Comecemos pela ideia de que o conforto é relativo. Para um, pode ser usar tênis ou roupas de tecidos mais leves; para outro, um salto que ajuda na postura ou uma camisa mais apertada. O fato é que a pandemia, mais uma vez, acelerou um movimento na moda que já vinha dando o ar da graça: o das roupas comfy, modernas e com estilo em todos os espaços, não só em casa. De olho nos desejos dos clientes, pequenas empresas do setor tiveram bons resultados ao investir em modelagens adaptáveis e com tecnologia que proporcionam esse bem-estar.
“A moda confortável deixou de ser o patinho feio, pararam de olhar para o conforto como algo que desmerece o look, que tira o brilho. Deixou de ser moda específica para estar em casa e passou a ser incorporada à moda propriamente dita”, observa a consultora de estilo Carol Caliman, cofundadora da Assinatura de Estilo (AE) com a amiga Carlinha Catap. Um dos lemas da dupla quando se fala de moda confortável é: conforto não é desleixo.
É claro que todos podem seguir usando um moletom e peças com caimento solto e largas, mas a proposta é que elas não precisam ser somente pretas ou cinzas, sem texturas, sem graça. A especialista fala em uma ressignificação de como se vê o moletom, que ganhou cores vibrantes, gola e comprimentos variados de manga. Porém, vale lembrar outro ditado da AE: ninguém “tem que” nada, mas, se quiser, “pode”.
Por trás dessa diversidade de roupas está o entendimento da diversidade de corpos, algo que a empresária Lela Brandão preza na marca de vestuário feminino que lançou em setembro do ano passado. Com o lema "uma mulher confortável em si é uma revolução", as peças são adaptáveis e conversam com a demanda atual por conforto e estilo equilibrados. Há, por exemplo, uma calça pantalona de moletom, que entrega os dois. O catálogo inclui camisetas, kimonos, casacos.
"São peças que se moldam ao seu corpo e não deixam de servir se você emagrecer ou engordar alguns quilos, te permitem sentar depois do almoço sem ter que abrir nenhum botão, possibilitam que o seu corpo se movimente livremente. A gente faz isso, por exemplo, com o uso de elásticos nas cinturas das calças, malhas que expandem, modelagens mais largas no caso de tecidos que não são tão maleáveis", ela explica.
A marca, que leva o nome da criadora, é nativa digital e usa, principalmente, o Instagram para comunicar o propósito, seja apresentando os looks ou dicas de bem-estar. Além do apelo atual por conforto, nascer na internet também possibilitou uma expansão rápida. Em um ano de funcionamento, a Lela Brandão Co. faturou R$ 2,2 milhões - sendo que a previsão inicial era de R$ 800 mil - e espera que o faturamento anual de 2021 atinja R$ 3 milhões.
“Foi, e ainda está sendo, uma loucura empreender na pandemia. Falando especificamente de confecção, os prazos e preços dos fornecedores ainda são bem complicados e imprevisíveis. Tivemos de alterar a data de lançamento da marca três vezes por conta dessa instabilidade”, diz Lela. Agora, a marca se prepara para lançar em novembro uma coleção de biquínis que foram desenvolvidos a partir das percepções de mais de 2 mil mulheres.
Uma pesquisa com as seguidoras indicou que as preferências e necessidades variam conforme os corpos de cada uma, então foram idealizadas duas opções para a parte de cima e duas opções para a parte debaixo, pensando em quem tem mais ou menos volume de seios, quadris e barriga. Testes com consumidoras reais também resultaram em uma adaptação na costura. Outro passo importante da marca está sendo articulado: abrir um espaço físico em São Paulo.
Tecnologia na moda confortável
Mesmo as peças mais justas podem ser confortáveis por meio de tecnologias que permitem melhor adaptabilidade ao corpo. É o que propõe a Revival com os bodies feitos de uma poliamida em que cada fio é constituído de filamentos com propriedades antiodor, por exemplo. Algoritmos também são utilizados para fazer o corte exato das peças, o que reduz o desperdício de tecido e permite a criação de modelos variados.
Marina Alcazar, fundadora da marca, conta que quando se propôs a empreender na moda, buscou formas de priorizar a sustentabilidade. "Comecei a procurar o que tinha de mais top em tecnologia e achei essa poliamida importada, que é tecida no Brasil, que entra na categoria de tecidos funcionais, com proteção UV, que não faz bolinha, não precisa passar e tem toque macio", explica.
Embora o material seja biodegradável, com estimativa de decomposição de dois anos na natureza, e tenha durabilidade calculada em dez anos, a proposta é que a peça retorne à cadeia produtiva. Cada body tem uma etiqueta técnica com QR Code pelo qual é possível saber como devolvê-lo à fábrica.
Lançada em fevereiro de 2019 na internet, a Revival começou a planejar vendas em lojas físicas no ano passado, mas a pandemia interrompeu os planos. A estratégia foi investir ainda mais no online, fortalecer o contato com a cliente após a compra e oferecer uma opção personalizada: o body maker, em que, pelo site, a pessoa escolhe modelo, cor e estilo da manga. Marina diz que "dar as caras" nas redes sociais da marca gerou ainda mais conexão com o público e ela comemora o crescimento de 300% no faturamento em 2020 comparado a 2019, além da taxa mensal de recompra de 33%.
Moda confortável em novos espaços
A consultora de estilo Carol Caliman diz que tem visto muita alfaiataria confortável, algo inimaginável antes, uma vez que esse estilo remete ao clássico, cortes ajustados e retos. Outra lembrança é a do terninho de escritório, o que seria inviável usar dentro de casa para trabalhar. Para transformar esse conceito, têm-se usado tecidos mais nobres e estruturados. Segundo a especialista, percebeu-se que não faz sentido dissociar a elegância do conforto.
Nesse segmento, a estilista Georgia Halal acredita que uma peça confortável está ligada não só ao tecido, mas à modelagem. Por isso, no DNA da marca que leva o próprio nome, a alfaiataria está conectada ao cotidiano atual e tem, por exemplo, calças mais amplas com elástico na cintura, tecidos naturais, como linho com viscose, que trazem liberdade de movimento e, diferentemente dos sintéticos, conforto térmico.
“A gente consegue desconstruir a alfaiataria para sair desse lugar careta e deixar a mulher mais confortável. Falamos que nossa marca é vibrante, tem certa irreverência”, diz ela, que investe em muita cor. Na linha de explorar outros caminhos e quebrar paradigmas, as roupas que ela produz permitem combinações com tênis e camiseta, por exemplo. A proposta também é que essas peças sejam usadas em outros contextos que não o trabalho, inclusive em casa.
Durante a pandemia, a marca passou por uma reestruturação e Georgia percebeu que as peças mais vendidas eram as calças, o que ela atribui à “modelagem que respeita o corpo da mulher”. Com o impulso do “fique em casa”, ela lançou uma linha de roupas que tinham essa vertente, mas que não deixavam de lado a elegância simples, objetiva e a possibilidade de usar em qualquer outra ocasião.
Mas a crise econômica também abalou o negócio, que nasceu em 2008 como loja física em São Paulo e iniciou o e-commerce no final de 2019. “A empresa era muito nova no digital e sofreu esse impacto de queda de faturamento, tivemos de fechar (a loja física) por seis meses no ano passado. Mas, por um lado, foi bom, porque focamos no online e a gente vem crescendo significativamente”, afirma a estilista. Sem revelar números, ela diz que o faturamento em dezembro de 2020, com venda online e loja aberta, foi maior do que no mesmo mês de 2019.
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