O engenheiro eletricista Camillo Torquato, fundador da T&D Sustentável, empresa de gerenciamento de água, chamou oito ex-colegas de trabalho para serem os primeiros franqueados de sua marca. Convidou-os pela relação de amizade, mas não analisou se eles tinham perfil de empreendedores. Foi um erro que custou caro.
O desempenho das franquias começou a ser ruim, e eles não se adaptaram ao modelo de negócio. “Eu tive que comprar unidades de volta e até fazer acordos que me custaram mais de R$ 1 milhão”, comenta.
Chamar amigos e parentes para fazer o primeiro ciclo de expansão de uma empresa por franquia é comum, diz o vice-presidente da vertical de consultoria do Ecossistema 300 Franchising, Lucien Newton.
Segundo ele, naturalmente, pessoas que viram o empreendedor crescer de perto, como parentes, amigos, colegas de trabalho e até mesmo clientes, sejam as primeiras a se interessarem na possibilidade de ter acesso a este mesmo “sucesso”.
Só que isso pode ser um tremendo problema se não for feito de uma maneira profissional. “Tudo isso pode ser um destruidor de amizades e relacionamentos. O franchising nunca vai nascer pronto. Eu entrego o melhor negócio possível, mas é preciso ensinar como as pessoas vão continuar construindo. Porque sempre é uma construção. E vai se estruturando ao longo do tempo. Isso é uma jornada”, ressalta o especialista.
Como vender uma franquia?
Uma das grandes dúvidas do início da trajetória do empreendedor no ramo de franquias é como conseguir pessoas para adquirirem uma unidade. O mercado costuma dizer que, a partir do momento em que uma empresa entra para o setor de franchising, a operação muda completamente. Isso porque a franqueadora demanda muito empenho e toma bastante tempo do empreendedor.
O modelo de negócio passa a ser a venda de franquias - especialmente quando deixa de ter lojas próprias. Portanto, vai ser preciso vender a ideia para que um franqueado compre.
E isso é muito difícil, explica Lucien Newton, porque, por mais que exista um razoável sucesso do negócio em determinado bairro, cidade, região ou Estado, a intenção é quebrar esses muros.
Como fora destes locais - em que já foi possível angariar renome - a marca tende a ser desconhecida, existe uma tendência de que pessoas próximas do convívio do empresário sejam as primeiras franqueadas.

Em muitos casos, destaca Newton, o início de franquias pode ter alguns problemas relacionados a processos e que, com o tempo, vêm à tona. Um dos principais é justamente ceder mais do que deveria.
O consultor explica que é comum que o ambiente para franqueados, no início, seja mais solto, com regras definidas, mas sem tantas amarras à operação, já que tudo vai sendo atualizado à medida do tempo e das respectivas demandas.
Porém, conforme as coisas vão avançando, as normas vão ficando cada vez mais rígidas, pois o negócio vai amadurecendo e, consequentemente, fica cada vez mais claro o que pode ou não dar certo.
Com a entrada de mais franqueados vão entrando, vão surgindo pessoas desconhecidas, fora do núcleo próximo do empreendedor. Nesses casos, as pessoas estariam mais dispostas, na maioria das vezes, a seguir padrões.
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“Vai ser normal que os primeiros que entraram, à medida que tudo se torna mais robusto, com mais aprendizados e menos concessões, se sintam diminuídos ou ‘escanteados’ com a evolução da rede. Todo esse contexto pode frustrar empreendedores. Muitos não se adaptam e acabam repassando o ponto.”
‘Virei vilão’, diz dono de franquia que chamou amigos
Foi isso o que aconteceu com Camilo Torquato, da T&D Sustentável. Ele admite o erro: “Os meus oito primeiros franqueados eram ex-colegas de trabalho. E eu não olhei se tinham perfil empreendedor. Eu queria vender unidades, e eles confiavam na minha figura, embora não conhecessem tanto o negócio”, contextualiza.
Com o tempo, muitas dessas unidades passaram a não performar muito bem, batendo em um teto de desempenho, com os franqueados não querendo abordar táticas para incrementar o faturamento.
Os royalties - que são o que mantém o dinheiro entrando para a franqueadora - estão, na maioria das vezes, atrelados a um porcentual do faturamento. Logo, se a receita não cresce, o valor repassado fica estagnado.
“Aí, quando você quer reabsorver as unidades para a sua marca seguindo as regras do contrato assinado, você sai de amigo para vilão”, relembra Torquato.
Além dos custos com as operações abertas, ele também fechou acordos com esses ex-franqueados, pensando, segundo ele, nos contatos que tinha e na saúde do negócio, para o processo não afetar tanto a empresa. Tudo custou cerca de R$ 1,2 milhão. “Ainda estou pagando.”
Lucien Newton ressalta que ética e transparência no processo de franquias são essenciais para que ambas as partes saibam “onde estão se metendo”.
Ele também aconselha a evitar concessões em relação às regras. “Isso mata o franchising. Tem que saber conduzir muito bem essa relação, alinhar as expectativas. Senão, não dá certo.”