Gelato italiano, brownie, cupcake ou temaki. Tem pelo menos dez anos que as lojas de produtos únicos invadiram os centros comerciais, alimentando um ciclo frenético de tendências gastronômicas que passaria incólume pelo mundos dos negócios não fosse por seu potencial de risco observado por empresários e investidores.
::: Saiba tudo sobre :::Mercado de franquiasO futuro das startupsGrandes empresáriosMinha história
Em comum, essas modas reservam o fato de despontarem abruptamente, potencializadas por fotos, hashtags e relatos positivos em blogs e redes sociais para, em pouco tempo, passarem ao mercado a impressão de que a oferta superou em muito a demanda pelo produto.
É uma história bem conhecida pelo publicitário Thiago Hourneaux de Moura. Em 2010 ele colocou parte de suas economias em uma loja de sorvete de iogurte no bairro da Vila Olímpia para, um ano depois, perceber que o investimento havia se transformado em prejuízo. “Quando eu vi que não ia dar certo, decidi encerrar a operação”, lembra-se ele, que hoje observa com ressalvas as oportunidades nesse setor. “Essa é uma história que já me contaram. Eu não entraria novamente numa dessas, não”, diz.
:: Leia também ::Receita dos que ficaram: qualidade com diversificaçãoCeviche peruano pode ser hoje o que o temaki foi alguns anos atrás
Escolado, Moura tinha até então um precedente positivo que alimentava seu otimismo com a moda dos sorvetes de iogurte. Quatro anos antes, ele havia inaugurado com o primo Leonardo Moura uma casa de temakis (tipo específico de sushi em formato de cone) no mesmo bairro da Vila Olímpia, a Temakeria & Cia.
O negócio, moda do verão de 2006, prosperou, alcançando 25 unidades em maio de 2015, 12 delas próprias, rendendo um faturamento de R$ 40milhões no ano passado. “Teve um pouco de sorte”, confessa Leonardo Moura, refletindo sobre a sobrevivência dos temakis no ‘mundo cão’ das tendências em alimentação. “Mas teve também uma proteção nossa ao negócio”, acrescenta Thiago. “A gente não vende só temaki, somos um restaurante japonês completo, e sabemos na pele a dificuldade que é para comprar e negociar salmão em escala, nosso principal insumo, o que reduz a concorrência.”
Barreira de entrada, aliás, é a palavra-chave na concepção de Diego Simioni, sócio-fundador da Goakira, consultoria especializada em franquias e varejo. “É preciso ficar atento e tentar fugir de oportunidades com baixa barreira de entrada, onde a demanda rapidamente fica maior que a oferta”, explica.
Em suma, isso é parte importante do desafio que têm pela frente os sócios Gilberto Verona e Gean Chu, fundadores da Los Paleteros, rede que nos últimos meses foi uma das protagonistas da última grande moda do setor de alimentação: as paletas mexicanas. O negócio foi criado em dezembro de 2012 como uma loja na cidade de veraneio Balneário Camboriú. Um ano depois já eram 13 unidades, para encerrar 2014 com 74 e, até o fechamento desta reportagem, 91 unidades. “A gente esperava um crescimento exponencial, mas nada que se comparasse ao que tivemos”, conta Verona. “Nosso último verão foi uma coisa totalmente fora da curva. Em dezembro passado, uma única loja nossa vendeu 5,2 mil paletas em um dia, quando o normal são 9 mil por mês”, afirma o empresário.
“Hoje temos uns 50 concorrentes só em São Paulo. Vai ter uma quebradeira, lógico, mas apenas as boas marcas vão permanecer”, conta ele, que pretende ampliar o sortimento de opções para além das paletas. Foi o que fizeram as sócias da Wondercakes, Paula Kenan e Marcella Lage, ao oferecerem mais do que cupcakes e enxergarem um potencial na confeitaria artística para festas. “Foi um caminho natural”, diz Paula.
:: O problema está no lucro :: SERGIO MOLINARI, consultor da Food Consulting
Existe uma dinâmica de formação dessas modas? Bom, primeiro existem as modas e as tendências. As modas pressupõem um ciclo de vida curto; tendência, não, ela perpetua. Eu acho que a dinâmica envolve ciclos cada vez menores. Se for pegar os sorvetes, em dez anos tivemos mais ou menos quatro modas, o que dá uma tempo de vida de mais ou menos dois anos para cada uma delas. Falo, pela ordem, dos gelatos italianos, dos sorvetes gourmets, os iogurtes e, agora, as paletas mexicanas.
Como o empresário pode se proteger dos prejuízos nesse tipo de investimento? Basicamente, ele tem de fazer uma conta, como fazem os donos de negócios noturnos. O varejo de alimento paga em média uma margem líquida de 12% a 15% para o empresário. Essa é uma taxa que vai fazer a empresa geralmente alcançar o ponto de equilíbrio em mais de três anos e aí é que está o problema. Para ser algo que se sustente em ciclos de dois anos, os donos de baladas forçam margens de 30% a 35%. Eles se pagam em um ano e lucram no outro.
E como ampliar assim a margem de lucro? Esse é um grande problema no Brasil, onde a questão de análise de retorno financeiro é muito rudimentar. As redes de franquia, especialmente as novas, ficam impelidas a vender franquias, mais do que construir um negócio sólido para prosperar a longo prazo. Depois acabam tendo de lidar com um conjunto enorme de franqueados insatisfeitos porque o retorno não veio. Isso tem tudo a ver com a ideia da moda gastronômica.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.