Quando pensava em abrir o próprio negócio, a empresária Priscyla França, de 38 anos, imaginava que só conseguiria ter tempo para a empreitada quando já estivesse aposentada. Essa realidade mudou em 2013, quando ela decidiu testar se o hobby podia se tornar uma carreira. Pegou uma licença do trabalho no Espírito Santo, mudou-se para São Paulo e começou a trabalhar como confeiteira.
Com o tempo, ficou mais claro que o sonho não era tão distante. Mantendo o trabalho como chef em diferentes restaurantes da cidade, passou a produzir chocolates caseiros como uma atividade extra para testar se a ideia de ter um negócio próprio podia vingar. “Na época, eu não tinha a menor ideia de como fazer chocolates, mas queria fazer”, relembra França.
Durante a pandemia, largou o emprego e focou 100% no negócio. Pouco mais de três anos depois, ela acumula prêmios nacionais e investiu recentemente em uma fábrica para aumentar o volume de produção.
Negócios como os de Priscyla, com mais de três anos e meio de duração, têm crescido no País, segundo pesquisa do Sebrae Nacional, feita em parceria com a Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe). Os dados fazem parte da pesquisa internacional Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que consolida dados sobre empreendedorismo em diferentes países.
A coleta de dados da pesquisa foi feita de junho a agosto de 2023, mas as informações foram divulgadas em abril deste ano. Foram ouvidos 2 mil empreendedores de 18 a 64 anos. Também participaram 54 especialistas, que avaliaram o cenário no País.
O aumento dos empreendedores estabelecidos, como são chamados os que atuam por mais de três anos e meio, aponta para um cenário de melhora no ambiente econômico e de empreendedorismo no País, segundo o Sebrae.
Desde 2020, o número de empreendedores que se encaixam nessa categoria vem subindo ano após ano. De 10,96 milhões de pessoas naquele ano, chegou à marca de 14,9 milhões em 2023, o que representa cerca de 12% da população adulta brasileira.
O crescimento desses empresários é acompanhado pela queda do número de negócios chamados de iniciais, com duração menor do que três anos e meio, o que representaria, em parte, uma migração desses empresários para a categoria de empreendedores estabelecidos, segundo a instituição.
Novo panorama de negócios incentiva o empreendedorismo
De acordo com o presidente nacional do Sebrae, Décio Lima, o processo representa uma mudança de perspectiva para quem busca empreender. ”As pessoas no País passam a empreender não somente por necessidade e sim para fazer uma diferença no mundo”, afirma Lima. “Além da consolidação dos seus negócios, elas conseguem buscar escala.”
Para o professor de empreendedorismo do Insper, Marcelo Nakagawa, esse crescimento de empresas com mais de três anos e meio durante a pandemia pode ser explicado também pela abertura de microempresas, por causa da dificuldade de conseguir emprego durante a crise sanitária.
“Como não se conseguia emprego de uma forma mais estável, a pessoa virava MEI (microempreendedor individual), e esse CNPJ perdura”, pontua o professor.
O Sebrae afirma, porém, que a pesquisa foi feita por meio de entrevistas com uma série de empreendedores, escolhidos para representar o cenário de novos negócios abertos no País. Não foram considerados prestadores de serviços individuais ou MEIs, por exemplo, porque muitos desses CNPJs não operam como empresas, de fato, e são utilizados para outros fins, como a contratação de funcionários terceirizados.
Mulheres têm mais dificuldade em abrir negócio próprio
Apesar de a pesquisa apontar para a melhora do cenário do empreendedorismo no País, ela traz um recorte preocupante: a dificuldade das mulheres em abrir o próprio negócio. O número de empreendedoras que acabaram de abrir ou estão prestes a inaugurar o próprio negócio vem caindo anualmente, desde 2020.
Naquele ano, esses empreendedores iniciais, como são chamados pela pesquisa, eram metade homens e metade mulheres. Em 2023, somente 40,2% são mulheres, enquanto 59,8% são homens.
O Sebrae afirma que durante a pandemia o número de empresas fechadas foi maior entre aquelas lideradas por mulheres do que por homens. Isso poderia ser explicado, em parte, porque empresas lideradas por mulheres se concentram tradicionalmente no setor de serviços, mais afetado durante a pandemia.
Essa dificuldade das mulheres também foi sentida por Priscyla. Ela comenta que há mais dificuldade de ter apoio até mesmo entre os familiares. “Na nossa sociedade, se a mulher empreende, ela precisa convencer o homem de que aquilo é viável, de que não é uma loucura. Se um homem empreende, a mulher, obrigatoriamente, tem que dar apoio”, afirma.
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