Depois de uma tormenta econômica que deixou suas 18 lojas paradas durante a pandemia, a marca de chocolates Dengo reativou os motores de um jeito singular: abriu sua 19ª loja na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, a primeira loja de rua, ao custo de cerca de R$ 20 milhões. Com estrutura de madeira engenheirada (paredes, fundações e vigas sem concreto, carbono zero), ela tem três andares, restaurante, bar, sorveteria e uma fábrica que mostra à clientela como se faz chocolate bean to bar.
Bean to bar é o conceito que envolve produzir o chocolate desde as amêndoas (e não comprando massa de cacau já processada por terceiros), mantendo as características de cada lote e variedade e criando um ciclo limpo desde a produção nas fazendas, com remuneração mais alta que a média para fortalecer o produto premium - que inclui fermentação e secagem em ciclos mais longos (leia mais sobre bean to bar aqui).
Hoje, cerca de 200 produtores no sul da Bahia são fornecedores da marca, que foi fundada em 2017 e fabrica em torno de 20 toneladas de chocolate por mês. O selo sustentável acompanha seu DNA, que tem por trás o peso do empresário Guilherme Leal, sócio-fundador da Natura, reconhecido por seu trabalho de valorização ambiental.
Para fomentar o ciclo virtuoso do cacau em nível social no sul da Bahia, Guilherme também impulsionou a fundação do Instituto Arapyaú, entidade de sustentabilidade que promove o desenvolvimento nessa região baiana desde 2005, além do Centro de Inovação do Cacau (CIC), que ajuda a melhorar o setor por meio de estudos e premiação dos produtores (leia mais abaixo).
“Por que não compramos cacau de outras regiões do País? Porque queremos testar nossa tese de desenvolvimento territorial no sul da Bahia. Como vamos ver se melhoramos o IDH e outros índices, valorizando o capital humano da região, se comprarmos de outros lugares?”, diz Estevan Sartorelli, CEO da Dengo, que trabalhou no marketing da Natura.
Segundo Sartorelli, a loja-conceito estava idealizada desde antes da pandemia para estar na rua, não em shopping, como todas as outras unidades. “A experiência que a gente queria refletir aqui tinha que refletir um frescor de rua, de baianidade. E o bairro de Pinheiros é um polo gastronômico, atrai tanto paulistanos quanto turistas.”
Produtos exclusivos da loja-conceito
A minifábrica de chocolate é uma atração no espaço, podendo ser vista também dos outros andares, desde a quebra das amêndoas e separação das cascas até o momento da montagem de barras customizadas pelos clientes.
Na fábrica da Dengo em Santo Amaro, já visitada pela reportagem do Estadão PME, o processamento do cacau é feito em maquinário fechado, como em qualquer outra indústria. Mas ali na Faria Lima a moagem é destampada, para que o cliente veja a massa de cacau sendo refinada. O moinho foi construído com peças de sucata de 1940, encontradas em loja de sucata industrial em Araraquara (SP), conta Sartorelli.
Só ali há itens que outras lojas não vendem, como todas as receitas de confeitaria e restaurante, liderados pela chef Sanae Mattos, além de drinques (com gim e vodca nacionais) e sorvetes, que contam com a consultoria da mestre-sorveteria Marcia Garbin, da Gelato Boutique. O destaque fica por conta da máquina de soft que tira sorvete de polpa de cacau, chamado ali de cacauí.
A loja também exibe cafés e vinhos, além de barras de chocolate bean to bar de outras marcas empreendedoras, como Baianí, Mestiço e Mission, que compõem a Associação Bean to Bar, da qual a Dengo faz parte. A loja ainda conta com um espaço que pode servir para workshops (o 1º será em janeiro) e mesas-redondas.
“O mundo pós-covid é da colaboração. É possível fazer junto. Nossa concorrência é a velha indústria. Chocolate bom é o bean to bar porque tem o sabor integral da amêndoa, é local e transparente. Esse é o futuro”, diz Sartorelli.
Até o fim deste ano, o CEO da Dengo promete a 20ª loja da marca em Ilhéus, também de rua. A projeção para 2021 é abrir oito novas lojas, entrando em praças como Minas Gerais e estudando internacionalização do negócio (que estava planejada para este ano, mas foi suspensa por conta da pandemia).
Premiação de cacau e chocolate
Para incentivar produtores de cacau a melhorar seus produtos, o Centro de Inovação do Cacau (CIC), em parceria com a a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), divulgou em setembro os premiados na 2ª edição do Concurso Nacional de Cacau Especial.
Enquanto no ano passado, o destaque havia ficado com produtores de Bahia e Pará (que depois representaram o Brasil no Salão do Chocolate em Paris), desta vez o Espírito Santo levou as melhores posições. Foram 63 produtores inscritos do País, que é hoje o sexto maior produtor de cacau do mundo.
Categoria varietal
- Fazenda Guarani (ES), de Ana Cláudia Milanez Rigoni
- Fazenda Pequi (BA), de José Luís Fagundes
- Fazenda Marigloria (BA), de Gleibe Luís Torres Santos
Categoria blend
- Sítio Dona Nita (ES), de Fernando Rigo Buffon
- Fazenda panorama (PA), de Helton Gutzeit Calasans
- Fazenda ouro verde (BA), de Alexandre Buhr Magalhães
Categoria experimental
- Sítio Santo Onofre (PA), de Cristiane Martins Ferreira, com processo de fermentação acelerada
Já no universo dos chocolates, a especialista Zélia Frangioni, que compartilha conteúdos sobre o setor no site Chocólatras Online, promove a 4ª edição do Prêmio Bean to Bar Brasil. Para esta edição, foram 38 marcas inscritas com 72 barras ao todo. Entre os destaques do ano passado estão as marcas Gallette e Mission, ambas de São Paulo.
Participam da avaliação às cegas especialistas do ramo e degustadores profissionais, além dos próprios chocolateiros inscritos (também às cegas), para entenderem o padrão de chocolate do mercado e poderem melhorar seus produtos. Os resultados serão divulgados até o fim desta semana.
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