O primeiro contato de Reginaldo Boeira, de 61 anos, com o inglês aconteceu por meio de um rádio a pilhas, na década de 1970, em Monte Belo (MG). Ao procurar estações, ele encontrou um programa no qual as pessoas falavam uma língua diferente. Na época, a sua realidade mal permitia que ele frequentasse o ensino fundamental, que dirá cursos de idioma.
Em 2004, após sucessos e fracassos no empreendedorismo, o mineiro fundou a KNN Idiomas - inicialmente chamada por outro nome - para ensinar inglês de brasileiro para brasileiro, em São João da Boa Vista (SP). Duas décadas depois, a escola bateu a marca de 447 unidades em todos os cantos do País.
Infância na roça quase o afastou dos estudos
Boeira é o caçula em uma família de 11 irmãos. Ele começou a trabalhar aos sete anos: estudava de manhã, depois levava o almoço para o pai na roça e passava a tarde com a enxada na plantação de café, arroz e feijão. Para se distrair a noite, o menino pegava o rádio a pilhas do pai e procurava por estações.
“Encontrei um programa de conversa em inglês, mas não entendia uma palavra que era dita, não sabia qual língua era aquela. Ainda assim, eu achava maravilhoso, não entendia nada, mas ouvia como se fosse música”, conta.
Na época, ele tinha acabado a terceira série do ensino fundamental e queria largar os estudos para trabalhar em tempo integral, o que era comum na região, mas a mãe não deixou. “Falei para ela que todo mundo desistia da escola, mas ela respondeu que eu não era todo mundo. Fui para outro colégio, a 17 quilômetros da minha casa. Ia e voltava a pé todos os dias”, diz Boeira.
A família mudou de cidade duas vezes em pouco tempo. Primeiro, saiu de Monte Belo para a vizinha Muzambinho (MG), mas logo depois foi para Limeira, no interior de São Paulo, em busca de novas oportunidades. No novo endereço, como só o pai de Boeira trabalhava para sustentar os 11 filhos e a esposa, eles chegaram a passar fome. Para ajudar os pais, o mineiro conseguiu uma vaga como empacotador em um mercado, aos 12 anos.
Empreendeu e quebrou três vezes ao tentar trocar de setor
O primeiro passo de Boeira no empreendedorismo foi no setor de doces. No caminho para o mercado, ele sempre via uma loja descartar caixas de guloseimas quebradas e pediu para levar algumas para casa. “Levei todas as embalagens que consegui e minha família fez a festa, mas depois eu percebi que poderia comprar os produtos por um preço mais baixo e vender para bares do meu bairro, porque as distribuidoras demoravam para entregar na região”, diz.
A ideia funcionou e o mineiro comprou um triciclo para atender a todos os clientes. Aos poucos, o negócio cresceu: aos 13 anos, Boeira comprou um Volkswagen Fusca, mesmo sem saber dirigir; dois anos depois, mudou para uma Volkswagen Kombi e, aos 16 anos, comprou o primeiro caminhão.
A distribuidora de doces de Boeira ia bem, mas, na década de 1980, ele vendeu a empresa para comprar três açougues, porque achou que ganharia mais dinheiro. O resultado foi justamente o inverso e ele quebrou em menos de um ano. Para pagar as contas, o mineiro voltou a empreender com guloseimas.
Já nos anos 1990, ele trocou os doces por semijoias, mas o negócio faliu e a solução foi, mais uma vez, voltar a trabalhar com balas. No fim da década, ele perdeu clientes para empresas maiores e quis aproveitar o aumento da demanda por produtos de informática para trocar de ramo. A história se repetiu: ele vendeu tudo, montou mais um negócio e quebrou.
“Aprendi uma lição muito grande: todas as vezes que cresci os olhos para o dinheiro, eu quebrei. O principal conselho que dou para quem quer empreender é que o seu primeiro negócio tem de estar relacionado a algo que você ama. Depois de se estabelecer com o que ama, você pode investir em algo por dinheiro”, afirma.
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Viajou pelo mundo para aprender mais sobre o inglês
Para empreender com algo que amava, Boeira escolheu a educação. Mais especificamente o inglês. Ele começou a estudar o idioma aos 16 anos e, depois de frequentar diferentes escolas, sentiu que era o momento de começar a dar aulas. “Montei uma turma, mas sentia que enganava as pessoas, porque não sabia como ser fluente. Parecia que nada ia funcionar”, conta.
Desanimado, ele vendeu uma moto e usou o dinheiro para viajar por alguns países, como Alemanha, Argentina, El Salvador e Uruguai, no início dos anos 2000. Aceitou todo tipo de emprego para se manter, de açougueiro a entregador de panfletos. Boeira conta que quando estava nos Estados Unidos, entendeu que, na prática, não sabia nada de inglês.
Na Rússia, ele decidiu que voltaria para o Brasil, mas ainda não sabia quais seriam os próximos passos. Comprou um voo com conexão na Suíça para economizar e foi jantar em um restaurante em Zurique, onde conheceu uma mulher romena.
“Nós dividimos uma mesa e ela perguntou se estava tudo bem. Contei minha frustração com o inglês e ela me disse que só conseguiu aprender outro idioma quando encontrou uma professora romena, que tinha criado um método inspirado na forma como os romenos aprendiam a língua local. Na hora, eu pensei ‘é isso, preciso desenvolver uma metodologia própria para brasileiros'”, afirma.
Primeira escola foi montada na sala de casa
O projeto começou no avião e foi desenvolvido aos poucos. Boeira transformou a sala da sua casa, em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, em uma sala de aula improvisada e recrutou alguns alunos para testar o que funcionava ou não. A metodologia criada por ele tem foco na conversação: antes de se aprofundar na estrutura gramatical e na escrita, a pessoa aprende a falar, tal qual na alfabetização em português.
Com o formato testado e validado, o mineiro fundou a Sparkle (brilhar, na tradução direta) em 2004, ainda em São João da Boa Vista. Em dez anos, ele abriu nove unidades, em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
O processo de transformação da marca começou em 2012, com a troca do nome de Sparkle para KNN Idiomas (sigla para Knowledge Now, que significa conhecimento agora, na tradução direta). “Ninguém entendia nada do primeiro nome e isso me incomodava. Antes de pensar em ampliar, eu já mudei tudo e registrei como KNN”, explica.
A expansão nacional aconteceu com a ajuda do franchising, após Boeira ser procurado por dezenas de investidores. Ele formatou a KNN como franqueadora e inaugurou a primeira franquia em 2014, também em São João da Boa Vista. “Se você quer ser feliz, você precisa fazer o outro feliz. A franquia tem uma lógica parecida: quanto mais dinheiro você fizer a outra pessoa ganhar, mais você fatura”, avalia.
Além da KNN Idiomas, Boeira também fundou a KNN Group, holding que administra outras empresas, como a Phenom Idiomas, voltada para o ensino a distância por um valor acessível, e a Boeira Construtora.
Luta contra o câncer trouxe nova perspectiva
A KNN chegou a ter mais de 500 unidades, mas deve fechar o ano de 2024 com 447 escolas abertas no Brasil. Em 2023, a empresa figurou na lista das maiores franquias por operação no País, em 43º lugar, com 439 unidades, segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF). No ano anterior, ela tinha ficado na 33ª posição, com 558 escolas.
A redução aconteceu em meio a uma reestruturação realizada após Boeira precisar se afastar da direção da KNN para tratar um câncer nas glândulas salivares, no início de 2023. Ele já está em remissão, mas precisou dar uma passo para trás para reassumir o negócio.
“Morei sete meses em um hospital, foi um ano atípico. Meus filhos me substituíram, mas eles estavam mais focados na minha saúde, para ser sincero. Fechamos algumas unidades que não performavam tão bem e mudamos a forma de selecionar os novos franqueados, para sair da estabilidade e voltar a crescer”, afirma.
Para o futuro, Boeira pretende retomar o plano de levar a KNN para outros países, que foi adiado por conta do tratamento. A ideia é ensinar inglês e português para brasileiros e estrangeiros, na Colômbia e Estados Unidos.
O empresário afirma que a sua maior meta ainda é dobrar o número de pessoas que falam inglês no Brasil em até 10 anos. O País caiu 11 posições no Índice de Proficiência em Inglês realizado pela EF Education First em 2024 e ocupa a 81ª colocação no ranking mundial. “Queremos ir para fora, mas sem esquecer que somos de brasileiros para brasileiros. A KNN vai investir no crescimento em 2025, mas sempre com foco em dobrar o número de falantes da língua inglesa no Brasil”, conclui.
Avaliação dos consumidores
A KNN Idiomas da Aclimação, em São Paulo, recebeu uma nota média de 4,9 - de 5 estrelas - no Google, com 42 avaliações até a publicação desta matéria. Os comentários destacam a qualidade dos professores.
Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, avaliações positivas ou negativas podem ser uma ação a favor ou contra a empresa.
No Reclame Aqui, a KNN tem uma reputação classificada como regular, com nota média de 6,5 de 10 nos últimos seis meses e 115 reclamações registradas no período. As críticas estão relacionadas a negativações e cobranças indevidas.
Veja os dados das franquias da KNN Idiomas
KNN Box
Menor formato, disponível para cidades de até 20 mil pessoas.
- Investimento inicial: entre R$ 70 mil e R$ 90 mil
- Faturamento médio mensal: R$ 48 mil
- Lucro médio mensal: R$16,8 mil
- Prazo de retorno: entre 6 e 12 meses
- Prazo de contrato: 4 anos
KNN Compacta
Pensada para cidades com população entre 20 mil e 50 mil pessoas.
- Investimento inicial: R$ 165 mil
- Faturamento médio mensal: R$ 72 mil
- Lucro médio mensal: R$ 25 mil
- Prazo de retorno: entre 8 e 12 meses
- Prazo de contrato: 4 anos
KNN Plena
Para municípios de 50 mil a 100 mil pessoas.
- Investimento inicial: R$ 265 mil
- Faturamento médio mensal: R$ 95mil
- Lucro médio mensal: R$ 36 mil
- Prazo de retorno: entre 12 e 18 meses
- Prazo de contrato: 4 anos
KNN Master
Para cidades maiores, com mais de 100 mil habitantes.
- Investimento inicial: R$ 350 mil
- Faturamento médio mensal: R$ 125 mil
- Lucro médio mensal: R$ 44 mil
- Prazo de retorno: entre 18 e 24 meses
- Prazo de contrato: 4 anos
Empreender no setor de educação é investir em propósito, mas legislação é desafiadora, aponta especialista
Para quem pensa em investir no setor de educação, como Boeira, o gerente de Educação do Sebrae-RJ, Antônio Kronemberger, afirma que o principal ponto positivo é o propósito envolvido. “O ensino sempre vai agregar algo na vida da outra pessoa. Investir nesse mercado tem como diferencial a missão de melhorar a vida de alguém, independentemente do tema abordado”, avalia.
Ele destaca que a educação não se encaixa no “oceano vermelho”, termo usado para definir setores saturados e com baixa margem de lucro. O baixo número de brasileiros fluentes em outros idiomas também evidencia um campo a ser explorado.
Por outro lado, a legislação pode ser uma dor de cabeça. Kronemberger explica que as normas são importantes para garantir a qualidade dos cursos, contudo, limitam algumas inovações e exigem que a empresa redobre a atenção para operar nos termos da lei.
“O negócio é obrigado a funcionar de acordo com as exigências do órgão regulador, que nem sempre estão atualizadas e alinhadas com as demandas do mercado”, pontua.
O especialista afirma ainda que a concorrência internacional no ensino de idiomas tem um crescimento acelerado no Brasil, com plataformas que permitem que o aluno converse com falantes nativos de qualquer lugar do mundo, geralmente, por um preço acessível. Para a população com menor poder aquisitivo, o investimento mais baixo costuma ser mais atraente do que os diferenciais apresentados por escolas nacionais.
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