De volta ao passado? Mercado de câmeras analógicas cresce no Brasil e vira aposta de empreendedores

Modelos retrôs chegam a custar R$ 50 mil; tendência acompanha influência das redes sociais e oposição ao estilo de vida acelerado

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Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:

Sempre que a empresária Larissa Janz, 28, olhava as fotografias da cerimônia dos pais, realizada há mais de 30 anos, ela tinha vontade de recriar algo parecido um dia. Quando chegou a hora de acertar os detalhes do seu casamento, em 2022, ela buscou uma empresa especializada em fotografia analógica. Durante a festa, Alexandre do Carmo, 28, e Erikson Veríssimo, 27, proprietários da Bixa Analógica, registraram o matrimônio e distribuíram câmeras para os convidados. “Nós vimos como foi o nosso casamento pelos olhares dos convidados. Foi completamente diferente”, relembra Larissa, atraída por um movimento que engaja, principalmente, mulheres e jovens.

Alexandre e Erikson começaram a notar uma procura maior de casais no final do ano passado. Antes do casório de Larissa, eles tinham feito a cobertura de outros seis. Para 2023, a agenda está fechada para mais quatro eventos - todos casamentos. Os pacotes para esse tipo de serviço custam entre R$ 9 mil e R$ 12 mil. Já as câmeras vendidas pelo casal estão avaliadas a partir de R$ 200 e podem alcançar até R$ 50 mil, valor do modelo mais caro, a Rolleimarin, uma das primeiras caixas aquáticas fabricadas na década de 1950.

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O mercado explorado pelo casal acompanha o crescente resgate da fotografia analógica para registro de memórias. Em meio ao estilo de vida acelerado, um número cada vez maior de pessoas quer aproveitar um processo mais lento e nostálgico, com fotos com aspecto granulado e suave. “Às vezes, nenhum filme dá certo, vem a frustração e ensina a pessoa a lidar com isso, entendendo que o melhor é poder contar a história da foto, que é mais importante que o produto final”, afirma Jacob Bosch Contreras, diretor do Festival de Arte Analógica de São Paulo.

A terceira edição do evento aconteceu na última semana na capital paulista e reuniu acadêmicos, empreendedores e entusiastas pelo mundo da fotografia analógica.

Entre os participantes do evento estava a dupla criadora da Bixa Analógica, que ingressou nesse universo a partir de uma câmera analógica herdada da família de um deles. Na época, Alexandre, que é estudante de direito, estava trabalhando como entregador de aplicativo e Erikson, graduando em artes visuais, havia sido recém-demitido. Com pouco dinheiro e sem perspectiva de melhoras, veio o estalo de garimpar câmeras antigas assim como a que ganharam de presente.

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Em busca de mais modelos, a dupla perambulou por feiras de antiguidades, comunidades virtuais de equipamentos analógicos e até em ferro velho. Em outubro de 2020, o resultado da procura gerou a ideia de abrir a Bixa Analógica no Instagram. Não demorou para o e-commerce furar a bolha e alcançar figuras públicas, como Larissa Manoela e Maísa. Em um único mês, os sócios chegaram a vender mais de mil câmeras. “Nós pensamos: ‘vamos postar conteúdos para fazer as pessoas se interessarem pelo tema’”, resume Alexandre.

Alexandre do Carmo (à esquerda), 28, e Erikson Veríssimo (à direita), 27, criadores da Bixa Analógica, empresa especializada em coberturas de eventos com fotografias neste estilo. Na foto, Alexandre manuseia uma Rolleiflex 2.8E, modelo de 1956. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Atualmente, o desafio do casal é se consolidar ao lado de empresas mais antigas no setor. “Nós temos um bom faturamento, mas estamos em busca de estabilidade no sentido de ser uma referência no mercado”, projeta Erikson, acrescentando que planejam montar um espaço físico em São Paulo ou no Rio de Janeiro.

Em Belo Horizonte, quando o fotógrafo Athos Souza, 36, ficou desempregado após a empresa de fotografia em que trabalhava falir por causa da pandemia, ele não pensou duas vezes para colocar na rua um projeto antigo: a loja Festival de Filmes Vencidos (FFV). Por dominar a técnica e conhecer gente do ramo, ele apostou no negócio: vendeu os seus equipamentos profissionais e investiu inicialmente R$ 150 mil.

A loja, fundada em 2020, comercializa exclusivamente artigos analógicos, como câmeras, acessórios e serviços de revelação, mas o carro-chefe do negócio é o filme analógico, que corresponde a 70% das vendas e pode variar de R$ 18 a R$ 170. “Quem experimenta a primeira vez se impressiona muito”, comenta Athos.

Os filmes funcionam para filmadoras, câmeras que usam 35mm e profissionais. Cada um deles, independente do modelo do equipamento, tem capacidade para 36 fotos. Diferente do imediatismo de uma foto feita em um smartphone, a analógica leva alguns dias para ficar pronta. Outro detalhe, que talvez passe despercebido pelas novas gerações, é de que os filmes só podem ser revelados caso tenham completado os 36 retratos.

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Os tipos vencidos fazem sucesso na loja. Na prática, filmes têm uma durabilidade de em média dois anos, após esse período o fabricante não garante o mesmo resultado das imagens. É exatamente esses efeitos inesperados que empolgam os consumidores, explica Athos.

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Hoje, somente a Kodak e a Alfa Foto Química produzem o químico necessário para revelar os filmes. Essa limitação de fornecedores acaba encarecendo o valor dos produtos. Embora seja contra a imagem “de hobby caro”, Athos reconhece o desafio para baratear o alto custo dos filmes. “Eu não gosto dessa história de ser exclusivo, de não ser viável. Mas estamos em um momento um pouco complexo.”

Quando tudo era mato

Outro belo-horizontino que integra o mercado analógico é o empreendedor Lucas Ferreira, 30. Ele decidiu migrar de carreira depois da consolidação da loja online Câmera Analógica, no ar há mais de cinco anos. Lucas largou a profissão de economista para cuidar do negócio. Assim como Athos, ele estuda o estilo há mais de 10 anos, quando o mercado ainda estava desvalorizado. “Participava de comunidades no Orkut, de fóruns e de grupos no Facebook”, relembra. Nesses canais específicos, ele comprava e anunciava equipamentos.

A expansão do negócio foi uma oportunidade para diversificar a base de clientes. “Uma grande diferença foi alcançar o público que não sabia que desejava fotografar com analógica.” Lucas começou investindo apenas R$ 100. Agora, ele revende câmeras que custam entre R$ 99 e R$ 10 mil, distribuídas em compactas, médio formato e profissionais.

Para competir no mercado, ele aposta na credibilidade do seu negócio, por estar há mais tempo no setor, ter um público maior e entregar custo benefício dos produtos. “O pessoal que gosta de analógica já conhece o nosso trabalho, depois podem até conhecer outras lojas. Mas esses lugares precisam cativar aquele cliente que já temos cativado.” Paralelo à venda de câmeras analógicas, Lucas abriu em 2022 uma “filial” de discos de vinil.

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Os empreendedores do mercado de máquinas analógicas veem sinais de que a procura está se expandindo. Por outro lado, esbarram em um problema. “As câmeras que compramos não são mais fabricadas, é uma luta para conseguir comprar”, afirma Athos, da Festival de Filmes Vencidos. O impasse que as três lojas enfrentam é ter uma demanda maior que a oferta.

Enquanto isso, a dualidade do movimento continua: consumidores que chegam através das redes sociais e de uma tendência de busca por um estilo atemporal, menos acelerado. “Muita gente só compra por ter visto blogueiro x usando analógica. Mas as pessoas que ficam são porque se apaixonam. Então, tem a 1ª leva de compra e depois vem a rotatividade das mesmas pessoas”, avalia Athos.