Moda sem gênero cresce entre clientes e alavanca pequenas marcas

Avanço de pautas de identidade de gênero na sociedade derruba barreiras e impulsiona mercado; roupas sem gênero miram cliente que experimenta novos modos de se vestir

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Por Natalie Catuogno Consani

Depois de uma viagem, Amanda Moura dos Santos passou a questionar algumas de suas escolhas de moda e roupas que vestia. Queria roupas mais confortáveis, de qualidade e com boa procedência. Decidiu fazer suas próprias camisas. Comprava tecido nacional e criou uma modelagem padrão. “Fiz um modelo baseado numa camisa masculina, mas que ficasse bom para quem tem seios também.”

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Uma conhecida, que era costureira de alta costura, a ensinou a cortar e começou a costurar as peças para ela, a princípio eram para uso próprio. Os amigos foram se interessando pelas camisas e ela começou a vender. Era 2018. Naquele ano, Amanda percebeu que havia uma demanda por suas criações, sem marcação de gênero, “para qualquer pessoa usar”. Assim nasceu a Urbelico, marca de camisas e conjuntos, que viu sua produção quintuplicar entre 2018 e 2021 e hoje produz de 150 a 200 camisas por mês.

Para o professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Fabio Mariano Borges, que é doutor em Sociologia do Consumo e especialista em comportamento do consumidor, a procura por uma moda sem marcação de gênero está crescendo.

“O mercado se adapta à tendência, não cria”, avalia ele, explicando que a moda sem gênero é fruto de uma mudança de mentalidade – que já é mais difundida na Europa – e que agora vai chegando por aqui. A moda sem gênero pressupõe que a pergunta “é para homem ou para mulher” não se aplica. 

Para Borges, o conceito de genderless (ou sem gênero) é oposto ao do unissex, que ganhou as gôndolas do varejo de roupas especialmente nos anos 1980 e 1990. Ele explica que, no caso do unissex, se pensa uma roupa que sirva para homens e mulheres. Já a moda sem gênero não leva esses estereótipos em consideração. “É como comprar um notebook. Você não pergunta se é para o gênero masculino ou feminino”, diz.

Amanda Moura dos Santos criou a marca Urbelico a partir de peças próprias, com demanda que cresceu primeiro entre amigos. Foto: Werther Santana/Estadão

Para Lucy Reis, criadora da Saia-se, marca de saias para todas as pessoas, “a moda sem gênero é mais sobre pessoas do que sobre roupa. Acreditamos que as pessoas verão – e já estão vendo –o vestir-se como algo extremamente natural, sem barreiras e com menos medo de se apresentar como si mesm@”. Apesar de, a princípio, ter sentido o impacto da pandemia por causa do fechamento dos pontos de vendas físicos, dos quais dependia, a Saia-se fechou 2020 com um avanço de 35% nas vendas online, para onde direcionou a estratégia.

“Me dei conta de que seria (uma marca) sem gênero quando meu namorado perguntou que tipo de mulher compraria (minhas saias) e eu respondi: ‘Em nenhum momento falei que seria feminino’”, conta Lucy, que hoje veste mulheres em busca de uma roupa com modelagem diferente do corte tradicional e homens que usam “todo tipo de roupas que um armário pode ter”. Também tem, entre seus clientes, aqueles que estão experimentando novos modos de vestir.

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Tamanho único e atemporal

Essa ideia de moda que vista quem se identificar com a peça, independentemente de gênero, animou o casal Emerson Brandão e Francisco Santinho, sócios da marca Cë Juntos. 

“Nossa missão é oferecer uma moda democrática, por ser de tamanho único e se adequar a vários tipos de corpos, sem gênero e atemporal, por não seguirmos tendências de moda e modismos que deixam as peças datadas”, contam.

Eles contam que a marca surgiu espontaneamente, sem uma definição estratégica prévia para atuar nesse nicho. A ideia, a princípio, era compartilhar a ideia que a dupla tem de moda e os looks que ambos criavam.

“Começamos com um modelo de negócio familiar: criávamos as peças e a Dona Laura, mãe de Emerson e sogra de Chico, coproduzia as modelagens e costurava a pequena produção. Com o crescimento das vendas, a Cë passou a dividir a produção entre Dona Laura e uma pequena oficina de costura. Passamos de uma equipe de três pessoas para uma de seis”, lembram os sócios.

Assim como os clientes da Cë Juntos, o público do Studio Dalzotto é bastante diverso. As joias artesanais e autorais, produzidas por Gabriel Dalzotto, são feitas – e usadas – por qualquer gênero, mesmo acessórios que poderiam ser considerados “femininos”.

Ainda na faculdade, Dalzotto ganhou uma bolsa para desenvolver uma linha sem gênero. Mas diz que, hoje, vê seu trabalho como uma expressão artística para quem quiser. “Não vou dizer, com minhas peças, quem deve ou não usá-las.”

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Para ele, o avanço de pautas como pluralidade, identidade de gênero e orientação sexual vão criando cada vez mais espaço para novas formas de expressão – na moda também. 

“Nesse sentido, acredito que a abertura não seja só para o ‘mercado sem gênero’ mas para um mercado artístico autoral mais amplo, que é onde me encontro hoje”, conclui.

Nem só os pequenos

“A produção de moda sem gênero ainda é pequena, mas promissora”, avalia Borges, da ESPM, explicando que, na pós-pandemia, a busca por redução de custos na produção poderá favorecer esse mercado.

Afinal, mais barato para produzir, vender e distribuir uma coleção única do que duas coleções, uma para um dos gêneros binários (homens e mulheres). Mesmo nas lojas, pensando em espaço físico, uma moda genderless pode ser mais econômica. Para quê um andar da loja para moda “homem” e outro para moda “mulher” nos grandes varejos de fast fashion?

Peças de roupa da Urbelico: modelagem padrão a partir de uma camisa masculina. Foto: Werther Santana/Estadão

Em 2016, a C&A lançou a campanha “Tudo lindo & misturado”, que trouxe, pela primeira vez, o conceito do “agênero”. Foi neste ano que as pequenas marcas começaram também a surgir e a se articular e que o conceito foi se difundindo.

Desde então, a fast fashion repetiu incursões pelo universo agênero também em 2019, 2020 e, agora, em janeiro e março de 2021, com lançamentos “gender free”. Embora não divulgue números, a C&A diz observar boa aceitação do público e procura por esses produtos.

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Borges, da ESPM, lembra que grandes marcas já aderem a essa tendência, especialmente fora do Brasil, mesmo que não necessariamente declarem isso. “Desafio é de fato a mentalidade das pessoas, saber trabalhar com essa mentalidade. Não precisa chamar de agênero, mas colocar lá e quem quiser, use!”, avalia.

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