‘Eu era amigo, mas virei vilão’: como misturar negócios e amizade pode destruir relacionamentos

Engenheiro chamou colegas de trabalho para serem os primeiros franqueados de sua empresa, e não deu certo; especialista diz que isso é comum e dá dicas para evitar problemas

PUBLICIDADE

Foto do author Felipe Siqueira

O engenheiro eletricista Camillo Torquato, fundador da T&D Sustentável, empresa de gerenciamento de água, chamou oito ex-colegas de trabalho para serem os primeiros franqueados de sua marca. Convidou-os pela relação de amizade, mas não analisou se eles tinham perfil de empreendedores. Foi um erro que custou caro.

PUBLICIDADE

O desempenho das franquias começou a ser ruim, e eles não se adaptaram ao modelo de negócio. “Eu tive que comprar unidades de volta e até fazer acordos que me custaram mais de R$ 1 milhão”, comenta.

Chamar amigos e parentes para fazer o primeiro ciclo de expansão de uma empresa por franquia é comum, diz o vice-presidente da vertical de consultoria do Ecossistema 300 Franchising, Lucien Newton.

Segundo ele, naturalmente, pessoas que viram o empreendedor crescer de perto, como parentes, amigos, colegas de trabalho e até mesmo clientes, sejam as primeiras a se interessarem na possibilidade de ter acesso a este mesmo “sucesso”.

Publicidade

Só que isso pode ser um tremendo problema se não for feito de uma maneira profissional. “Tudo isso pode ser um destruidor de amizades e relacionamentos. O franchising nunca vai nascer pronto. Eu entrego o melhor negócio possível, mas é preciso ensinar como as pessoas vão continuar construindo. Porque sempre é uma construção. E vai se estruturando ao longo do tempo. Isso é uma jornada”, ressalta o especialista.

Como vender uma franquia?

Uma das grandes dúvidas do início da trajetória do empreendedor no ramo de franquias é como conseguir pessoas para adquirirem uma unidade. O mercado costuma dizer que, a partir do momento em que uma empresa entra para o setor de franchising, a operação muda completamente. Isso porque a franqueadora demanda muito empenho e toma bastante tempo do empreendedor.

O modelo de negócio passa a ser a venda de franquias - especialmente quando deixa de ter lojas próprias. Portanto, vai ser preciso vender a ideia para que um franqueado compre.

E isso é muito difícil, explica Lucien Newton, porque, por mais que exista um razoável sucesso do negócio em determinado bairro, cidade, região ou Estado, a intenção é quebrar esses muros.

Publicidade

Como fora destes locais - em que já foi possível angariar renome - a marca tende a ser desconhecida, existe uma tendência de que pessoas próximas do convívio do empresário sejam as primeiras franqueadas.

Escalada no franchising com pessoas próximas pode ser um tremendo de um problema se não for feita de uma maneira profissional  Foto: Andrey Popov - stock.adobe.com

Em muitos casos, destaca Newton, o início de franquias pode ter alguns problemas relacionados a processos e que, com o tempo, vêm à tona. Um dos principais é justamente ceder mais do que deveria.

O consultor explica que é comum que o ambiente para franqueados, no início, seja mais solto, com regras definidas, mas sem tantas amarras à operação, já que tudo vai sendo atualizado à medida do tempo e das respectivas demandas.

Porém, conforme as coisas vão avançando, as normas vão ficando cada vez mais rígidas, pois o negócio vai amadurecendo e, consequentemente, fica cada vez mais claro o que pode ou não dar certo.

Publicidade

Com a entrada de mais franqueados vão entrando, vão surgindo pessoas desconhecidas, fora do núcleo próximo do empreendedor. Nesses casos, as pessoas estariam mais dispostas, na maioria das vezes, a seguir padrões.

“Vai ser normal que os primeiros que entraram, à medida que tudo se torna mais robusto, com mais aprendizados e menos concessões, se sintam diminuídos ou ‘escanteados’ com a evolução da rede. Todo esse contexto pode frustrar empreendedores. Muitos não se adaptam e acabam repassando o ponto.”

‘Virei vilão’, diz dono de franquia que chamou amigos

Foi isso o que aconteceu com Camilo Torquato, da T&D Sustentável. Ele admite o erro: “Os meus oito primeiros franqueados eram ex-colegas de trabalho. E eu não olhei se tinham perfil empreendedor. Eu queria vender unidades, e eles confiavam na minha figura, embora não conhecessem tanto o negócio”, contextualiza.

Publicidade

Com o tempo, muitas dessas unidades passaram a não performar muito bem, batendo em um teto de desempenho, com os franqueados não querendo abordar táticas para incrementar o faturamento.

Os royalties - que são o que mantém o dinheiro entrando para a franqueadora - estão, na maioria das vezes, atrelados a um porcentual do faturamento. Logo, se a receita não cresce, o valor repassado fica estagnado.

“Aí, quando você quer reabsorver as unidades para a sua marca seguindo as regras do contrato assinado, você sai de amigo para vilão”, relembra Torquato.

Além dos custos com as operações abertas, ele também fechou acordos com esses ex-franqueados, pensando, segundo ele, nos contatos que tinha e na saúde do negócio, para o processo não afetar tanto a empresa. Tudo custou cerca de R$ 1,2 milhão. “Ainda estou pagando.”

Publicidade

Lucien Newton ressalta que ética e transparência no processo de franquias são essenciais para que ambas as partes saibam “onde estão se metendo”.

Ele também aconselha a evitar concessões em relação às regras. “Isso mata o franchising. Tem que saber conduzir muito bem essa relação, alinhar as expectativas. Senão, não dá certo.”

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.