“A vida é a arte do encontro”. O verso de Vinicius de Moraes em Samba da Benção representa bem a trajetória pessoal e empreendedora de Renata Proserpio. Paulista com alma baiana, ela se estabeleceu em Salvador após conhecer o marido no carnaval da Bahia.
Anos depois, no segmento da hotelaria, salvou da destruição a casa onde o poeta morou, agregou o imóvel ao empreendimento dela e se reposicionou no mercado com o turismo de experiência.
Foi em 1992 que o Mar Brasil Hotel, com 20 apartamentos, abriu as portas em frente à praia do Farol de Itapuã. O empreendimento foi instalado no terreno ao lado da casa onde o compositor morou por sete anos com a atriz Gessy Gesse, última mulher dele.
“Esse hotel fez logo muito sucesso, porque era intermediário entre os hotéis de luxo e as pousadas mais simples que não ofereciam o mínimo de conforto que o público solicitava, sobretudo o paulista”, diz a empresária.
Influenciada pela poesia e bossa nova do artista, Renata, de 66 anos, conta que sempre olhou para a moradia vizinha com muita emoção e não hesitou quando, em 2000, o imóvel foi colocado à venda. Ela lembra que a intenção de um dos compradores era demolir a casa histórica, construída em 1974, para fazer um condomínio frente ao mar. Inadmissível.
Ela e o marido juntaram as economias, venderam imóveis em São Paulo e compraram a residência. Foi assim que eles salvaram a casa de Vina, como o poeta era conhecido, e mantiveram viva a memória de um dos principais compositores da música popular brasileira.
Novos encontros
Em 2005, a arte do encontro se materializou outra vez. A filha de Renata, na época com 13 anos, estudava na mesma escola que a neta de Gessy e foi por intermédio das adolescentes que ambas se conheceram.
Juntas, elas começaram a aprimorar o ambiente a partir das memórias da atriz, que contou sobre as frequentes visitas de amigos à casa, como Toquinho e Dorival Caymmi, as festas, o local e a posição de cada móvel. A atmosfera também foi incrementada com objetos originais do casal, como roupas e manuscritos. “Ela tinha guardado bilhetes, cartas, dedicatórias que Vina tinha feito para ela.”
A partir dali, o local virou um museu e, depois, o muro que separava o hotel da casa caiu por terra e a integração aprimorou o negócio. Em 2018, a suíte que servira de ninho para Gessy e Vinicius foi reconstituída e passou a ser disponibilizada para hospedagem. O ambiente reserva itens originais, como a cama de metal, que Renata descobriu em um antiquário, e azulejos do artista Udo Knoff. Uma banheira nova foi colocada na mesma posição da antiga.
Um dos arquitetos que construiu a moradia foi chamado para pontuar algo que tivesse sido modificado para que voltasse à origem. Cenógrafos de Salvador voltados a recriar ambientes também foram contratados para remontar os espaços da casa, e uma releitura poética foi feita a partir da descrição de poetas convidados sobre cada canto do imóvel.
Reposicionamento de marca
No ano passado, os proprietários completaram um projeto de transformar o Mar Brasil Hotel na Casa Di Vina Boutique Hotel. Quem se hospeda ali aproveita para conhecer a história do poeta por meio de fotos, objetos e descrições do lugar. A varanda que um dia recebia os amigos de Vinicius hoje é o restaurante da hospedaria. Num andar acima, a sala abriga a máquina de escrever original do artista.
“A gente proporciona ao hóspede essa mesma experiência (que Vinicius teve), de estar na banheira com o olhar perdido no encontro do céu com o mar”, diz Renata. ”Essa é a proposta do hotel, ter experiência de conforto, de estar em frente ao mar, mas também de estar na casa do poeta e vivenciar essa história.”
O hóspede aproveita a boa gastronomia, unindo a cozinha mediterrânea com a baiana, inclusive com receitas ensinadas por Gessy, arte e poesia em um ambiente tranquilo e relaxante. “Isso trouxe uma graça a mais ao serviço.”
O reposicionamento obteve resposta rápida do público, com aumento da demanda dentro da tendência do turismo de experiência, que preza pela imersão do visitante. “É um privilégio poder ajudar a manter a memória do Brasil, da MPB e proporcionar essa experiência que as pessoas ficam com lágrima nos olhos. Do ponto de vista do negócio, é algo que agrega muito valor”, diz a empresária.
Ela conta que a suíte é bastante concorrida, buscada principalmente para celebrar o amor nas mais diversas formas: um aniversário de casamento, noite de núpcias, um reencontro ou mesmo fãs que desejam ficar onde Vinicius dormiu.
“Nós verificamos uma oportunidade de ocupar um nicho de mercado que não era ocupado, mas era muito buscado, sobretudo pelo público corporativo”, afirma. Para Renata, o principal desafio do empreendedor hoje é se renovar e ter capacidade de redefinir o negócio o tempo todo, em função das mudanças do mercado.
“O perfil do consumidor vai mudando. Durante a pandemia, teve muito público regional, dos Estados limítrofes, que vinha de carro. Agora, estamos vendo o público doméstico voltando, ainda não no mesmo nível que víamos antes. E o internacional está voltando de forma muito tímida”, analisa. O hotel tem 76 quartos divididos em três categorias e tem uma média mensal de ocupação de 76%, sendo que em janeiro atinge a totalidade.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.