O empreendedor Thiago Kuin, 41 anos, não teve a sorte de nascer em berço de ouro, com acesso às melhores escolas. Criado na Brasilândia, periferia de São Paulo, ele conta que foi a necessidade que o fez trabalhar como office boy aos 14 anos e chegar a dono da Loja do Profissional, que vende produtos para trabalhadores autônomos, principalmente da área de limpeza. Hoje fatura mais de R$ 10 milhões por ano.
“O maior incentivo para quem é ‘largado’ é o boleto que tem para pagar. Vejo histórias inspiradoras de empresários que quebraram três vezes antes de fazer sucesso no mercado. Mas, para quem vem da Brasilândia, não dá para quebrar”, diz.
A Loja do Profissional surgiu em 2010, após uma jornada iniciada com venda de sorvetes na porta da casa da avó, dos quatro aos sete anos de idade.
Apaixonado por computadores na infância, apesar de não ter tido um em casa, Kuin também trabalhou como auxiliar técnico de processamento de dados e com integração de software até os 18 anos.
Pagou cursos de informática com os primeiros salários
Investiu os primeiros salários em cursos de informática e passou a complementar a renda oferecendo serviços por fora, como o conserto de computadores e a criação de sites.
“Com 15 anos, eu pegava lista telefônica e usava a hora do almoço para ligar para todo mundo oferecendo serviço”, relembra o empresário.
Durante o dia, trabalhava como CLT; à noite e nos fins de semana, fazendo bicos. A rotina ficou insustentável e ele pediu demissão do lugar onde trabalhava para se dedicar ao próprio negócio. “Cheguei a ficar 15 dias sem dormir”.
Com o negócio, Kuin acordava cedo e enfrentava idas e vindas de ônibus e metrô lotados diariamente para atender os clientes.
Aos 21 anos, casou e, mais tarde, teve duas filhas – Maria Eduarda, 18, e Raquel, 16. O trabalho não deu conta das despesas da família. Decidiu, com a esposa, Marjorie Cupola Kuin, 45, abrir um e-commerce, que inicialmente vendia “tudo o que dava na telha”.
“A Marjorie ficava em uma salinha com dois berços e vendia pelo telefone, enquanto eu saía na rua para comprar e entregar os produtos”.
Mais tarde, Kuin percebeu uma facilidade maior no que ele chama de “vendas por necessidade”. Foi assim que surgiu a Loja do Profissional.
“Não teve estudo de mercado, não teve plano de negócio, nada disso. Foi olhar e entender que tinha oportunidade ali”, revela.
Começo sem dinheiro
O faturamento da Loja do Profissional fechou em R$ 10,2 milhões em 2022. Para 2023, a expectativa é chegar em R$ 11,7 milhões.
Mas nada disso foi fácil, principalmente no início. “A maior dificuldade foi adentrar um mundo de coisas que nós não tínhamos. Como comprar em 28 dias e vender em 10 vezes sem juros? Fazer comércio no Brasil é visitar a empresa de frete, pagar e ter que oferecer frete grátis. Faz o que para que isso aconteça? Na escola em que estudei, mal aprendi português e matemática, quanto mais esse tipo de coisa”, aponta Kuin, que estudou em escolas públicas.
Segundo o empresário, o maior investimento inicial foi o sistema principal da loja online, no valor de cerca de R$ 28 mil. “Fui pagando em parcelinhas, à medida em que fui trabalhando. Precisávamos alugar um local. Tínhamos dinheiro? Não. Foi na cara e na coragem”, diz.
Para os demais serviços de que precisava, oferecia permuta: em troca do acesso ao sistema para instalar o e-commerce, por exemplo, ele fazia um site ou consertava computadores para a empresa. “Na minha vida toda, fui acostumado a fazer as coisas com orçamento zero”, explica.
Kuin também atribui as experiências passadas à sua capacidade de negociação. “Vender sorvete pelo buraquinho do portão de casa na Brasilândia, andar por São Paulo sozinho aos 14 anos, tudo isso foi me relacionando com pessoas. Hoje, converso com qualquer um”, orgulha-se.
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Cursos gratuitos para trabalhadores
Além da venda de produtos, a Loja do Profissional oferece cursos técnicos e de gestão gratuitos. As aulas acontecem dentro de uma sala com capacidade para 55 pessoas na sede da loja, no bairro de Água Branca, em São Paulo.
“Os nossos clientes são diaristas, lavadores de sofá, restauradores de piso, profissionais da limpeza em geral. Nós fornecemos os produtos, e a pessoa treina conosco, tem acesso a cursos que nunca teria”, detalha Kuin.
Criada em outubro de 2020, durante a pandemia, a iniciativa já atendeu a mais de 10 mil pessoas. O empresário vê a ação como uma forma de retribuir a ajuda que recebeu quando jovem.
Na construtora onde trabalhou como office boy aos 14 anos, tentou vender as férias a fim de juntar dinheiro para pagar cursos de informática.
Sensibilizada, a então chefe do ainda menino convenceu os diretores da empresa a bancar os cursos. “De certa forma, sinto que consegui fazer a mesma coisa que fizeram comigo lá atrás”, observa.
Aos 30 anos, Kuin passou a cursar publicidade e propaganda na faculdade Oswaldo Cruz. “Eu não tinha nível superior, e ficava preocupado: como eu iria cobrar as minhas meninas de fazer faculdade, se eu não fiz? Na minha família, não tinha isso de faculdade”, diz.
Em 2017, fez pós-graduação em gestão de comunicação e marketing na USP. Em 2018, estudou marketing intelligence na Universidade Nova IMS de Lisboa, em Portugal. Hoje, ministra aulas de marketing para os clientes e fabricantes dos produtos da sua loja.
As aulas de Thiago Kuin começam sempre com uma foto da Brasilândia: casinhas de tijolo amontoadas, caixas d’água à mostra. “Pergunto: vocês conhecem? Alguns reconhecem, e eu digo: vim do mesmo lar que vocês. Dá para melhorar”, relata.
Sonho em expansão
Agora, Kuin está criando mais três empresas no mercado de limpeza profissional. Entre elas, uma microfranquia de licenciamento de serviço de limpeza, a LIMPO.ai, já em funcionamento.
Kuin estima que as outras duas, uma empresa de software e uma marca de produtos de limpeza, cheguem ao mercado em janeiro do ano que vem.
“No meu maior sonho, eu trabalharia com computador. Nunca imaginei chegar a isso, ter 27 pessoas trabalhando na minha empresa, viajar pra fora do país”, afirma.
Kuin é sócio da ex-esposa, Marjorie Kuin, e recentemente incorporou nos negócios o irmão, Diogo Kuin. O início, no entanto, foi por conta própria. “O meu maior orgulho é saber que não tive uma grana de pai, de avô, de tio, de parente, nada. Foi na raça”.
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