Mercado ‘plant based’ demanda mais matérias-primas nacionais, aponta estudo

84% das empresas gostariam de ter mais ingredientes locais para produzir alimentos à base de plantas, diz The Good Food Institute Brasil; produção nacional ajudaria a baratear custos

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Foto do author Juliana Pio

Muitos são os desafios a serem superados para que os alimentos plant based (feitos à base de plantas), como carnes, ovos e laticínios, se tornem uma realidade na mesa da maioria dos brasileiros. Embora seja um mercado em expansão, ainda esbarra no desenvolvimento de matérias-primas nacionais, o que resulta em dependência da importação e altos custos ao consumidor.

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Estudo do The Good Food Institute Brasil (GFI) com a participação de 21 empresas, publicado neste mês, identificou oportunidades e desafios do setor no País. Segundo a pesquisa, a principal demanda, apontada por 84% dos entrevistados, é o desenvolvimento de ingredientes no mercado brasileiro, onde a soja ainda é predominante - marcas de carne vegetal importam proteína de ervilha, por exemplo, para seus produtos.

“Esse é o desafio prioritário da esmagadora maioria das indústrias. Ingredientes importados estão sujeitos à variação de câmbio, demoras logísticas, escassez, problemas na importação, dentre outros. É mais difícil para a empresa gerir. Acima de tudo, a importação afeta muito o preço, já que o câmbio é tão desfavorável para os brasileiros”, explica Gustavo Guadagnini, diretor executivo do GFI Brasil.

Para se ter uma ideia, outro levantamento do instituto realizado em maio deste ano com 50 produtos cárneos feitos de plantas, de 11 marcas diferentes, mostrou que 82% continham proteína de ervilha (ingrediente utilizado por empresas como Not.Co, N.Ovo e The New), 73% de soja e apenas 9% continham proteínas de feijão, grão-de-bico ou trigo.

Leites vegetais despontam no mercado plant based com variedade de sabores e marcas, como Not.Co e Vida Veg. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

“Sabemos que a proteína de ervilha importada é muito usada, porém há dezenas de outros ingredientes que também podem ser, como aromas, texturizantes, entre outros”, destaca Guadagnini.

A falta de matérias-primas e ingredientes nacionais é um problema enfrentado por foodtechs (startups de alimentação), como a VidaVeg. Até o semestre passado, a empresa importava um creme de coco da Ásia para fazer iogurte. Segundo o sócio-diretor Anderson Rodrigues, não havia quem produzisse o ingrediente sem conservantes e com o mesmo padrão de qualidade no Brasil. 

“Desenvolvemos fornecedores locais e hoje conseguimos comprar a polpa de coco 100% natural no País. Também estamos buscando nos aproximar de produtores de castanha-de-caju. Além de desenvolver a economia local e gerar renda, é muito mais sustentável comprar aqui do que importar”, destaca o executivo da VidaVeg.

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Preços mais competitivos

Na opinião de Bruno Fonseca, CEO e fundador da The New, se o Brasil contasse com uma maior oferta de matérias-primas vegetais, além de intensificar a inovação, os preços seriam mais competitivos aos consumidores. “Temos visto uma melhora nos últimos tempos, mas ainda há uma enorme demanda reprimida e a necessidade de agregar tecnologia a esses ingredientes.”

Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), existe uma grande variedade de matérias-primas disponíveis no Brasil com potencial para atender a demanda por novas fontes de proteínas, como feijão, arroz, milho, soja, amendoim, gergelim, girassol, sorgo, aveia, centeio, cevada, trigo e batata. No entanto, ainda faltam estudos para a definição dos processos de extração mais adequados.

Bruno Fonseca, fundador da The New, na nova fábrica, em São Paulo, que permitiu aumentar em 15 vezes a capacidade produtiva da foodtech. Foto: Felipe Rau/Estadão

Atualmente, o GFI financia uma pesquisa da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que avalia a utilização do feijão, produzido no Brasil, como alternativa à proteína da ervilha (importada). Paralelamente, também investe no desenvolvimento de ingredientes a partir da biodiversidade da Amazônia e do Cerrado.

“Temos a maior biodiversidade do mundo, por isso também o maior potencial de desenvolvimento de ingredientes com base vegetal. É preciso investir nessa ciência e apoiar empresas que tragam produtos nacionais para seus portfólios”, acredita Guadagnini.

Os alimentos plant based representam um mercado em expansão no Brasil e no mundo. As empresas de proteínas alternativas receberam US$ 3,1 bilhões de investimentos em 2020, de acordo com o GFI, mais que três vezes o levantado em 2019 (US$ 1 bilhão).

Os investimentos são reflexo de uma mudança de comportamento de consumo, impulsionada pelos chamados "flexitarianos". Pesquisa feita pela Dupont na América Latina em 2020 indica que 67% dos brasileiros têm interesse em proteínas vegetais, o que ajuda a explicar o crescimento nos últimos anos.

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Confira os 5 principais pontos da pesquisa

A partir de questionário realizado com 21 empresas de produtos plant based, o GFI Brasil identificou linhas de pesquisa prioritárias para acelerar a inovação na indústria de proteínas alternativas no País:

1. Ingredientes com melhores funcionalidades tecnológicas

O consumidor busca nos produtos vegetais a experiência sensorial do produto tradicional, ou seja, que o queijo derreta e gratine, que o sorvete seja cremoso e que o hambúrguer tenha suculência. É possível entregar essas características aprimorando as funcionalidades de proteínas, gorduras e carboidratos e também por meio da ação de certos aditivos. 

2. Ingredientes que mimetizam o sabor característico

O dado reflete uma demanda vinda do mercado, que busca sabor, aroma e textura iguais ou melhores do que o produto original. Alimentos vegetais ainda apresentam sabor residual, o que torna o mimetismo um desafio para a indústria. O desenvolvimento de ingredientes que atendam a essas demandas representa oportunidade para as empresas do setor. 

3. Novos processos com apelo ‘clean label’

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Produtos com apelo ‘clean label’ (rótulo limpo) têm sido cada vez mais valorizados pelos consumidores. Atualmente, produtos vegetais ainda possuem formulações complexas, tornando os rótulos difíceis de serem compreendidos e criando barreiras para a compra. É necessário simplificar as formulações e desenvolver alternativas para substituir aditivos, aromas e corantes modificados por ingredientes mais conhecidos.

4. Produto final com características nutricionais desejadas

A maioria dos consumidores de produtos feitos de plantas é composta por pessoas que reduziram o consumo de produtos animais, com esse grupo chegando a 49% da população em 2020, de acordo com o GFI Brasil. Segundo a pesquisa, é importante que o produto final entregue as características de saudabilidade desejadas e que a indústria se dedique a aprimorar características nutricionais, como diminuir o teor de gordura e sódio e aumentar o teor de proteína e fibras.

5. Mimetizar textura e gordura da gordura animal

Replicar o sabor e a textura da gordura animal ainda é desafiador para a indústria, assim como as propriedades nutricionais do ômega-3 encontrado em frutos do mar e peixes. Conforme a demanda por carne e frutos do mar vegetais cresce, novas fontes e métodos de produção serão necessários para garantir o perfil sensorial esperado pelo consumidor. 

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