Ela faz decoração em madeira com ajuda de detentas, que ganham poupança para quando saírem da prisão

Com projeto de marcenaria, Rozane Frazoli produz peças com apoio de detentas e também destina parte do valor arrecadado para mulheres vítimas de violência doméstica

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Foto do author Adele Robichez

Foi em 1996 que Rozane Frazoli, 68, tomou coragem para mudar de vida. Pegou os dois filhos de então 11 e 13 anos em casa e nunca mais voltou. Depois de 16 anos sofrendo violência doméstica, a mineira passou a dedicar os seus dias a ajudar outras mulheres a acessarem os seus direitos.

Hoje ela fatura entre R$ 6 mil e R$ 8 mil mensais com a Artê Oficina da Madeira, negócio que produz peças decorativas com madeira recuperada. A produção é feita com o apoio de detentas e parte das vendas é destinada a ações de ajuda a mulheres vítimas de violência doméstica.

Rozane Frazoli em palestra sobre violência doméstica Foto: Arquivo Pessoal

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Frazoli era secretária-executiva da Embratel em Belo Horizonte quando teve um problema de saúde que fez o INSS afastá-la do trabalho em 2005. Com isso, ela fechou também o pequeno comércio de cosméticos que operava paralelamente desde 2000. “Era meu plano B, deixava uma vendedora lá e produzia os cosméticos à noite e nos fins de semana. Tive que abrir mão de tudo”, lamenta.

A empreendedora mergulhou no voluntariado em 2006. Recebeu um convite para dar aulas de cosméticos na Pastoral da Mulher Marginalizada, que acompanha mulheres em situação de prostituição em Belo Horizonte.

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“Descobri que ensino muito bem, tenho paciência e jeito para ensinar. Eu conseguia entender também a dificuldade da vida delas, a prostituição é muito triste. Sem julgamentos e empatia, eu convivia tranquilamente”, conta. Reconhecida pelo trabalho social, ela foi indicada para atuar nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) da cidade. “Descobri esse caminho e fui trabalhando”, conta.

Pelo trabalho no Cras, foi homenageada com o título de “Cidadã do Bem” pela Câmara Municipal de Belo Horizonte.

Empreendedora recebeu homenagem da Câmara de BH Foto: Arquivo Pessoal

Quando completou cinco anos de licença, recebeu a oportunidade de fazer um curso. Escolheu marcenaria no Senai Cedetem, em uma turma com outros 29 homens. “Eu tinha vontade de fazer desde a infância, mas meus pais não deixavam porque era uma profissão tipicamente masculina”, relembra.

Nesse caminho, escutou de muitas mulheres o desejo de aprenderem igualmente a arte da marcenaria. Ainda durante o curso, aproveitou as madeiras descartadas na unidade do Senai e lançou o projeto ArtezaneBH para dar aulas a mulheres em situação de vulnerabilidade social e violência doméstica.

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“Eu ajudava como podia, levando para a delegacia para fazer corpo delito, para atendimento policial e psicológico, arranjava psicólogo, advogado, abrigo… dava o meu jeito”, relata. Frazoli fazia as ações por conta própria, já que não conseguiu patrocínio para o projeto.

Em 2020, a ArtezaneBH tornou-se a Artê Oficina da Madeira. Com a empresa, Frazoli passou a fazer um trabalho social na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), na seção feminina de Belo Horizonte. Em 2022, o projeto conseguiu patrocínio de R$ 55 mil da GSA Ativos, dinheiro que custeou a construção de uma oficina no galpão da Apac, entre outras coisas para investir na educação das 120 detentas em regime fechado.

A Artê também contou com o apoio da loja belo-horizontina Madeireira, que vende construções em madeira. A CEO da marca, Patrícia Martins, cedeu R$ 9 mil em maquinário de marcenaria. Em novembro do ano passado, a iniciativa rendeu a Frazoli o primeiro lugar no Prêmio da Maturidade Empreendedora do Instituto de Pesquisas e Projetos Empreendedores (IPPE), quando recebeu mais R$ 30 mil em maquinário.

Rozana Frazoli e Patrícia Martins, CEO da loja Madeiraria Foto: Arquivo Pessoal

Uma comissão de 10% das vendas é reservada na conta bancária das mulheres que produzem as peças, administrada pela família ou por uma cooperativa dentro da Apac. “Quanto mais produzem, mais ganham. O dinheiro é guardado e, quando elas saírem, receberão o montante”, explica Frazoli.

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Frazoli destina 10% do faturamento mensal às ações de ajuda a mulheres vítimas de violência. “Apoio as mulheres com cesta básica, uber para a delegacia, abrigo, roupas para as crianças”, cita.

A mineira está capacitando duas funcionárias para ajudarem nas aulas. A ideia é que, quando as detentas cumprirem as suas penas e saírem do presídio, a Artê absorva a mão de obra dessas mulheres também. “Queremos chegar em mais lugares, expandir o negócio. Quero que a produção chegue em um nível que eu não precise mais de patrocínio”, afirma.

"Minha parceira e as duas mulheres que estou qualificando em marcenaria para serem minha extensão", descreve Frazoli Foto: Arquivo Pessoal

As peças feitas de madeira descartada são vendidas para lojas que revendem os produtos. O custo de uma bandeja, líder de vendas e produção, gira em torno de R$ 70 a R$ 80 – depende do tipo de madeira e azulejo usados na confecção. Elas são vendidas por cerca de R$ 120 aos lojistas, que as revendem por até R$ 180.

Em seguida no ranking de peças mais produzidas estão suportes de pano de prato, feitos com uma colher ou garfo de madeira entortado na ponta, que vira um gancho. A peça é produzida com a adição de aço inox e/ou azulejos. Custa até R$ 30, é vendida a R$ 45 e pode ser revendida por até R$ 65.

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A Artê comercializa em torno de 80 bandejas e suportes por mês. A empresa também recebe, com menos frequência, encomendas de peças grandes, como mesas. Uma mesa de madeira é vendida por cerca de R$ 5 mil.

Bandejas de madeira recuperada Foto: Arquivo Pessoal

“A maioria dos materiais vêm de engenheiras e arquitetas que doam, ou compro em lojas de azulejo antigo em Belo Horizonte, com as quais tenho parceria”, explica. Produzidas sob demanda, as peças já foram enviadas para outras cidades como Ouro Preto, Rio de Janeiro e Salvador, e até outros países como Holanda.

Os produtos são anunciados na conta da Artê no Instagram, com pouco mais de 1,7 mil seguidores. As encomendas também são feitas por meio de grupos de mulheres, como o Grupo de Mulheres do Brasil, da empresária Luiza Trajano. “Participo de muitos grupos, a gente acaba interagindo e divulgando o nosso trabalho.”

“Estou tentando agora o mercado de São Paulo porque valoriza as peças de Minas. Também quero vender no atacado futuramente”, diz.

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Oficina da Artê, no galpão da Apac feminina de BH Foto: Arquivo Pessoal

Empreender deu a Frazoli poder de decisão

“O que paralisa, não deixa tomar decisão, é o medo.” Frazoli passou 16 anos sem entender o processo da violência doméstica, sem se dar conta do que a fazia aceitar todo tipo de abuso: físico, psicológico, moral, sexual e patrimonial. O entendimento se deu ao ler o livro “Mulheres que amam demais”, de Robin Norwood, sobre mulheres que se habituaram a sofrer em seus relacionamentos.

“Fiz terapia e vi que tinha condições de sair da dependência do meu então marido. Tinha pouco conhecimento de leis, tinha medo de perder minha casa, perder filhos… Quando soube que não perdia, que tinha uma lei que me amparava, eu saí de casa com os meninos. Me senti forte”, relembra.

Empreender a deu mais poder de decisão. “Nas minhas aulas, faço uma dinâmica com as mulheres. Peço: ‘me falem uma palavra que define uma característica de vocês. Elas falam ‘guerreira’, ‘batalhadora’.... eu falo que sou poderosa. Dão risada, e eu questiono: ‘Acham que falo isso porque sou arrogante, metida? Não, sou poderosa porque tenho o poder de decidir a vida que eu quero ter.’ Hoje posso posso falar que tenho poder, o empreendedorismo dá isso.”, afirma.

Estante de Rozane Frazoli para a arquiteta Katarina Grillo na CasaCor Minas Gerais em 2021 Foto: Arquivo Pessoal

Com o intuito de captar recursos para capacitar e ajudar mais mulheres, Frazoli criou uma ONG em parceria com outros negócios e instituições: o Instituto Frazoli. “Meus parceiros escolheram esse nome para me homenagear. É muito bacana ver esse retorno, fiquei contente”, diz.

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A ideia é que a organização concorra em editais para levar para a frente projetos de apoio a vítimas de violência doméstica. A ONG foi regularizada recentemente, ainda não começou a atuar. Frazoli encerrou o MEI, modelo no qual atuava com a Artê, e está no processo de tornar o negócio uma microempresa, ME.

A Artê Oficina da Madeira conta com nove avaliações na sua página do Facebook, com nota geral máxima. As classificações são calculadas com base em avaliações e recomendações. Elas variam de zero a cinco.

Criatividade para impacto social

Karoline Gonçalves, consultora de negócios do Sebrae-SP, destaca a importância das pequenas empresas na promoção de impacto social e transformação comunitária. Ela indica que integrar essas práticas no modelo de negócio não exige necessariamente recursos financeiros robustos, mas criatividade e engajamento comunitário.

A consultora enfatiza que pequenas empresas podem começar apoiando causas com seus próprios recursos, como conhecimento técnico e redes de contatos. “É essencial entender a estrutura da empresa e como ela pode apoiar iniciativas sociais de forma sustentável”, comenta.

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Sobre os desafios enfrentados por pequenos negócios ao implementar práticas de responsabilidade social, Gonçalves menciona o desconhecimento e a crença equivocada de que apenas grandes investimentos são eficazes. Ela encoraja a adoção de práticas simples, como políticas de contratação local e flexibilidade para funcionários, que fortalecem não apenas a marca da empresa, mas também a comunidade em que está inserida.

Mas ela destaca a importância de um planejamento cuidadoso. “É crucial entender o impacto financeiro de apoiar causas sociais e explorar outras formas de contribuir, como voluntariado corporativo e parcerias com organizações locais”, explica.

Colaborar com a comunidade e organizações locais é outra estratégia mencionada pela consultora. Ela ressalta que pequenas empresas podem patrocinar eventos, doar recursos e tempo de seus funcionários, ampliando o alcance e impacto de suas iniciativas sociais. Gonçalves enfatiza a importância de medir e comunicar o impacto dessas atividades, criando indicadores próprios que demonstram o valor social gerado.

A consultora recomenda que as iniciativas estejam alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. “Pequenos negócios não são apenas economicamente viáveis, mas também socialmente responsáveis e ambientalmente conscientes”, afirma.

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