo para o Pronampe.
Alternativas de acesso ao crédito
Diante das dificuldades dos empreendedores em conseguir crédito com os programas governamentais, a alternativa que se intensificou durante a pandemia foi a busca por ajuda nas startups financeiras, as fintechs. Segundo dados do Distrito Fintech Mining Report 2021 - feito pela plataforma de inovação Distrito - o número de fintechs no Brasil passou a disparar desde 2016, chegando a 1.158 startups este ano. Para atrair mais clientes durante a pandemia, elas ampliaram o limite de crédito, estenderam o prazo de pagamento e estabeleceram uma carência para começar a pagar a dívida.
O coordenador do estudo da FGV explica que as fintechs surgem na lacuna da concentração bancária, uma vez que o sistema financeiro tradicional do Brasil é avançado tecnologicamente, mas ainda conservador na adoção de novos modelos de negócio.
“Nesse momento, o que joga a favor do empreendedor - mas que não é uma solução para todos - é o fato de que a indústria de serviços financeiros passa por transformação enorme a partir da incorporação de novas tecnologias, o que na prática significa que tem entrado muitos novos atores no mercado. Mas isso quer dizer que os problemas vão ser resolvidos? Não”, diz.
Gonzalez explica que o crédito oferecido pelas fintechs é uma opção para diluir a demanda dos empreendedores, mas, ainda, não é o suficiente para solucionar a demanda de R$514 bilhões.
“Com a entrada desses novos atores no mercado, temos dois efeitos. Embora essas instituições sejam pequenas perto dos bancos, elas passam a atender empresas que eram menos atendidas. E o segundo efeito é a própria reação do sistema tradicional que, diante da possibilidade de perder mercado, busca correr atrás do prejuízo, investir e inovar. Diversas forças operam em conjunto, mas se colocarmos todas essas forças no liquidificador, a vitamina que sai ainda é uma com gosto de falta de crédito para pequenas empresas de maneira geral”, explica.
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