ESPECIAL PARA O ESTADÃO -Saúde mental e competências socioemocionais se tornaram dois temas centrais na pandemia, não só para as empresas como para toda a sociedade. Uma pesquisa do Unicef revelou que 35% dos 7,7 mil jovens entrevistados no Brasil, em 2022, sofriam com ansiedade e 8% se sentiam deprimidos, mesmo com a retomada da rotina após o arrefecimento da covid-19.
De olho nesse mercado, empreendedores e especialistas da área decidiram tratar o tema em um dos espaços mais importantes na vida dos jovens: a escola. É o caso da Educa, empresa fundada pelo engenheiro Jaime Ribeiro, autor de livros como Empatia: por que as pessoas empáticas serão os líderes do futuro?, e pelo psicólogo, educador e palestrante Rossandro Klinjey.
Eles perceberam que, apesar do sucesso financeiro dos executivos que tinham contato, boa parte deles era emocionalmente imatura. Inteligência emocional não é algo que foi trabalhado ao longo do processo educativo da maioria das pessoas, segundo eles. A dupla resolveu, então, desenvolver uma solução única que contemplasse tanto os aspectos socioemocionais quanto a saúde mental e atendesse às necessidades das escolas e das famílias, as bases formadoras de crianças e adolescentes.
Lançada em 2020, a startup já está presente em mais de 200 escolas com seu ecossistema de conteúdos que abrangem do Ensino Fundamental I ao último ano do Ensino Médio. Na plataforma são trabalhados temas como empatia, respeito ao outro, convivência, cooperação, perdão e mindfullness, entre outros, sempre com o cuidado de evitar termos que possam polarizar debates ou trazer discórdia.
“É uma jornada multitemática digital. Tem livro físico para os alunos, conteúdo de acolhimento para as famílias e uma constante nutrição para os educadores para treinar as competências do século 21″, explica o engenheiro. “(Lidamos) com burnout, síndrome do pânico, depressão, crise de ansiedade, insegurança e até suicídio. O próprio gestor escolar não estava preparado para lidar com isso.”
Reconhecido como um dos principais especialistas em saúde mental da atualidade no Brasil, Klinjey explica que a edtech ajuda a preparar os jovens para entender os altos e baixos da vida e a lidar também com as emoções dos outros de forma mais empática. A ideia é oferecer um conjunto de soluções que abrace dores muito presentes no ambiente escolar, como bullying e cyberbullying, mas também transformar a escola em espaço de debates da sociedade, voltando a engajar as famílias.
“A escola é um ambiente de acolhimento e desenvolvimento de seres humanos para o futuro, então precisamos saber construir juntos. Hoje os pais querem que o sistema se adapte ao filho e isso gera um desgaste da escola com a família”, esclarece. “Tem um questionamento constante, grupos de WhatsApp que são criados para ajudar pedagogicamente e acabam destruindo reputações. Mas a pedagogia é uma ciência. Então a gente entendeu que todos precisam de ajuda: gestor, mantenedor, professores, pais e alunos.”
Tolerância, empatia e reflexões mais ricas
Diretora pedagógica do Colégio St. Georges, no Rio de Janeiro, que adotou a solução da Educa, Kassula Corrêa relata que antes a falta de empatia era uma queixa frequente entre muitos alunos e que discussões por vezes viravam ofensas. Para ela, uma mudança notória trazida pela jornada da plataforma foi a forma de se expressar e de exercitar essa escuta na escola. “Ser tolerante e empático são temas trabalhados semanalmente em sala de aula. Essa mudança aconteceu em todas as esferas, atingindo o corpo pedagógico, as famílias e nossos alunos”, afirma a educadora.
Já no paulistano CEB (Centro Educacional Brandão), que também está usando a metodologia, a diretora pedagógica Marta Zerlotti conta que alguns pontos que sempre chamaram atenção, como dificuldades dos alunos para lidar com frustrações, o imediatismo das crianças e a falta de dedicação e empenho para cumprir tarefas desafiadoras - e portanto mais trabalhosas -, são questões que a Educa está ajudando a transformar. “Para os alunos, a escola deixou de tratar os assuntos somente quando apareciam no dia a dia, mas antecipando os mesmos. Com isso é possível uma reflexão diferente e mais rica, já que não acontece apenas em situações em que há envolvimento emocional”, ela observa.
Projetos para cada fase de desenvolvimento
Outra empresa que se debruça sobre educação emocional nas escolas é a Programa Pleno. Atuando hoje em mais de 280 instituições de ensino, a Programa Pleno tem um programa que desenvolve habilidades e competências socioemocionais por meio de metodologias ativas, estimulando o protagonismo dos alunos dentro e fora da sala de aula. A jornada é híbrida, mesclando uma plataforma com conteúdo para a comunidade escolar, famílias e alunos, e os aplicativos Inovadores em Ação e Projet, que é um guia para estudantes do Ensino Médio construírem seu projeto de vida.
De acordo com el, os projetos têm o objetivo de desenvolver as habilidades e competências socioemocionais na prática, com a resolução de problemas no dia a dia. Autorregulação, autoconhecimento, habilidade de relacionamento, tomada de decisão responsável e consciência social são algumas das aptidões trabalhadas. “Nós respeitamos cada fase do desenvolvimento trazendo problemas do cotidiano de cada faixa etária, e o mais interessante é que os alunos se tornam protagonistas desse aprendizado”, explica.
“Quando a gente fala de autoconhecimento para as crianças de 3 ou 4 anos, fala de alfabetização emocional, identificação das próprias emoções e aprendizado de como fazer escolhas para se comportar de uma forma mais adequada, de acordo com essas emoções”, ela exemplifica. “Já quando a gente parte para os anos iniciais dos adolescentes, que estão numa fase de desenvolvimento diferente, são outras problemáticas. Temos projetos que falam sobre relacionamentos, trazendo comunicação, trabalho em equipe, cooperação.”
Para o Ensino Médio, a especialista destaca o programa que aborda comportamentos de risco, que são muito característicos dessa fase, quando o jovem passa por uma mudança neurobiológica profunda, segundo ela. “Eles estão buscando adrenalina, emoção, prazer, sensações agradáveis, e isso precisa ser olhado com muita responsabilidade. O programa apoia o aluno na compreensão e resolução de problemas para que o comportamento de risco não seja a prioridade dele”, afirma.
“É um aprendizado de olhar para as próprias emoções com carinho. Ninguém acorda falando ‘quero sentir raiva hoje’, mas pode acontecer durante o dia. Se o aluno tem a competência da autorregulação, entende isso e respeita o processo de estar sentindo uma emoção desagradável, mas busca ter escolhas comportamentais mais assertivas, adequadas e rtosas. É uma transformação pessoal e social muito grande.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.