Criatividade e novo pacto com cliente guiam grupo de restaurantes

Cia Tradicional de Comércio, dona de 38 endereços de marcas como Bráz, Pirajá e Astor, enfrenta mudança de paradigma causada pela pandemia com inovação dentro do delivery

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Há três meses, 38 bares e restaurantes da Cia Tradicional de Comércio fecharam simultaneamente as portas por conta da pandemia do novo coronavírus. Num susto, o faturamento de casas renomadas como a pizzaria Bráz e os bares Pirajá e Astor foi ao chão. Diante das incertezas do mercado e amparados pela criatividade, que é uma marca do grupo fundado há 25 anos por amigos em São Paulo, os sócios tiraram projetos da gaveta e fizeram muito brainstorm sobre como agir para ir além no delivery.

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Desde o dia em que cerraram todas as portas ao público (em 19 de março) até agora, criaram novidades que surgem como novas operações e podem continuar em paralelo ao atendimento de salão - ainda sem data para acontecer, na expectativa da autorização para a reabertura no fim deste mês.

A pizzaria Bráz desenterrou uma ideia de cinco anos atrás, para entregar ao cliente uma pizza pré-pronta que ele mesmo finaliza com a cobertura desejada e esquenta em casa - a Bráz Veloce (que eles chamam de spin off da marca Bráz). O Astor, a Ici Brasserie e a Bráz Trattoria inauguraram uma espécie de hub, numa cozinha central, tornando possível um pedido múltiplo: drinque de uma casa, prato principal de outra, sobremesa da terceira.

A Ici Brasserie também passou a servir prato família, para 4 pessoas, não apenas individual como no restaurante, afinal as pessoas estão isoladas juntas dentro de suas casas. Já no Astor, pede-se um drinque e os ingredientes vêm porcionados, até com entrega de gelo profissional, para o cliente juntar tudo em seu próprio copo.

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Substitui o volume de mais de 300 mil clientes por mês nos endereços em São Paulo, Rio de Janeiro e Campinas, que consumiam de 5 a 6 toneladas de farinha de trigo por mês? Não. Apesar de a fatia que o delivery representa no faturamento ter mais do que dobrado, ainda assim hoje vai de 25% a 30% do total da empresa - e isso é tudo atualmente.

“Parece um sonho, né? Nunca ninguém pôde imaginar que tivéssemos que fechar todas as casas ao mesmo tempo. Claro que o delivery sozinho não resolve o problema, mas as marcas ficam vivas e você percebe como são queridas pelos clientes”, diz um otimista Edgard Bueno da Costa, sócio-fundador da CiaTC.

Da esq. à dir.,Edgard Bueno da Costa, Benny Novak,Fernando Grinberg,Sergio Bueno de Camargo eMario Gorski, sócios da Cia Tradicional de Comércio, grupo dono de marcas como SubAstor e Câmara Fria. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Edgard, Ricardo Garrido, Fernando Grinberg, Mario Gorski e Sergio Bueno de Camargo deram início ao grupo em 1996, com o bar Original, em Moema, sem ainda prever que se tornariam um símbolo de bom serviço à mesa. Dois anos depois, entrou André Lima, com a abertura da primeira Bráz. Hoje, só da marca Bráz, são nove endereços físicos. Em 2012, entram na sociedade os também amigos Benny Novak e Renato Ades, com a abertura da Ici Brasserie.

Restaurantes comos esses orbitam em torno de previsões desanimadoras na atual pandemia. Em São Paulo, empresários acreditam que cerca de 40% das casas fecharão as portas até o fim do ano, segundo pesquisa da Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), que aponta também em pesquisa de junho que 57,1% dos negócios já tiveram que demitir funcionários na capital paulista.

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O dado nacional da entidade aponta que 1 milhão de trabalhadores (ou 30% do total do País) já ficaram sem emprego desde março no setor de restauração. No Rio de Janeiro, a queda no faturamento nos primeiros cinco meses do ano foi de 31,6% (R$ 1,6 bilhão a menos), comparado ao mesmo período de 2019, segundo pesquisa do SindRio (Sindicato de Bares e Restaurantes).

No caso da Cia Tradicional de Comércio, Edgard conta que também foram feitos ajustes e demissões, num quadro que reúne mais de mil funcionários, como quando enfrentaram outras crises. “Tomamos medidas para emagrecer a operação, infelizmente, dentro dos parâmetros legais. Esperamos poder retomar em breve.”

Para seu sócio Garrido, a volta ao “normal” levará em conta o ritmo dos clientes. “A gente ainda tem três meses de restrição de espaço, porque os clientes estarão com medo. Por outro lado, olhando de maneira positiva para esse momento, é extremamente criativo e desafiador. A gente está vendo restaurantes que não faziam delivery de jeito algum porque a comida deles ‘era muito especial’. E agora?”

Pizza Bráz Veloce, cuja massa já é assada, lançada durante a pandemia. Ocliente monta com ingredientes e esquenta em casa. Foto: Bruno Geraldi

Garrido, que chegou ao Brasil neste mês após quase um ano em Nova York para aprofundar conhecimentos (e por isso não aparece ao lado dos sócios na foto acima, feita em março, às vésperas do isolamento social), acredita que as novidades que nascem durante o atual momento sugerem “um novo pacto com o cliente”.

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Como a pizza Bráz Veloce, cuja massa assada precisa ser aquecida em casa. “O cliente vai precisar ligar o forno, esperar 10 minutos. Mas, como diz Edgard, acabamos de lançar a verdadeira pizza de delivery: ela pode ir a qualquer lugar e a pessoa assa a hora que quiser.”

Atualização e inovação como marca

O tsunami que passa por cima da economia do País também tem empurrado negócios à inovação, desde a pesquisa por embalagem, a adaptação das cozinhas, a criação de opções que não integravam o cardápio original e a comunicação com o cliente. No caso da CiaTC, os sócios avaliam que a tomada rápida de decisões pesou de forma positiva.

A atualização constante é uma marca do grupo, para manter a clientela fiel e atrair uma nova clientela, mais jovem - da idade que eles tinham quando abriram a primeira casa e eram seus próprios clientes. Foi assim que criaram, por exemplo, a marca Bráz Eléttrica (em 2017, hoje com seis unidades), de pizzas individuais, sem garçons e com autosserviço, bem diferente da marca-mãe, Bráz.

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“A geração mais nova mudou radicalmente os valores, tem bolso curto, mas isso não é um problema para eles. Não querem toalha na mesa, querem pizza boa”, conta Edgard.

Drinques do bar Astor, entregues com itens porcionados e gelo profissional, para o cliente finalizar em casa. Foto: Estevam Romera

Ainda assim, o bom atendimento continua sendo parte do DNA que as casas do grupo carregam há anos. Agora, com a pandemia, a interação com o cliente fica diferente, mas a tecnologia ajuda, defende Garrido.

“Dá para complementar o pedido no delivery com um vídeo tutorial (explicando como preparar algo), com uma trilha sonora que você disponibiliza. A gente vai entregar hospitalidade digital, é um novo desafio.”

Para comunicar as mudanças e novidades ao cliente, as 13 marcas do grupo têm atuado nas redes sociais, principalmente no Instagram, e vendem via iFood, Rappi ou Goomer. Duas casas (Bráz e Lanchonete da Cidade) mantêm ainda o delivery próprio, de atendimento por telefone.

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Expansão adiada temporariamente

Até o dia em que São Paulo parou, na semana do dia 20 de março, a Cia Tradicional de Comércio tinha um plano de expansão engatilhado. “A gente tinha alguns projetos na ponta da agulha, praticamente prontos para inaugurar. O Pirajá no shopping Villa Lobos e o Astor na Oscar Freire (Jardins) estavam com obras em estágio avançado e têm grande chance de vingar no futuro”, adianta Edgard.

Além disso, conta ele, também está prevista uma unidade Bráz Trattoria fora de shopping, na Rua dos Pinheiros. A interseção entre Pinheiros e Vila Madalena virou o QG da empresa, inclusive onde fica o escritório, com cerca de 50 funcionários. A Rua dos Pinheiros, mais especificamente, é uma espécie de subdistrito, com Bráz Eléttrica, Pirajá Prainha e a futura Bráz Trattoria.

“Quando eu cheguei (em 2012), eles já tinham uma operação superprofissional. Até hoje eu não entendo 50% do que eles falam. Eles montaram uma empresa, eu montei um restaurante”, compara Benny Novak, chef de cozinha que criou o Ici Bistro ao lado de Renato Ades quase 20 anos atrás.

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Pizza da Bráz Eléttrica, marca criada em 2017 e que possui 5 unidades;discos individuais assados no forno elétrico. Foto: Bruno Geraldi

Isso explica o grupo ter atraído olhos de investidores. Em 2014, eles fizeram uma reorganização societária com a entrada do fundo de investimento 2+Capital, que tem como donos fundadores do grupo O Boticário (e que são minoritários no conselho da CiaTC).

“Quando entra um sócio como esse, todo mundo fala: ‘ah, vai virar industrial’. É uma inverdade. Só nos deu organização para mantermos nosso nível de excelência”, fala Edgard. Jogando para o futuro, ele diz que agora é esperar o poder público definir novas normas para o uso das calçadas e áreas ao ar livre, para repensar a disposição de mesas.

Garrido vê o momento como estimulante. “Para os empreendedores que tiverem resiliência, criatividade e paciência, é hora de romper alguns paradigmas, sair da zona de conforto e se reinventar.”

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