Quando decidiu abrir seu negócio em 2015, a empresária Viviane Espindola Façanha, de Mauá, na Grande São Paulo, não imaginava que passaria por uma jornada de transformação nos anos seguintes. Trabalhando como funcionária em tempo integral para outra empresa, ela patinou alguns anos na tentativa de ampliar seu negócio próprio.
Medo de perder o rendimento fixo, falta de tempo e de apoio para seguir adiante no empreendimento minaram sua autoestima e motivação, em um processo agravado por um quadro de depressão. À época, além de ajuda psicológica, ela também buscou apoio para seguir com a marca de panificação natural. Foi quando viu a chance de participar de um programa de mentoria para mulheres empreendedoras:
“Participar da mentoria foi uma força a mais para que eu tivesse coragem de tocar meu negócio. Além desse apoio moral, a rede também me ensinou questões de gerenciamento, planejamento, comunicação, como manter o lucro com o passar do tempo, com conselhos e ensinamentos que eu coloquei em prática e deram mais seriedade ao meu trabalho”, conta.
A solidão vivenciada pela empresária no início da jornada não é incomum entre quem empreende, independentemente do gênero. Segundo o Mapa das Empresas do último quadrimestre, aproximadamente 72% dos negócios ativos contam com apenas um sócio. Outra pesquisa de 2020 aponta que 75% deles tomam decisões relevantes sozinhos. Para Ana Fontes, criadora da Rede Mulher Empreendedora, esse fator impacta sobretudo as mulheres, e ela destaca o poder da mentoria para reverter a situação.
“A mentoria é fundamental, tanto para quem está pensando em empreender quanto para quem já empreende. Para as mulheres, mais ainda, pois há o fator da autoconfiança. Infelizmente, por causa de nossa construção social, muitas se sentem menos confiantes a empreender. O papel da mentoria é conectar a empreendedora com outras soluções e novas pessoas, e abrir portas para seu desenvolvimento”, comenta Ana Fontes.
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Diferenças entre programas
Segundo a consultora empresarial e de carreiras Ana Minuto, a mentoria é por vezes confundida com o coaching, mas são programas que partem de princípios distintos. “Quando pensamos em um coaching, significa acompanhar a pessoa por um tempo, seguindo um processo e uma metodologia. Ou seja, ela vai sair de um ponto A para um ponto B de forma intencional.” Nesses casos, completa, o foco é potencializar habilidades e competências para que a pessoa alcance seu objetivo central.
Já na mentoria, um profissional experiente compartilha sua jornada e orienta pessoas, individualmente ou em grupo, a encontrar caminhos para seus empreendimentos ou mudanças de carreira, por exemplo. “Quando você é um indivíduo-empresa, tudo é relacionado a você, são muitas áreas que precisam se desenvolver nessa caminhada. Na mentoria, o objetivo é ajudar a enxergar o próprio negócio e as oportunidades de empreender na vida e na carreira, e fazer a mudança”, afirma.
A consultora, que tem formação em coaching e criou uma metodologia de atendimento voltada à população negra, usa sua própria trajetória para exemplificar as diferentes nuances de cada programa. Ela conta que, após uma jornada profissional ligada a projetos de discriminação racial e combate à violência doméstica, percebeu que poderia compartilhar sua prática com outras empreendedoras e passou a agir também como mentora junto a plataformas e organizações:
“Através da minha história, ajudo outras pessoas a olharem um desafio e perceberem que elas também podem resolvê-lo usando suas competências e conhecimentos técnicos”, conclui a consultora.
Entenda as diferenças
- Coaching: programa oferecido por profissional certificado que utiliza uma metodologia específica para o desenvolvimento de carreira, de modo a alcançar resultados e objetivos pactuados com o cliente (em geral de curto e médio prazo, como uma promoção na empresa ou uma transição de carreira).
- Mentoria: é desenvolvida por um profissional mais experiente – e não necessariamente mais velho – em um processo de autoconhecimento e troca entre mentor e mentorado. O mentor compartilha experiências e conhecimento, além de trazer reflexões sobre o desenvolvimento profissional ou pessoal do mentorado (horizonte de médio e longo prazo).
A importância do match
Um dos princípios das mentorias é oferecer alinhamento entre o perfil de quem oferece e o de quem recebe o programa – o famoso “match”. Larissa Ushizima, especialista em análise política e fundadora da mentoria Alma Mater, explica que a identificação com o mentor se dá, principalmente, pelas experiências de vida e de trabalho que ele pode compartilhar com seu mentorado.
E isso, explica, é ainda mais significativo para mulheres. “Programas que têm recorte de gênero permitem debater temáticas específicas, como as violências e microviolências sofridas no trabalho, as necessidades de se posicionar em determinadas situações profissionais, de se comunicar de maneira mais assertiva etc.”
Segundo Ushizima, o match perfeito também precisa levar em conta os diferentes momentos da vida de cada uma. Ou seja, enquanto mulheres como Viviane Façanha encontram na mentoria um apoio para fazer a transição profissional, outras precisam de ajuda para iniciar ou recomeçar uma carreira após ter perdido o emprego ou retornar de licença-maternidade.
“No início da carreira, por exemplo, a mentoria pode beneficiar a estudante universitária em transição para o mercado de trabalho, não só orientando sobre como colocar em prática o conjunto de informações e conteúdos que ela aprendeu, mas também oferecendo exemplos inspiradores de mulheres que ocupam lugares de destaque no mercado”, destaca Ushizima.
Aluna de relações internacionais da Universidade de Brasília e uma das participantes da mentoria gratuita oferecida pela Alma Mater, Jaqueline Salvador viu no projeto uma oportunidade de receber direcionamento para sua vida profissional. “Como estudante, eu não conhecia muitas pessoas da minha área, e vi nessa oportunidade uma maneira de me encontrar e poder ter esse contato mais direto com mulheres com currículos incríveis.”
Desde janeiro, ela participa de reuniões em grupo e de mentorias individuais com uma profissional de sua área de interesse, e percebe que o processo tem servido para reduzir medos e inseguranças. “Apesar de ver que o mercado de trabalho é muito concorrido, eu aprendi que é importante continuar tentando e me qualificando, e não desistir. E ter alguém para sempre torcer por nós é importante.”
Desenvolvimento em via de mão dupla
Uma conclusão comum entre mulheres que oferecem mentoria é que o processo gera benefícios para ambos os lados. “É uma via de mão dupla para quem oferece e recebe”, como aponta Chris Aché, diretora do programa de MBA de Formação para Conselheiras de Administração – ABP-W, da Saint Paul Escola de Negócios, e mentora do movimento Aladas, que se prepara para abrir um novo programa para o público feminino nos próximos dias.
Com uma vasta experiência em ações de apoio profissional às mulheres, ela conta que após os programas é comum formarem-se redes de contatos permanentes, que seguem trocando práticas e experiências. “Várias empresas que passam por mentorias se disponibilizam a oferecer o mesmo apoio a outros negócios, passando adiante seus aprendizados. É um ecossistema que vai se formando e conectando cada vez mais pessoas”, completa Aché.
Conheça algumas plataformas e ações de mentoria para mulheres:
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