Empreendedor mira interesse pelo chá e novos negócios ganham espaço

Loja aberta em São Paulo na pandemia aposta na dobradinha de consumo do produto com meditação; na internet, sócios focam consumidor exigente com relação ao tipo de chá e aos acessórios

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Foto do author Nathalia Molina

Em 1999, Carla Saueressig abriu a primeira loja de chá no Brasil, em São Paulo. Em 2020, lançou a Academia Brasileira de Chá e Mate, com formação na área. Ao longo desses mais de 20 anos, não apenas a reputação da gaúcha como maior especialista do assunto no País se construiu, mas o próprio mercado de chás. A ascensão, que já vinha em curso, ganhou velocidade na pandemia do coronavírus. Se muitos aprenderam a fazer pão em casa, outros descobriram o gosto pelo chá.

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Surgiram blends de erva-mate, para tomar quente em xícaras; cursos de sommelier de chá e viagens com visitas a plantações; vendas online de bules, acessórios e até cashback para recompra; além de Camellia sinensis em chás verde, branco e preto servidos depois de sessões de meditação. Nesse setor, empresas também surgiram ou amadureceram mais rapidamente durante a pandemia.

Valéria Pout está entre os empreendedores que lançaram seus negócios num cenário pós-covid. Há três meses, ela abriu em São Paulo a loja T&M – Chás e Meditação, com salão para degustar a bebida e espaço para a prática. “A gente entende que os dois andam de mãos dadas. Para mim, era muito importante ter algo que fosse além de uma casa de chá”, afirma.

Para os clientes em busca do chá em si, o cardápio reúne em torno de 30 tipos, brasileiros e estrangeiros – o bule de 350 ml sai entre R$ 9 e R$ 12. “Temos blends tradicionais: Earl Grey, de chá preto com bergamota e rose marzipan; e Le Touareg, chá verde com hortelã, tradicional no Marrocos. Mas também alguns exclusivos da nossa casa, como o Bubble Gum, que contém 12 tipos de berries, hibisco e maçã. Estamos desenvolvendo também drinques com chá para happy hour”, diz Valéria.

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Para Valéria Pout, da loja T&M, era fundamental não criar apenas uma casa de chás; espaço para meditação divide as atenções Foto: Alex Silva/Estadão

O tradicional chá da tarde tem vez às sextas, das 14h às 18h. Sai R$ 75 por pessoa (com taça de espumante, R$ 90) e inclui o prato bailarina com pequenas guloseimas dispostas em andares, como sanduíches, scones e macarons. A proposta, no entanto, não tem nada a ver com a imagem pomposa de um encontro de The Crown, série da Netflix que conta a história da britânica rainha Elizabeth.

“Nosso ambiente é minimalista. A pessoa vem para relaxar e ter esse momento para ela, não por causa de luxo”, afirma a empreendedora. Todos os funcionários são treinados para saber preparar a bebida. Mas a T&M conta com sommelier de chá e oferece degustação e comparações entre tipos especiais da bebida.

Foi justamente para formar esse tipo de profissional que Carla Saueressig criou sua academia. “O curso de sommelier de chá tem uma incursão maior na Camellia sinensis, depois fala de ervas aromáticas e dá uma noção de erva-mate. Além da degustação de chás, temos aulas de como servir e como harmonizar com vinho, cerveja e café”, explica a teablender, que é vice-presidente da Associação Brasileira do Chá (ABChá) e professora de harmonização de chá com vinho na Associação Brasileira de Sommeliers.

Os cursos, divulgados no Instagram @academiadechaemate, começam em R$ 150. Mais extensas, as formações de sommelier de chá ou de erva-mate têm cerca de 60 horas e 20 professores envolvidos; custam R$ 2 mil cada. “A erva-mate, que é o que mais consumimos no Brasil, está fazendo o maior sucesso e tem sabor diferente dependendo do terroir. Pode ser tempero ou ingrediente para cozinhar, e mixologistas e chefs já usam também”, diz Carla.

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Carla Saueressig abriu a primeira loja de chá no Brasil, em São Paulo, em 1999. Foto: Neide Rigo/Estadão - 02/02/2016

Desde 2019, ela organiza a Caravana da Erva-Mate para Ilópolis, cidade que é a maior produtora de erva-mate no Rio Grande do Sul. A quarta edição está marcada de 22 a 24 de outubro, com um grupo de cerca de 15 pessoas. O fim de semana custa R$ 1,2 mil por pessoa, com hospedagem, atividades e refeições (sem transporte aéreo).

Segundo a especialista, o mercado de chá ainda é muito novo no País e o interesse vem aumentando nos últimos anos. “Quando lancei o primeiro curso de sommelier de chá no Brasil, em 2008, tinha dois interessados. No fim de 2015, já eram dez, então eu fiz o curso”, conta Carla, que dois anos depois fechou sua pioneira A Loja do Chá, no shopping Iguatemi, em São Paulo, para se dedicar à formação de profissionais na área. “Começaram a surgir outras marcas e lojas de franquia, com bons produtos e preços mais baratos. Eu já dou aula de chá há 20 anos e vim morar no Sul.”

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Chás no modo online

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Na pandemia, surgiram ainda empresas totalmente online voltadas para chás e acessórios. A Chá Do honra seu nome e pretende ser de fato o caminho do chá, significado da expressão em japonês – é assim também que se chama a milenar cerimônia do chá. Aberta há dez meses, a empresa quer fomentar a cultura do chá por meio de produtos e serviços. “A gente quer ser o ‘one stop shop’ do chá”, diz Betovem Coura, CEO e planejamento estratégico da marca. “Assim como acontece no vinho, a pessoa tem de tomar um bom chá, ter equipamentos e acessórios bonitos e de fácil uso e aprender sobre o assunto. Quanto mais sabe sobre cultura e terroir, mais ela gosta.”

Com um site de navegação simples, a Chá Do vende matéria-prima, equipamentos e cursos sobre o tema – bules de vidro de 600 ml com infusor, R$ 189; festival com 25 palestras sobre kombucha, R$ 350. “Nós trabalhamos com chá nacionais de quatro famílias produtoras do Vale do Ribeira: Sítio Shimada, Amaya, Sítio Yamamaru e Yamamotoyama, que produz um chá eminentemente japonês”, diz Vera Bermudo, no comando de finanças e parcerias estratégicas. O chá verde orgânico da Yamamotoyama sai por R$ 29.

Na lojaT&M, o chá é aliado à meditação. Foto: Alex Silva/Estadão

Assim como Coura, ela vem da área de negócios e é professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao lado de outros dois sócios, Benício Coura e Bruno Pimenta, eles explicam que buscam botar as pessoas em primeiro lugar. “A gente veio de empresas grandes e quer dar sustentabilidade ao ecossistema do chá como um todo”, explica Vera. No canal da empresa no YouTube, agora com tradução simultânea em libras, vídeos trazem informações sobre a área, estilo de vida e dicas de empreendedorismo e gestão.

Coura não fala em números, mas admite que a empresa se preparou para ter um resultado expressivo. E parece ter conseguido. “A nossa previsão era o último trimestre do ano vender três vezes mais do que o primeiro e no ano seguinte dobrar. Só pelas pessoas trabalhando você pode tirar uma base: começamos em quatro e agora já são 12.” A Chá Do é a primeira empresa do ramo a oferecer cashback. “O cliente tem uma carteira digital no site. Quando entra de novo para comprar, está lá o saldo. A pessoa volta para buscar mais chá e vai alimentando isso, num processo que chamamos de looping infinito de felicidade”, brinca Vera.

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Erva-mate é estrela de negócio para além do chimarrão

Ilex paraguariensis é uma espécie nativa da Mata Atlântica e existente de forma natural apenas no sul da América do Sul, especialmente no Brasil. Não reconheceu? Tradução: chimarrão, mate e tererê. Para uma representante de presença tão marcante no nosso território, o uso dela pareceu limitado para a geógrafa Ariana Maia, proprietária da Inovamate. Por isso, ela desenvolveu blends com as folhas verdes da planta.

“A gente achou interessante colocar algum outro ingrediente. De repente, as pessoas vão ter mais facilidade de provar porque tem junto o café, o chocolate, o coco”, diz a empreendedora. A ideia chamou a atenção da gigante Tetra Pak. “Passamos no programa de aceleração da empresa. Em novembro deste ano, ela lança dois blends nossos como bebida pronta nos mercados”, conta Ariana.

Blend de erva-mate da Inovamate. Foto: Inovamate

A Tetra Pak escolheu os sucessos de venda da linha Infusão Brasileira, que representa as cinco regiões do País (R$ 91 o kit com todas). “Os que as pessoas buscam mais são Norte, com laranja, pimenta-rosa e funcho, e Sul, com maçã, canela e uva passa”, diz a empreendedora, que criou a Inovamate com Clovis Roberto Roman.

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“Ele é produtor de erva-mate e estava insatisfeito por não fazer dela uma matéria-prima de outros produtos, não apenas do chimarrão”, conta a carioca, moradora da gaúcha cidade de Ilópolis. “Estou fazendo a ligação dos dois ‘Rios’ por meio do mate”, brinca. Fundada em 2016, a empresa também já participou do processo de incubação externa da Universidade de Passo Fundo, para entender melhor as propriedades da Ilex paraguariensis. “No Rio Grande do Sul, as pessoas pouco conhecem o mate tostado e têm dificuldade de entender que ele pode sair da cuia e ir para a xícara. A gente começou a trabalhar em cima dos nutrientes e conseguiu mostrar que a erva traz benefícios para a saúde”, afirma.

Segundo Ariana, no Brasil a erva-mate é o segundo maior produto florestal não madeirável, o que pouca gente sabe. “A gente acaba dando atenção para outras plantas que não são nossas, e esquece que tem um chá aqui. É uma das plantas mais completas do mundo e muita gente nem sabe que é daqui.”

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