Negócio de impacto em centro urbano tem 37 vezes o capital de quem está na periferia

Empreendedor social de bairro periférico começa com R$ 19 mil, enquanto seus pares de outras regiões da cidade têm R$ 712 mil, diz pesquisa da FGV com a Fundação Arymax

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Foto do author Ludimila Honorato

As desigualdades sociais vistas entre pessoas que moram dentro e fora das periferias do Brasil se refletem nos negócios de impacto social que nascem nessas regiões. Pesquisa inédita da Fundação Getúlio Vargas com o apoio da Fundação Arymax mostra que o capital inicial de empreendedores sociais que estão fora da periferia é 37 vezes o montante daqueles que iniciam o empreendimento às margens dos centros urbanos.

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Essa diferença é mais marcante quando se observam os valores: em média, são R$ 19 mil para se começar um negócio de impacto social na periferia e R$ 712 mil para fazê-lo fora dela, somados os recursos em dinheiro e materiais, como computadores e maquinário. O baixo recurso inicial tem impacto no longo prazo e, ao afetar a empresa, tem repercussão nos resultados que ela busca alcançar. Outro dado financeiro relevante é que as receitas dos negócios de fora da periferia são, em média, 21 vezes maiores: R$ 3 milhões ante R$ 146,9 mil de quem está nas comunidades periféricas, considerando 2020 como ano-base.

“Quando o capital é muito menor, existe uma dificuldade maior de se investir em tecnologia e há uma maior aversão a risco. Isso faz com que essas empresas fiquem menores, não escalando tanto nem impactando tanto”, analisa Edgard Barki, coordenador da pesquisa e do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV (FGVCenn). Segundo ele, essas diferenças que têm como base o território continuam depois de cinco anos.

Isso se reflete na percepção dos empreendedores sobre o próprio negócio. Ao se eliminar as diferenças territoriais, 63% deles dizem estar satisfeitos com seu trabalho, principalmente os homens - entendimento que cai entre pessoas negras (48%) e da periferia (44%).

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João Guedes, sócio-fundador da Emperifa, negócio de impacto social da zona leste de SP queauxilia na gestão de outros negócios periféricos. Foto: Werther Santana/Estadão

O estudo faz parte da rede internacional de pesquisa Seforïs, que reúne universidades de nove países para entender o perfil dos empreendedores sociais e os modelos de negócio. No Brasil, os pesquisadores acrescentaram a visão da diferença territorial e entrevistaram 101 empreendedores sociais, dentro e fora das periferias, que atuam há cerca de seis anos.

Alguns achados coincidem com pesquisas anteriores, como o fato de a maioria dos empreendedores sociais da periferia ser mulher (70%) e negra (87,5%). Fora desses espaços, há mais equilíbrio de gênero (52% são homens) e predominam pessoas brancas (91%), cuja remuneração líquida mensal fica acima de R$ 6.270 para 59% deles. Já para 60% dos negócios periféricos, a remuneração líquida mensal é de até R$ 2.090.

De acordo com a pesquisa, a maior parte dos empreendedores sociais acredita que o acesso ao capital é um desafio relevante para a organização, sendo mais forte na periferia. Numa escala de 1 a 7, em que 1 é totalmente insatisfatório, a pontuação entre os empreendedores da periferia quanto a obter recursos financeiros é de 2,59. Fora dali, a satisfação fica em 4,27.

Exemplo de apoio na comunidade

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Muitas vezes, para manter a empresa funcionando, os empreendedores contam com serviços locais. Num caso que destoa da pesquisa, mas exemplifica um ciclo virtuoso de compartilhamento, a Emperifa, que dá ferramentas para a gestão de outros negócios periféricos, teve acesso a capital por meio da Articuladora de Negócios de Impacto da Periferia (Anip), criada por Marcelo Rocha, o DJ Bola, no extremo sul da capital paulista.

“A gente conseguiu entrar no Lab NIP e, ao entrar, a gente conseguiu acessar o financiamento do Banco Pérola, dinheiro que potencializou as ações da Emperifa. Ter esse acesso foi incrível, conseguimos fazer investimento, arcar com pagamento e os resultados foram legais”, diz João Guedes, sócio-fundador da Emperifa, originária da zona leste de São Paulo.

O empreendedor conta que a pandemia foi cheia de desafios, mas preferiu olhar para as oportunidades. Ele estreitou conversa com institutos e fundações que poderiam ser parceiras do negócio, digitalizou programas em parceria com a Prefeitura que antes eram presenciais e conseguiu avançar com o próprio empreendimento mesmo na crise.

Equilibrar impacto social e finanças é desafio

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Aliar o impacto social com a sustentabilidade financeira é um dos principais desafios apontados na pesquisa para fazer o empreendimento crescer. Entre os entrevistados, 56% dizem ter dificuldades em gerir o crescimento interno, como adaptar as estruturas de gestão e encontrar novos colaboradores. Garantir crescimento de recursos financeiros é indicado por 42%, enquanto determinar o modelo mais eficaz para aumentar o impacto social é desafiador para 36%.

Vivianne Naigeborin, superintendente da Fundação Arymax e uma das pioneiras na construção de negócios de impacto no País, avalia que esse campo do empreendedorismo evoluiu muito nos últimos anos e celebra as conquistas da periferia. “O número de empreendimentos cresce, existe hoje a compreensão de que os negócios não têm de vir do centro para a periferia e que a periferia tem de ser protagonista da sua solução”, comenta. Porém, há gargalos. “O que se precisa resolver é a infraestrutura de apoio ao empreendedorismo da periferia, no acesso a crédito, na venda ao mercado e no reconhecimento da importância desses empreendimentos.”

Participar do Lab NIP abriu as portas do acesso a crédito para que a Emperifa potencializasse as ações da empresa. Foto: Werther Santana/Estadão

Algumas soluções, diz ela, são oferecer meios para melhorar a gestão financeira do negócio, separando as contas de pessoa jurídica da pessoa física; permitir acesso a crédito que leve em consideração a realidade dos empreendedores, sugerindo crescimento sustentável; e construir acesso a novos mercados, para que os produtos ultrapassem as fronteiras regionais.

Para isso, diferentes formas de apoio são necessárias, além das já existentes, como as oferecidas por Arymax, Anip e Artemisia, por exemplo. A pesquisa mostra que há uma percepção geral de falta de apoio aos negócios de impacto, como de governos, autoridades locais, da comunidade empresarial ou dos bancos.

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“Muitos negócios trabalham nas áreas de saúde, educação e habitação, e o governo pode comprar esses serviços. Quando fala-se de apoio, há várias formas que são relevantes para os negócios, ainda mais os que tentam resolver problemas sociais que governos ainda não conseguem”, pontua Edgard Barki.

João Guedes conta que, no início, o contato com A Banca foi o que permitiu encarar a Emperifa como empresa. Após definir o modelo de negócio, ele entendeu que poderia oferecer serviços tanto para pessoas físicas (B2C) quanto jurídicas (B2B) e passou a estudar as necessidades do mercado para entender quais soluções oferecer em forma de parceria.

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O empreendedor faz parte daqueles que, segundo a pesquisa da FGV e Arymax, consideram que o principal motivo para a realização de parcerias é possibilitar o acesso a recursos, seja financeiro, humano, de contatos ou informação. Essas conexões, ele diz, mais do que estratégicas, são humanas e fazem a roda girar.

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“As empresas sabem que, para as pessoas continuarem consumindo seus produtos e serviços, têm de se conectar com elas. É aí que entra nosso trabalho, contribuir para que empresas estejam mais próximas da causa e do propósito. Se elas querem e precisam, por que não criar soluções juntos a partir desses olhares que se complementam?”, provoca Guedes.

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