Da depressão à corrida: a história da mãe que superou doença e criou marca de roupa para mulher real

A fisioterapeuta Flávia Palheiros criou a marca Corro pra Descansar, em São Paulo, com peças confortáveis para quem não é atleta

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Foto do author Adele Robichez

A fisioterapeuta Flávia Palheiros, 48, começou a correr em 2013. Lidando com uma depressão na época, o exercício começou como uma recomendação médica e tornou-se um estilo de vida. Ela passou a compartilhar a rotina nas redes sociais e hoje tem uma marca de roupas esportivas voltada para mulheres que, como ela, “não têm o padrão de corpo das corredoras que se vê na internet”.

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Palheiros foi diagnosticada com depressão pós-parto. Associado a isso, ela deixou de atuar como fisioterapeuta para cuidar dos três filhos e da casa, em São Paulo. Carioca, ela não tinha rede de apoio na cidade, inclusive do marido, que na época viajava muito a trabalho.

Procurou tratamento médico e recebeu a recomendação de começar a praticar exercícios físicos para auxiliar na recuperação da doença. “Eu era sedentária, estava 30 quilos acima do peso. Desde a escola, sempre fui a última a ser escolhida para integrar os times, eu sou ruim de bola… Não sabia nem por onde começar, o que eu poderia fazer”, conta.

A fisioterapeuta Flávia Palheiros mostra roupas de sua marca Corro pra Descansar; a proposta é que as mulheres se sintam seguras e tranquilas para correr. Foto: Arquivo pessoal/Flávia Palheiros

A virada de chave foi saber que a sua melhora teria benefícios também para as pessoas ao seu redor. “Eu perdi minha mãe muito cedo, em 2003. Ela era obesa e fumante, faleceu por conta de uma doença autoimune. Na situação em que eu estava, me vi na minha mãe, não queria que isso acontecesse comigo. Queria que meus filhos tivessem uma mãe ao lado, precisava mudar.”

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No início, Palheiros decidiu caminhar. Em pouco tempo, a caminhada virou corrida. As crianças foram crescendo – hoje têm 18, 16 e 6 anos – e ela foi vencendo o medo e a vergonha. “Como eu não me encaixava no padrão de uma corredora, atleta, me via remando contra a maré”, conta.

Em 2016, ela começou a publicar conteúdos sobre essa mudança de vida na sua conta pessoal do Instagram, que hoje tem 128 mil seguidores. “Comecei a enxergar a corrida como uma maneira de cansar o corpo para descansar a mente.”

As suas publicações atraíram outras mulheres que se sentiam da mesma forma e que tinham uma rotina parecida. “Foi chegando muita gente contando sua história, me agradecendo por compartilhar a vida real de uma dona de casa, mãe, que está cuidando de si para o futuro, sem pensar em corpo perfeito, performance e prêmios”.

O seu conteúdo também chamou a atenção de marcas. “Entenderam a importância da minha voz, no mercado crescente de corredores e atletas, para falar de maneira diferente sobre o assunto, pelo viés da saúde mental e do autocuidado.”

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De influenciadora a empreendedora

Após diversas parcerias com empresas de tênis e roupas esportivas, nas quais Palheiros recebia produtos e/ou comissão de vendas em troca de divulgação, ela pensou em criar a própria marca. “Eu já tinha um nome no mercado, com o qual as pessoas se identificavam, as marcas me procuravam e as seguidoras compravam. Enxerguei nisso um negócio”, conta.

A Corro pra Descansar, mesmo nome que leva o seu perfil na rede social, surgiu em 2020, durante a pandemia. No início, a marca surgiu com o nome Fast 4 You, e Palheiros tinha uma amiga como sócia – cada uma investiu R$ 3 mil para começar.

Elas vendiam os artigos para as pessoas da assessoria esportiva da qual faziam parte e, com o coronavírus, fizeram sucesso com a venda de máscaras esportivas. O negócio cresceu e passou a contar com um site para as vendas, que hoje são 100% online.

A mudança da marca aconteceu em 2023, quando a sócia de Palheiros decidiu se dedicar à sua profissão de dentista. “Nesse momento, identifiquei a marca como minha e saí do modelo de multimarcas para produtos personalizados”, explica a carioca.

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A empreendedora investiu cerca de R$ 5 mil com novos produtos, registro do novo nome e mudança da identidade visual, site e processos burocráticos relacionados ao status de microempresa.

Roupas são voltadas para mulheres brasileiras

Quando Flávia Palheiros iniciou na corrida, encontrou dificuldade com as roupas. Com vergonha e medo de se expôr na rua por insegurança com o corpo, teve mais um obstáculo ao lidar com tecidos transparentes, shorts que mostravam a calcinha, machucavam, enrolavam nas coxas e causavam incômodo.

“É muito difícil achar uma roupa adequada para as corredoras brasileiras”, afirma. Ela reuniu as experiências que acumulou como corredora e com os produtos que havia experimentado por meio de parcerias para desenvolver o que ela considera “o modelo ideal para quem quer correr segura e tranquila”.

O short da marca é o carro-chefe, seguido das regatas e camisetas com frases motivacionais e meias para corrida. O preço médio das roupas é de R$ 150. No momento, há vestimentas apenas voltadas para mulheres. A faixa etária das consumidoras é de 30 a 50 anos.

Flávia Palheiros corre com roupas da sua marca de roupas esportivas Corro pra Descansar. Foto: Arquivo pessoal/Flávia Palheiros

Fundadora divulga própria marca

O maior desafio, na visão de Palheiros, além das taxas e impostos do negócio, era o de se destacar em meio a muitas marcas do ramo esportivo.

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O seu trabalho como influenciadora foi uma mão na roda. “Eu já tinha meu público, um nicho específico. Isso me ajuda a nadar em meio a milhões de outras empresas”, diz.

A empreendedora divulga a sua própria marca na conta do Instagram, utilizando especialmente ferramentas como publicações em colaboração (na qual a foto ou vídeo aparece simultaneamente na sua conta pessoal e na da marca) e impulsionadas (o post é pago para a plataforma e distribuído como anúncio para mais pessoas).

Tornar-se influenciadora foi natural, avalia Palheiros. “Eu só contei a minha história. São vivências reais, meus posts falam muito do que acontece no dia a dia de uma corredora, mãe, dona de casa. As pessoas que se identificaram com a situação que eu vivia se sentiram abraçadas, viram que não estão sozinhas.”

“Quando eu entendi que o Corro pra Descansar também poderia ser um negócio, comecei a mostrar, além do dia a dia, os benefícios de comprar os produtos da minha marca, mas sempre misturando para ficar mais natural, sem muita cara de marketing e vendas.”

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Para conciliar o trabalho na internet com o da marca, além do doméstico, Palheiros não tem pressa. “Eu trabalho de casa, com três filhos ainda. Então eu faço tudo com calma: não atropelo, não pulo etapas”, afirma.

Seus horários são flexíveis, então ela administra sua rotina do jeito que dá. “Às vezes crio conteúdo na boca do fogão, enquanto faço comida para casa”, diz.

O seu marido, Eduardo Siqueira, é engenheiro e ajuda com a parte logística e financeira do negócio, como a abertura e a manutenção do site, pagamento de impostos e emissão de notas fiscais. Já Palheiros fica em contato com os fornecedores e designers, faz as entregas pelos Correios e cuida do marketing da marca.

No ano passado, a Corro pra Descansar atingiu um faturamento de R$ 80 mil (quase R$ 1 milhão no ano). Para este ano, Palheiros deseja aumentar a cartela de produtos e pretende fazer colaborações com marcas maiores para atingir novos públicos. No futuro, também quer levar a sua marca para grandes lojas físicas de produtos esportivos.

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Corrida ajuda na saúde mental, mas tratamento não pode ser ignorado

A relação entre a prática de esportes e a melhora na depressão envolve tanto aspectos biológicos quanto sociais. Segundo Christian Dunker, psiquiatra e professor da USP, a depressão pode ser um processo de rebaixamento da serotonina, um neurotransmissor associado ao bem-estar.

Quando a pessoa corre, ocorre a liberação de endorfina e outros neurotransmissores que podem compensar esse desequilíbrio, proporcionando uma experiência que reequilibra rapidamente o organismo.

“A depressão frequentemente reduz o desejo, fazendo com que o futuro pareça mais distante e desconectado do presente”, acrescenta Dunker.

Ele observa que a prática de atividades físicas, como a corrida, pode trazer um novo propósito, ao criar desafios e pequenas vitórias, como melhorar o tempo de corrida ou perder peso, o que fortalece a autoestima e a gratificação pessoal.

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O psiquiatra também afirma que a corrida favorece uma rede de interações sociais, como o contato com treinadores e outros corredores. “Atividades comunitárias ajudam a redescobrir o prazer da vida e a capacidade de sonhar.”

“No entanto, muitos pacientes relatam que, se interrompem a prática, a depressão tende a retornar, o que sugere que a atividade física funciona como uma espécie de ‘sutura’, compensando outras questões não resolvidas”, destaca Dunker. Por isso, um acompanhamento médico contínuo também é fundamental nesse processo de recuperação.

Consumidor precisa se enxergar no produto, diz consultora de negócios

A consultora de negócios do Sebrae-SP Fabiana Santos destaca que o mercado esportivo tem crescido bastante desde a pandemia, quando as pessoas passaram a se preocupar mais com a saúde física e mental. Segundo ela, o mercado de roupas esportivas tem crescido 15% ao ano, desde 2020.

O grande desafio é conseguir atrair o consumidor para a sua marca. Para isso, é importante, primeiro, que a empresa saiba que público quer atingir e ter uma identidade de marca bem definida, ressalta a especialista.

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Para Santos, o consumidor precisa se enxergar no produto, especialmente com vendas online. “Uma estratégia interessante é a de mostrar o produto em diversos corpos. Tem marca que divulga fotos e vídeos com seis pessoas de perfis diferentes com o mesmo modelo de roupa. Quanto mais diversidade melhor.”

Ela também aconselha focar em nichos. “Existe uma gama gigantesca de consumidores a ser explorada: idosos, grávidas, pessoas plus size, com deficiência física… E as marcas precisam se adaptar ao novo comportamento do consumidor”.

Flávia Palheiros, dona da marca Corro pra Descansar, por exemplo, “usou uma dor que ela teve e enxergou nisso uma oportunidade de negócio, vendendo produtos que atendem a sua proposta de valor para sensibilizar as pessoas e atrair uma comunidade”, avalia.

A consultora acredita que o empreendedor deve se colocar também no lugar de consumidor para ter uma melhor percepção da marca. “Sair do papel de empreendedor, de quem quer vender, para quem também é consumidor é muito importante. Questione-se: eu compraria/teria interesse nos meus produtos? O meu posicionamento é atrativo?”.

As pequenas empresas concorrem com grandes plataformas online, inclusive internacionais, e precisam se atentar a questões além do produto, como a logística de entrega, a política de devolução e troca, as medidas e composições das roupas.

Ela também destaca a necessidade de manter um bom atendimento e de o produto estar em conformidade com as fotos e descrições para evitar insatisfação dos clientes, uma vez que o consumidor está cada vez mais atento aos sites de reclamação e avaliações das lojas – pontos importantes especialmente para pequenas empresas.

Avaliações de clientes

Por ser uma empresa ainda em período inicial, a Corro pra Descansar não tem avaliações de clientes no Google nem no Reclame Aqui.

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