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Foodtechs combatem o desperdício de alimento em toda a cadeia

De soluções que conectam o campo ao consumidor a plataformas de compras programadas, novos negócios surgem para resolver uma dor social e ambiental - o grande volume de alimentos próprios para consumo que vai parar no lixo

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Inconformados com os números de desperdício de alimentos no mundo, alguns empreendedores decidiram encontrar saídas para o problema com a ajuda da tecnologia. São startups ligadas ao setor alimentício (as chamadas foodtechs) com soluções para conectar produtores, indústria e varejo ao consumidor final. A ideia é comercializar aquilo que seria descartado por estar perto do prazo de validade ou fora do padrão estético adotado pelo mercado, apesar de ter valor nutricional e ser apropriado para o consumo.

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É a cenoura torta, o tomate com um furo na pele, o pé de escarola meio murcho, o queijo que vence logo mais. E o melhor da história: além de combater o desperdício, essas startups estão gerando economia em toda a cadeia. Quem produz ou comercializa os alimentos acaba lucrando com aquilo que antes ia para o lixo e o consumidor final, em tempos de inflação alta, consegue rechear a geladeira pagando até 40% menos, em média.

Segundo o Índice de Desperdício de Alimentos 2021, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e da organização britânica de resíduos WRAP, 931 bilhões de toneladas de comida vão para o lixo. Isso significa que 17% dos alimentos disponíveis em mercados, residências e restaurantes foram descartados e cerca de 14% da produção foi perdida entre a colheita e o varejo.

No Brasil, a situação é ainda mais gritante: são 60 quilos de alimentos dispensados por habitante anualmente, de acordo com o levantamento. Isso em um país onde a fome atinge 15,5% da população, pelos dados da ONU. Entre 2019 e 2021, o número de brasileiros que entraram em situação de insegurança alimentar grave saltou para 15,4 milhões - número quatro vezes maior do que o apontado pela entidade entre 2014 e 2016

Entre as iniciativas para mudar esses números está a Food to Save, que evitou o descarte de mais de 300 toneladas de alimentos na capital paulista, no Grande ABC, em cidades do interior de São Paulo e no Rio de Janeiro (RJ) desde o início de sua operação, em 2021. Nas “sacolas surpresa” da startup vêm produtos de estabelecimentos parceiros – restaurantes, padarias, hortifrutis e confeitarias – que não foram vendidos na operação do dia e demandam consumo mais imediato.

Entre as marcas estão Starbucks At Home, Rei do Mate, Dengo Chocolates, Havanna, padaria Bella Paulista e Brownie do Luiz, por exemplo. Os descontos chegam a 70% para os usuários e a receita incremental gerada aos estabelecimentos já bateu mais de R$ 3 milhões.

O CEO da foodtech, Lucas Infante, conta que a ideia surgiu quando ele trabalhava em uma franquia de supermercado na Espanha. “Via diariamente um desperdício considerável de alimentos, enquanto tanta gente passava fome lá fora”, diz. O modelo da Food to Save é simples, segundo o empreendedor. Os pedidos podem ser feitos direto no site da empresa ou pelo aplicativo.

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Lucas Infante, CEO da foodtech  Foto: Jeff Souza

Basta inserir o CEP da residência e visualizar os estabelecimentos mais próximos que têm sacolas no dia. “De acordo com o que estiver disponível, a plataforma mostra o valor a ser pago e o tipo de produto que irá na sacola. O cliente pode escolher entre doce, salgada ou mista e se quer receber em casa ou retirar ele mesmo”, explica.

No caso do hortifruti online Mercado Diferente, o foco está em combater o desperdício e tornar os produtos orgânicos mais acessíveis à população. O esquema é por assinatura: o cliente escolhe entre cesta pequena, média ou grande e recebe semanalmente em casa um misto de legumes, verduras, frutas e temperos sazonais, vindos diretamente de pequenos produtores, com frete grátis. As cestas podem ser compostas por até 50% de alimentos considerados fora do padrão pelo mercado tradicional, mas que, muitas vezes, são até mais ricos em nutrientes do que os convencionais, já que frutas e legumes que passam por estresse em sua formação costumam reter valor nutricional.


Mercado Diferente tem foco em combater o desperdício e tornar os produtos orgânicos mais acessíveis à população Foto: Estúdio Cúrcuma

O CEO da startup, Eduardo Petrelli, ex-James Delivery, fala que a missão é democratizar as comidas saudáveis em um continente que ainda não tem o hábito de consumir orgânicos por conta do preço elevado. “Ao atender esse mercado que, só no Brasil, está avaliado em US$ 35 bilhões, temos também a oportunidade de lutar contra o desperdício e causar um impacto positivo para toda a sociedade”, afirma.

A Raízs é outra que une a questão dos orgânicos à do desperdício. Com seis anos de estrada e o propósito de conectar o campo à casa dos clientes na cidade, a startup, que recentemente concluiu a captação de uma rodada Série A, de R$ 20 milhões, trabalha com mais de 900 famílias de pequenos agricultores na produção de alimentos sem adição de químicos. O negócio também funciona com o sistema de cestas por assinatura e agora está ampliando seu mix de mais de 2 mil itens com produtos de marca própria, como pães, queijos e sopas. Parte desse faturamento é destinado ao Fundo do Pequeno Produtor Raízs, gerido coletivamente pelos próprios agricultores.

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“A Raízs ajuda a combater o desperdício dos alimentos tirando da terra apenas o que será consumido. A maior parte do nosso estoque ainda está na terra”, fala Tomás Abrahão, CEO e fundador da empresa, que já recebeu prêmios como Red Bull Amaphiko, Choice UP Artemisia, ONU Accelerate 2030 e Creators Awards.

Ele diz que a tecnologia possibilita prever as compras feitas no site e colher somente os alimentos que serão vendidos. “Isso garante respeito à terra, previsibilidade para o produtor e aumento de renda para a agricultura familiar, além de trazer produtos frescos, que acabaram de ser colhidos, para a mesa dos nossos consumidores”, conclui.

Hortas urbanas

Um dos fundadores do Seed (Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development), Giuliano Bittencourt conta que era administrador público quando teve o primeiro contato com fazendas urbanas e as tecnologias envolvidas no Media Lab, projeto do MIT (Massachusetts Institute of Technology) que reúne laboratórios interdisciplinares.

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A partir dessa ideia nasceu a BeGreen, primeira rede de fazendas urbanas da América Latina, com capacidade produtiva 28 vezes maior que o cultivo tradicional, em um ambiente controlado no meio da cidade. Presente em diversas localidades, como São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Goiânia, o modelo usa 90% menos água do que o convencional e o desperdício dos alimentos produzidos é quase zero, segundo Bittencourt.

“Na maioria das vezes, o caminho entre o produtor de hortaliça até o restaurante é uma cadeia longa, com dias de estrada em caminhões, o que faz com que a perda de alimentos seja em torno dos 40%”, ele observa. “A BeGreen encurta o caminho da logística entre a produção do alimento e o estabelecimento. Os folhosos são colhidos no dia da entrega e o cultivo já é próximo do restaurante, o que reduz tempo e trajeto de distribuição.”

Da indústria para a mesa

Com parceiros como Swift, Copacol, Pamplona, Itambé e Mondelez, a Restin teve a sacada de plugar o excedente da indústria que está perto do vencimento a players do mercado de foodservice que fazem uso imediato dos produtos. O fundador e CEO Luciano Almeida conta que a ideia surgiu em seu primeiro dia de estágio em nutrição, nos idos de 2008, quando trabalhou em uma campanha da GRSA sobre desperdício de alimentos.

Luciano Almeida, CEO e fundador da Restin  Foto: Franciele Barbosa

Anos depois, viu um episódio do documentário Chef’s Table, em que o italiano Massimo Bottura apresentava seu projeto para combater o desperdício de alimentos e reduzir a fome produzindo quentinhas com ingredientes que iriam para o lixo. “Despertou em mim um desejo muito grande de mudar toda a minha vida, viver e trabalhar em algo com propósito”, conta o empreendedor.

A Restin nasceu em setembro de 2020, fazendo a ponte entre a indústria de carnes e restaurantes, além de fornecer proteínas para iniciativas de impacto social como a ONG Gastromotiva e a startup Eats For You, que vende quentinhas feitas por donas de casa.

A indústria sinaliza os produtos disponíveis, o time da Restin analisa e faz a compra do lote, traz para seu centro de armazenamento refrigerado e de lá destina para os clientes. Há também um segundo modelo de compra em que os próprios estabelecimentos escolhem os produtos a partir da sinalização da indústria, para então a Restin comprar e distribuir. “Assim temos a mercadoria a pronta entrega e assumimos toda a operação, desde o recebimento até a entrega final para o cliente, sempre com a máxima segurança e qualidade”, explica Almeida.

Desde a inauguração da empresa, mais de 17 toneladas de produtos já deixaram de ir para o lixo. “Nosso objetivo é chegar até o final do ano com mais de 10 toneladas de proteínas salvas”, ele acrescenta, revelando que atualmente a startup já atinge um faturamento mensal de R$ 30 mil, com a perspectiva de fechar o ano batendo um total de R$ 319 mil.

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Abastecimento programado

No caso do Shopper, que é um supermercado 100% online, o foco foi reduzir o desperdício na casa do próprio consumidor com um sistema de compras programadas. No aplicativo e no site da startup, dá para programar as encomendas por períodos determinados, como mensalmente, no caso de itens de consumo doméstico, ou por semana ou quinzena, no caso de frutas, verduras e legumes.

A solução veio para evitar que as pessoas armazenem grandes estoques na despensa e a compra por impulso, hábitos que consequentemente geram desperdício. O bolso também agradece: com o sistema, a economia para o consumidor é de até 12% ao mês, em média.

Segundo a empresa, as compras programadas permitem que o cliente tenha noção dos itens que consome mais e menos, recolocando apenas aquilo de que ele realmente precisa. Do lado do supermercado o desperdício também é reduzido – o Shopper adquire os itens diretamente dos fabricantes após a confirmação do pedido do cliente e recebe em seus centros de distribuição, sem depender de lojas físicas.

“Com um estoque bem menor para armazenamento, tem pouca perda por prazo de validade”, explica o CEO, Fábio Rodas. A lógica é contrária à dos supermercados tradicionais, que compram antes de vender e acabam descartando centenas de produtos vencidos diariamente.

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