Qual o segredo para manter um negócio centenário em funcionamento? Para a empresária Sandra Franciulli, de 45 anos, a resposta é saber se adaptar às novas tendências, mas com a qualidade de sempre.
Ela e as três irmãs - Solange, de 59, Elaine, de 57, e Vivian, de 53 - reuniram forças para superar a morte do irmão em um assalto bem em frente ao negócio e se manter como a terceira geração da família Franciulli a administrar a Padaria Italianinha, que funciona há 129 anos, desde 1896, no tradicional bairro do Bixiga, no centro de São Paulo.
Delícias italianas, como pães, massas e doces
O estabelecimento, especializado em produtos italianos, como pães, massas e doces típicos, foi fundado pelo imigrante Felipe Ponci e passou por muitas mãos até chegar, na década de 1960, ao avô de Sandra, Rafaelli Franciulli, que também veio da Itália. Na época, o pai da empresária, Wilson Franciulli, passou a ajudar o patriarca a tocar o negócio.

“Meus irmãos e eu crescemos atrás do balcão da Italianinha”, conta Sandra. O primeiro neto a assumir a padaria foi o irmão mais velho dela, Wilson Franciulli Júnior.
Tragédia familiar num assalto em frente à Italianinha
Mas ele foi baleado e morto em uma tentativa de assalto em frente à Italianinha, há 20 anos. As irmãs tiveram de reunir forças para manter a empresa da família viva.
“As pessoas acharam que a gente não continuaria com a padaria, porque meu irmão estava à frente da empresa. Perdê-lo foi o maior desafio ao longo dos anos”, afirma Sandra.
Para enfrentar o luto e dar conta da missão de gerir um negócio centenário, as irmãs dividiram as tarefas: Sandra é responsável pelas compras e pelo marketing; Solange cuida da administração e gestão financeira; Elaine chefia a cozinha; e Vivian fica à frente do atendimento ao público.
O quarteto já conta com o reforço da quarta geração: Nathália Franciulli, de 35 anos, filha de Elaine. A jovem é formada em Administração e tem um emprego paralelo, mas produz os antepastos vendidos na Italianinha e é vista pela família como a sucessora na empresa.
“Temos muitas histórias com clientes, porque alguns nos conhecem desde crianças e acompanharam o nosso crescimento. Tem pessoas que conheceram meu pai, outras que já trazem os netos para conhecer o espaço”, diz Sandra.
Italianinha tinha outro nome antes
A Italianinha tem a mesma sede desde a sua fundação, há 129 anos, na Rua Rui Barbosa. Contudo, nos primeiros 60 anos, ela ocupava um casarão inteiro e se chamava Lucânia.
Na década de 1960, alguns imóveis da Rua Rui Barbosa foram desapropriados para o alargamento da via e toda a estrutura da padaria precisou ser alocada onde funcionava o depósito, que tem apenas 20 metros quadrados. Atualmente, o espaço conta com cadeiras e mesas na calçada, para os clientes consumirem lanches.
Por conta do tamanho reduzido, ela ganhou o apelido de Italianinha - que se tornou o nome oficial do negócio. Sandra conta que a família já cogitou ir para outro endereço e chegou a abrir cafeterias em alguns pontos da cidade, mas desistiu da ideia.

“Nós gostamos de trabalhar juntas e acredito que, com todas as etapas concentradas no mesmo lugar, conseguimos ter um controle melhor do negócio. Tudo é feito aqui, as massas, os pães, os antepastos e os doces”, explica a sócia.
Entre as tradições mantidas, estão o forno, que é o mesmo desde a inauguração, e o fermento natural utilizado nos pães, chamado de levain ou massa-mãe, que foi trazido por Rafaelli da Itália.
Mas a Italianinha também passou por mudanças. Antes reservado em caixotes, o fermento natural agora é armazenado em refrigeradores. Os pães passaram a ser produzidos em tamanhos reduzidos.
“As famílias eram maiores, comiam pães grandes diariamente. Mas isso mudou, e a gente percebeu que os clientes passaram a buscar por porções menores. Então adaptamos”, conta.
O carro-chefe da Italianinha sempre foi o pão recheado com calabresa, seguido pelas versões com calabresa, provolone e mussarela e azeitonas pretas, provolone e mussarela, que custam R$ 45 cada um, com cerca de 700 gramas. Entre os doces, os mais populares são cannoli (R$ 14) e sfogliatella (R$ 14).
“Sempre temos novidades, como alguns antepastos, sanduíches e focaccias, mas mantemos as receitas originais dos pães, doces e antepastos, que já são admirados pelo paladar dos nossos clientes”, diz a empresária.
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Delivery e redes sociais para atualizar a Italianinha
Sandra conta que os desafios para manter um negócio centenário de pé são grandes. Elas tiveram que enfrentar uma tentativa de desapropriação total da área, que obrigaria a Italianinha a deixar sua primeira e única sede. Com um abaixo-assinado, as irmãs conseguiram reverter a situação.
A padaria ganhou, inclusive, um Selo de Valor Cultural da Cidade de São Paulo, que reconhece os estabelecimentos tradicionais, que adquiriram valores afetivos e simbólicos na capital paulista.
A modernização da Italianinha vai além da armazenagem dos produtos e tamanho dos pães. “A gente precisa se adaptar aos tempos modernos. Tem quem resista ao uso de máquinas de cartão, ao atendimento por WhatsApp, mas não pode. Evitar isso é ficar parado no tempo”, pontua a empresária.
Ela conta que começaram a vender pelo delivery meses antes da pandemia. No começo, as irmãs decidiram oferecer poucos produtos, já que não sabiam como acompanhar a demanda dos pedidos, nem quais seriam as melhores embalagens para garantir que eles chegassem inteiros até os clientes.
Com a covid, elas aceleraram a adaptação. “A pandemia fez a gente colocar o cardápio inteiro para entregas. Nós errávamos e consertávamos, aprendíamos o que funcionava ou não no meio do caminho”, diz.
As redes sociais também são parte da nova fase da Italianinha. No início, as irmãs pagaram um profissional para cuidar do perfil no Instagram, mas Sandra conta que achava as publicações impessoais e preferiu assumir essa função.
Ela não só posta fotos e vídeos das produções diárias, mas também faz transmissões ao vivo para mostrar o dia a dia da padaria, os pães, doces e massas disponíveis, e conversar com clientes.
A empresária afirma que o Instagram permitiu que eles alcançassem influenciadores digitais e clientes de fora da cidade de São Paulo, o que não acontecia quando a divulgação era apenas no boca a boca.
“Se você para no tempo e não coloca o seu negócio nas redes sociais, você fica realmente para trás”, conclui Sandra.
Avaliações dos clientes
A Padaria Italianinha recebeu uma classificação média de 4,6 de 5 estrelas no Google, com 1.684 avaliações até a publicação desta matéria. Os comentários positivos elogiam o sabor dos lanches e a qualidade do atendimento, já os negativos abordam as mudanças nas receitas dos pães e a quantidade de recheio nos produtos.
Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, avaliações positivas ou negativas podem ser uma ação a favor ou contra a empresa.
O estabelecimento não tem um perfil verificado no Reclame Aqui.
Qual é o segredo para ter uma empresa centenária?
Qual é o segredo para um negócio atingir mais de 100 anos? No Brasil, uma a cada quatro empresas com funcionários não chega ao seu primeiro aniversário.
Os dados estão na última edição do relatório “Demografia das Empresas e Estatísticas de Empreendedorismo”, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no final do ano passado, que avaliou o comportamento das empresas formais brasileiras entre 2017 e 2022. O levantamento não considera os microempreendedores individuais (MEIs).
Dos negócios que nasceram em 2017, 76,2% se mantiveram até 2018 pelo menos. A taxa de sobrevivência cai para 37,3% se avaliarmos o período entre 2017 e 2022. Em um cenário onde é difícil chegar a uma década, não existe receita pronta para passar de um século.
A professora da Fundação Dom Cabral (FDC) Elismar Álvares da Silva Campos, especialista em governança corporativa e curadora do projeto Family Business, afirma que a jornada depende de resiliência, esforço, dedicação, propósito, liderança e, é claro, um pouco de sorte.
“Não há mágica nessa história. Especialmente se for um negócio familiar, que vem com uma complexidade adicional que outros tipos de empresas não têm”, analisa.
Ela aponta que a preocupação em desenvolver lideranças desde o início e aprender a lidar com assuntos complexos estão os fatores que ajudaram as centenárias a alcançarem essa marca.
Elismar também diz que qualquer empresa precisa estar preparada para se adaptar às novas tendências e aproveitar as oportunidades que aparecem. Ficar preso a conceitos do passado é uma das armadilhas que compromete essa longevidade.
Alguns empreendedores podem se empolgar com o lucro nos primeiros anos do negócio, mas, para garantir a sobrevivência, o ganho precisa ser reinvestido na empresa, seja para estruturação ou crescimento, segundo a professora da FDC.
“A agenda de quem está começando um negócio é intensa, mas o empresário precisa encontrar espaço para arquitetar o futuro que quer para a empresa. É bom também que todos saibam que a cada geração caberá uma dose de sacrifício”, conclui.